O encerramento do 5º Seminário da Agroecologia e do 1º Seminário Nacional sobre as Mudanças Climáticas e os Impactos na Produção de Alimentos, na última terça-feira (19), em Nova Santa Rita, contou com a leitura de uma Carta Aberta (confira a íntegra aqui) e um ato com a presença de autoridades municipais, estaduais e federais.
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Mais de 600 pessoas participaram do encontro, entre agricultores assentados da reforma agrária, agricultores familiares, jovens de diversas escolas secundárias e de universidades, pesquisadores, ambientalistas, lideranças populares, sindicais, religiosas e partidárias, além de diferentes representantes de secretarias municipais e outros órgãos públicos.
A organização é uma parceria da Prefeitura Municipal de Nova Santa Rita, Emater/RS, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/RS), Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região de Porto Alegre (Cootap), Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan) e Terra Livre.
A carta aberta, em uma análise do momento atual, destacou que a lógica agroexportadora implementada pelas políticas públicas de crédito, cambio, tributária e de comercialização, estimula à geração de commodities agrícola e mineral, ao ponto de 86% das áreas destinadas às lavouras temporárias, foram implementadas com o plantio de cana de açúcar, soja e milho.
“Tal fato, determinou a redução da área plantada de feijão, mandioca, arroz, produtos da alimentação dos brasileiros, tornando os preços internos mais elevados, dificultando ainda mais o acesso aos alimentos básicos. Além do que, este sistema é altamente concentrador de terra, não permitindo o desenvolvimento de uma reforma agrária ampla e massiva”, alerta o documento.
Também chama a atenção a outra contradição deste modelo agrícola: o uso intensivo de agrotóxicos (venenos agrícolas). “No Brasil, são jogados anualmente mais de 700 milhões de litros de venenos, sendo 200 milhões de litros de glifosato e outros 50 milhões de litros de 2,4D, ambos produtos já identificados como carcinogênicos. Entre 2019 e 2022, o país liberou 2.182 agroquímicos e até julho de 2023, o MAPA registrou outros 231 produtos. Estima-se que haja em nosso país, uma subnotificação de intoxicação por agrotóxico na ordem de 1 para 50, indicando que no período entre 2010 e 2019, tivemos no Brasil próximo de 2,8 milhões de pessoas intoxicadas.”
‘É preciso defender os bens comuns da sociedade brasileira’
O documento ainda aponta que as saídas para a crise ambiental e as mudanças climáticas estão no terreno da luta política e no enfrentamento deste modelo de organização da sociedade, buscando no campo construir a defesa das terras indígenas, quilombolas e a defesa da reforma agrária popular e o avanço da implantação da agroecologia em seus mais diversos sistemas produtivos.
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“É urgente valorizar a biodiversidade, o trabalho familiar, a cooperação agrícola, aumentando sua produtividade com usos de bioinsumos e mecanização adequada à agricultura familiar e camponesa. Por isto, a defesa dos bens comuns da sociedade brasileira (seja a terra, água, a biodiversidade) cabe a nós camponeses e camponesas em aliança com os trabalhadores das cidades.”
Propostas aprovadas
A carta finaliza trazendo diversas propostas e reivindica que o governo estadual decrete Estado de Emergência Climática no Rio Grande do Sul.
▪️Concretizar o Plano Nacional Plantar Arvores e Produzir Alimentos Saudáveis, comprometendo-se com a meta estadual de plantarmos 7 milhões de arvores nos assentamentos;
▪️Que os órgãos públicos federais, estaduais e municipais fomentem a produção de mudas de árvores e estimulem o plantio nas cidades e no campo, comprometendo-se com uma ampla campanha de recuperação das matas em nosso estado;
▪️Construir uma legislação que proteja os perímetros/polos de produção agroecológica, criando áreas livres de venenos, transgênicos e pulverização aérea;
▪️Constituir política pública específica para a manutenção, preservação e melhoramento dos bancos/casas de sementes e genética para propagar a biodiversidade;
▪️Ampliar e garantir a prioridade dos alimentos agroecológicos nos programas de compras públicas de alimentos dos governos;
▪️Apoiar a difusão dos Bioinsumos para a produção agroecológica garantindo a estruturação de Biofábricas, garantindo a base genética e reprodutiva dos bioinsumos, disponibilizando equipamentos adequados a sua aplicação e viabilizar assistência técnica gratuita específica para a produção e uso dos bioinsumos.
▪️Viabilizar um Programa de Agroindustrialização de alimentos agroecológicos, possibilitando o controle da cadeia produtiva pelas organizações econômicas da agricultura assentada e familiar;
▪️Para o programa federal de crédito rural da agricultura familiar (custeio e investimento), se estabeleça juros zero e bônus de adimplência de 15% para a produção de alimentos agroecológicos;
▪️Em contraponto ao Pacote de ICMS nos Alimentos Básicos, que encarece a cesta básica, propomos em seu lugar a taxação do Agronegócio (produção de commodities) a exemplo do que fizeram os Estados do MT e GO, isentando a agricultura familiar;
▪️Apoio aos Comitês de Bacia Hidrográfica para, a exemplo do CBH do Rio do Sinos e do Rio Gravataí, aprovar a taxação da água como bem público que é, isentando os produtores agroecológicos ou em transição agroecológica;
▪️Que o governo estadual decrete Estado de Emergência Climática no Rio Grande do Sul.
‘Carta aponta desafios muito grandes’, destaca Diego Moreira
No ato solene no encerramento dos seminários foram feitos alguns anúncios para apoiar os agricultores que tiveram perdas nas lavouras de arroz agroecológico, atingidos por eventos climáticos extremos no final do ano passado.
O dirigente nacional do MST e coordenador do Setor de Produção, Diego Moreira, afirmou que foi um dia histórico para o movimento e para o setor de produção, “mas um dia também muito especial pra essa iniciativa importante que nós temos nessa região do Rio Grande do Sul, que é a produção do arroz agroecológico”.
Segundo ele, uma experiência de produção de alimento, uma experiência de organização de cadeia produtiva que orgulha muito o MST Nacional. “Não é pouca coisa poder afirmar, poder dizer, gritar em alto e bom som que somos, sim, os maiores produtores de arroz agroecológico da América Latina. Isso não é um chavão, isso tem muito significado, porque aqui há homens e mulheres, trabalhadores e trabalhadoras, que dedicam as suas vidas, dedicam o seu suor, o seu sangue pra que isso de fato aconteça.”
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Destacou que o movimento gostaria de estar comemorando mais uma grandiosa abertura do arroz, “mas os impactos climáticos, a destruição da biodiversidade da natureza, imposta por esse modelo predador do agronegócio que está aí, que inclusive coloca em xeque a própria vida humana, nos impediu. Não é a nossa responsabilidade, a responsabilidade é deles”.
Segundo Diego, é esse modelo predatório que destrói, esse modelo predatório que escraviza, esse modelo predatório que ainda agroexporta, “que impede que hoje nós pudéssemos estar comemorando mais uma abertura da colheita do arroz. É esse modelo predatório responsável pelos 30 milhões de brasileiros e brasileiras que passam fome.”
O dirigente reforçou que carta aprovada no seminário aponta que os desafios são muito grandes. “E o que precisamos continuar fazendo?”, questionou, listando uma série de ações a que o movimento se desafia.
“Nós precisamos avançar, sim, numa mecanização. Uma mecanização agrícola adequada para a agricultura familiar e para a produção do arroz. Nós precisamos avançar nos bioinsumos de forma massiva. Essa ciência que vai permitir aumentarmos a produtividade e devolver a vida para o solo, devolver a vida para a natureza.”
Também defendeu o avanço na energia solar de qualidade para que, de fato, se tenha uma energia sustentável, uma energia que esteja em diálogo com a natureza e com a biodiversidade. “Nós precisamos avançar na agroindústria, uma agroindústria adequada. Assim como nós temos as agroindústrias do arroz, mas nas várias cadeias produtivas. E precisamos avançar numa assistência técnica de qualidade. Uma assistência técnica em diálogo com o camponês, com a camponesa, com a família e que produza conhecimento.”
E desafio ao governo federal a elaborar um novo modelo de crédito que de fato atenda a agricultura familiar e a reforma agrária. “Nós precisamos voltar a ter um velho e bom Procera Teto 1 e Teto 2. Aquele crédito que você investia na cadeia produtiva, no produtor, mas também investia na cooperativa, na agroindústria. Então que possamos ter coragem de enfrentar e dizer para o governo, o Pronaf não nos serve. O Pronaf não financia a produção de alimentos desse país.”
Governo federal se compromete com a compra de sementes
Representando o Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), Milton José Fornazieri agradeceu à Prefeitura de Nova Santa Rita e ao MST por terem construído “esse importante debate em relação às mudanças climáticas e o sofrimento que a população brasileira tem quando isso acontece. E nós já sabemos quem são os causadores disso.”
Segundo ele, além de tentar entender a situação e procurar saídas, nós temos também que punir quem destrói, quem agride o meio ambiente, para que a gente possa viver melhor dentro do nosso país, do nosso continente.
“Nós estamos aqui como MDA, como Secretaria Nacional de Abastecimento, a partir da articulação daqui do estado, chegando lá em Brasília, e nós desenvolvemos propostas para tentar encontrar saídas para essa situação tão complicada que se viveu nesse ano de 2023 e um pouquinho de 2024. É uma preocupação tanto do ministro Paulo Teixeira como de todo o governo para que se encontre minimamente saídas”, destacou.
Então, segundo ele, pensando já na safra de 2024 e 2025 do arroz agroecológico, serão destinamos R$ 2,5 milhões para fazer uma compra de sementes via pregão eletrônico. “Esse orçamento sai da nossa secretaria, afinada com a Conab que irá executar esse valor.”
Também anunciou que irá retornar o PAA formação de estoque. “A nossa tarefa, juntamente com a Conab, é limpar todas as contas passadas e preparar o terreno para a gente poder voltar a operar. Além de diminuir um pouco a burocracia na sua aplicação. Então, quem sabe, a partir de uma nova dotação orçamentária, espero que chegue esse ano, a gente comece a retomar de novo as operações do PAA formação de estoque.”
E concluiu, “nós queremos, com isso, contribuir minimamente para que essa importante construção coletiva da produção de arroz agroecológico não dê nenhum retrocesso e a gente possa continuar avançando e dizendo, nós estamos fazendo a nossa parte”.
O presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), Edegar Pretto, saudou a iniciativa do seminário e anunciou que a Conab também vai entrar com mais R$ 1,5 milhão para a compra de sementes.
“O nosso anúncio fica mais gordinho, fica com R$ 4 milhões para garantir a compra de semente, para vocês fazerem a próxima safra e nós fazer de novo a grande festa do arroz agroecológico aqui no Rio Grande do Sul.”
Segundo ele, não pode ser só um discurso, tem que ser verdadeiramente nas ações. “O presidente Lula falou como candidato do seu orgulho do que representa o movimento na produção, e nós estamos fazendo a representação, mesmo sendo de casa, trazendo toda a expectativa, a vontade e o desejo do nosso presidente.”
Edegar lembrou que até agora já foram reconstruímos boa parte das políticas que já foram operacionalizadas na Conab lá atrás. “Estamos aqui como tentando botar graxa, desenferrujar uma máquina que deixou de ser usada. É exatamente isso. Quando você deixa uma máquina parada seis anos, como foi a Conab, a tendência é enferrujar, entortar alguma peça, precisa de conserto, precisa arrumá-la para a gente botar a operacionalização a 100%.”
Incra anunciou investimento na recuperação de estradas
Representando o Incra/RS, Nelson Araújo apresentou o que tem sido fruto da articulação que foi feita com vários outros órgãos do governo federal. “Nós como superintendência ajudamos a qualificar essa demanda, principalmente a demanda de estradas, tudo isso que está diretamente envolvido conosco.”
Informou que chegaram a um levantamento preliminar, junto com as cooperativas do movimento, de um valor aproximado de R$ 10 milhões. “Isso falando desde recuperação de estradas, aquisição de infraestrutura, estamos falando de produção de arroz, de bombas, de recuperação das redes de energia. O que a gente tem garantido, num primeiro momento, é a disponibilização de R$ 2 milhões para atender a demanda de estradas.”
Mas, segundo Nelson, há uma discussão dentro do governo para a construção de um polo de irrigação na região. O servidor também destacou que é necessário, urgente, uma reestruturação do Incra. “Temos um concurso aí na frente para que, de fato, a gente também consiga, nesses eventos climáticos extremos, ter condição de atender com mais agilidade, porque nós passamos praticamente de abril até dezembro do ano passado, operacionalizando um crédito.” Segundo ele, foi um investimento de R$ 43 milhões.
O prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella (PT), considerou que foi um dia muito produtivo. “Esse debate é importantíssimo. Eu não tenho dúvidas, escutando o encaminhamento da carta final, que com esse quinto seminário da agroecologia e o primeiro seminário de mudanças climáticas, nós vamos dar uma grande contribuição para o nosso país.”
Na ocasião, assinou novos contratos com assentados de Nova Santa Rita, dos programas de Mudas Orgânicas e de Mudas Nativas e Frutíferas.
Também participaram do ato, a representante da Secretaria Geral da Presidência da República, Graci Risso, da Embrapa, Leonardo Dutra, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Vanderlei Thies, e do Instituto Técnico Federal Campus Viamão, Claudio Fiorezi e Milton Bernardes.
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Edição: Marcelo Ferreira