Em 1964, há 60 anos, meu pai Diógenes Oliveira realizava um sonho. Ele, um piá de 21 anos que veio da pampa pobre tentar a sorte na capital gaúcha, passou no concurso da Companhia Estadual de Energia Elétrica, a CEEE. Com isso, ele deixava o trabalho no setor privado como bancário do Sulbanco, para conquistar estabilidade e um salário melhor como servidor público.
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Porém, um punhado de militares financiado por alguns empresários e a mando do governo dos Estados Unidos tomou o poder de assalto e mandou ele e tantos outros jovens que sonhavam com um país para todos calarem a boca. Caso desobedecessem, era cadeia, tortura e morte. Cala a tua boca! Só que não.
O sonho do concurso público foi deixado de lado, era preciso resistir e derrotar os golpistas. Meu pai então se fez guerrilheiro, pegou em armas e dobrou a aposta. A exemplo de seus ancestrais gauchescos não aceitou o cala boca. Aqueles que tentavam roubar o protagonismo do povo, por terem títulos de nobres e exercerem profissões renomadas, mais uma vez ficaram no anonimato ou foram parar na lata de lixo da história.
Dessa luta, os filhos do povo como o Diógenes tornaram-se lendas por travarem uma luta completamente desigual onde a morte era certa em nome de um ideal de liberdade, em nome da República.
No aniversário de 60 anos do golpe, abrimos as portas da casa onde meu pai morou durante 35 anos para homenagear aqueles que lutaram contra a ditadura. Além dele que dá nome a Casa de Cultura e Memória, os ex-presos políticos Ignês Serpa, Paulo de Tarso Carneiro e Ubiratan de Souza, além da uruguaia Rosa Beltrame, foram homenageados e dividiram o palco com o músico e sociólogo Ciro Ferreira que tocou músicas de luta que marcaram época.
O evento também contou com uma chamada de candombe com o grupo La Brasa Lunera e show especial de Pedro Munhoz. Após tocar a música “Quem tem coragem”, o público composto por dirigentes sindicais, parlamentares, estudantes, militantes sociais e vizinhos do bairro entoou “Diógenes, presente! Hoje e sempre!”.
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O evento contou com muita solidariedade. Na copa, amigos da Casa pegaram junto para preparar a comida e servir os convidados. Também foi lançada a revista “60 anos do golpe”, com textos do Paulo César Teixeira, Mário Maestri, Moisés Mendes e do próprio Diógenes, além de um deste que aqui escreve. A publicação contou com o apoio cultural de diversas entidades sindicais e pode ser adquirida através do perfil da Casa no Instagram (@casa.diogenesoliveira) ou WhatsApp (51986213070).
A descomemoração também contou com a exposição "Ditadura nunca mais" com obras dos artistas Alejandro Ruíz, Camila Mesquita, DS Lima, Belle Foliatti, Mari Tauchen e Márcia Antunes.
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* Jornalista, filho de Diógenes Oliveira
Edição: Katia Marko