Dentre os erros que se pode cometer, está menosprezar a disposição golpista nas Forças Armadas
O fato do ministro Alexandre de Moraes ter levantado o sigilo sobre os depoimentos dos investigados na Operação Tempus Veritatis, sobre a tentativa de golpe de Estado, foi decisivo para jogar mais luzes na compreensão do que estava e do que continua em curso no Brasil. A partir da publicização dos depoimentos e de eventuais testemunhas, passamos ter uma noção mais precisa sobre até onde pretendia ir a cúpula do governo Bolsonaro.
O conjunto das declarações, inclusive dos comandantes das Forças Armadas de Bolsonaro, demonstram que a tentativa de golpe chegou efetivamente muito perto de se consumar. Ainda será preciso conhecer e compreender outros aspectos que intervieram para que a intentona reacionária, como as relações internacionais e o peso da posição do governo Biden e das Forças Armadas dos EUA, não fosse a cabo. Contudo, não pode mais haver qualquer dúvida sobre a disposição para executar o plano golpista.
A negativa de dois dos três comandantes, apenas o Almirante Garnier da Marinha teria consentido com a manobra golpista, efetivamente impediu o desfecho golpista, mas não ilide a pequena distância que separa entre executar ou não o golpe. Grande parte das lideranças militares compartilhou o desejo golpista e esteve engajada na sua preparação.
Entre tantos generais envolvidos até o pescoço, o consentimento de Garnier e as ligações diretas do General Estevam Theophilo, ex-chefe do Comando de Operações Terrestres, com Bolsonaro revelam uma realidade complexa e fragmentada dentro das Forças Armadas. Além da quebra de hierarquia, os encontros de Bolsonaro com o comandante operacional do Exército, que controla efetivamente a mobilização de tropas, demonstram que havia efetiva preparação para o acionamento de efetivos dispostos, tais como a Brigada de Operações Especiais do Exército e o Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha, para a conspiração. O que, se posto em prática poderia funcionar como uma espécie de fagulha no processo golpista.
Dentre os erros que se pode cometer, um dos mais nefastos seria menosprezar a disposição golpista nas Forças Armadas. Simplificar a interpretação sobre os fatos e considerar que não passaram de episódios circunscritos a si mesmo e superados, seriam os outros erros mortais.
O projeto de golpe, não parece ainda totalmente sepultado. A extrema direita e o próprio Bolsonaro não deixaram de agir no sentido de buscar construir as condições suficientes para um golpe. Bolsonaro e seus seguidores continuam questionando a Constituição Federal e o sistema institucional. Suas ações e declarações têm o sentido de aglutinar uma base social favorável a qualquer propósito para inviabilizar a democracia no país. A retórica antilulista, anticomunista e a difusão de valores retrógrados vão movimentando uma base social disposta a dar audiência ao que há de mais conservador na cultura política das elites e de parcela da sociedade brasileira.
Igualmente o cenário internacional, de crescimento da extrema direita, vai naturalizando a xenofobia, o racismo, o ódio, a violência e a rejeição à democracia. Da extrema direita europeia à sionista, passando pelo ressurgimento de Trump nos EUA, a retórica antidemocrática e anti-igualitarista alimenta a crença na interrupção da democracia e na deposição de qualquer governo de esquerda.
O bolsonarismo está circulando no país e buscando canais internacionais para dar continuidade ao golpismo de 8 de janeiro, que ainda não foi efetivamente derrotado. Assim como não foi totalmente superado o saudosismo da própria ditadura de 1964, viva na patética figura do General Augusto Heleno, o assistente do General Frota.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko