Cartas de amor mentem quando falam sobre a eternidade do amor
Diferente de Fernando Pessoa, que poetizou que cartas de amor são sempre ridículas, eu, do meu singelo lugar de existir, digo que cartas de amor sempre mentem. Mentir, no sentido de "falar como se fosse verdade algo que não é, enganar, iludir". As cartas de amor sempre mentem, porque não contam o outro lado da história, porque falam meias verdades, porque jogam luz em apenas um dos lados da moeda.
As cartas de amor enganam, fazem promessas de eternidade, negam a possibilidade do fim, alimentam o mito da completude. Cartas de amor iludem ao criar uma realidade paralela onde o ser amado é condição para que o amante siga existindo. Cartas de amor iludem ao afirmar que tudo no outro será motivo de amor. Iludem ao dizer que o amor vence todas as fronteiras, que não se rompe, não desiste, não termina.
Cartas de amor mentem quando falam sobre a eternidade do amor, o qual só é eterno enquanto o amante alimentar a ilusão de que o outro é necessário. Mais do que amar o outro, amamos o que sentimos quando o outro está presente. Amamos o que recebemos deste amor, amamos o quanto o amor nos anestesia das dores de existir.
Cartas de amor sempre mentem porque prometem que o outro é único, que será o centro da vida e que todo o prazer girará em torno do mesmo. Poucos sabem que uma das coisas que sustenta o amor é o lado de fora. É o intervalo, é o desejo por outras coisas, é a possibilidade do amor circular entre amigos, família, trabalho, diversões, e, no fim do dia, voltar para o sujeito escolhido. O amor só existe em movimento.
Cartas de amor iludem porque prometem que o outro será amado apenas por existir e não pelos seus atos, gestos e palavras. Cartas de amor mentem porque não contam o que precisa ser feito para que o amor siga existindo. Ser amado dá trabalho.
Cartas de amor mentem porque não contam que amar custa um preço. Amar e ser amado implica em perdas. Perder o lugar de ter sempre a razão, perder a possibilidade de fazer só o que se quer, perder a ilusão de que o mundo só tem um ponto de vista. E aos que não querem pagar este preço, pagam com a solidão. Viver tem sempre um custo.
Cartas de amor enganam, pois iludem que o amor é constante. Não contam que às vezes se ama mais, às vezes se ama menos. Não mencionam que o amor precisa de espaço, de respiro, de ausência.
Mas cartas de amor, se têm amor, precisam mentir, ludibriar, enganar. O amor é não-todo, é sempre faltoso, é busca, é construção, é um exercício de tolerância, de promessas. Amar é acreditar que o outro é único, indispensável, central. Amar, então, seria uma ilusão?"
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko