Mulheres lutadoras à frente, no exemplo de Marielle, exigem e fazem acontecer políticas públicas
Mulher negra e bela, de Maiza Lemos, em Letras e Linhas por Elas: “Qual foi o crime dela?/ Foi descer para o asfalto/ desfilar de salto alto/ pela tua passarela?/ Diz:/ Qual foi o crime dela?/ Foi sonhar com igualdade,/ estudar na faculdade/ com a tua Cinderela?/ Será que o crime dela/ foi de um beco de favela/ ousar gritar bem alto?:/ “Quero mais que arear panela!/ Sou negra mulher e bela!”
As manchetes de 2024, que estão em todos os lugares: “Uma mulher é assassinada a cada 6 horas. Feminicídios: armas de fogo na violência contra a mulher. A cada 24 horas ao menos 8 mulheres foram vítimas de violência em 2023” (JB, 08.03.24). “Metade das mulheres assassinadas no Brasil é vítima de arma de fogo. Negras são 7 em cada 10 mortes” (UOL, 08.03.24).
“Ainda à espera de igualdade, mulheres têm desemprego maior e renda menor. Principalmente as negras. Mercado de trabalho melhorou no ano passado para todos os segmentos, mas ainda revela desequilíbrio” (Rede Brasil Atual, 08.03.2024)
“Feminicídios: Brasil registra mais de 10 mil casos em 9 anos. O número do ano passado superou em 1,6% o registrado em 2022” (Brasil 247, 08.03.24).
Eis o retrato triste, infeliz e desastroso do Brasil em março de 2024.
Estão aí, retratadas nos números e nos fatos, as causas do assassinato de Marielle Franco, jovem e mais que promissora liderança negra, acompanhada de seu motorista Anderson, em 14 de março de 2018, há seis anos, ainda sem solução sobre os assassinos e, principalmente, responsabilização de seus mandantes.
Marielle lutava contra tudo isso. Era liderança nas favelas e periferias, nascida e tendo crescido no Complexo da Maré, Rio de Janeiro. Era liderança política em crescente afirmação. Não toleraram sua voz e suas denúncias, assim como seus gritos e voz profética em nome de tantas e tantas mulheres negras, jovens, indígenas perseguidas, injuriadas e assassinadas Brasil afora.
Em 13 de março de 1964, portanto há exatos 60 anos, aconteceu o Comício da Central do Brasil, mais de 200 mil presentes e participantes, sob a liderança do presidente Jango, João Goulart, para o anúncio de Reformas estruturais, tão necessárias e urgentes no Brasil de ontem e ainda no Brasil de hoje. Foi o que bastou para que a Rede Globo e grande mídia, a elite escravocrata, com apoio das Forças Armadas, se decidirem definitivamente por darem um golpe e acabar com a democracia, o que aconteceu poucas semanas depois, final de março, início de abril de 1964.
São as marcas, os números e as tristezas de uma democracia que nunca se consolidou de fato no Brasil. Basta ver os golpes ao longo do tempo e da história. Um aconteceu há 60 anos, no início dos anos 1960, quando a democracia se afirmava, quando os direitos dos pobres, das trabalhadoras e trabalhadores ganhavam espaço, quando João Goulart e Leonel Brizola ajudavam o Master, Movimento dos Agricultores Sem Terra, ajudavam o movimento sindical combativo em ascensão, e a democracia arriscava formar-se e consolidar-se no Brasil. Uma ditadura militar perseguiu, prendeu, torturou, exilou e assassinou milhares de brasileiras e brasileiros durante décadas.
Só nos anos 1980 e 1990, a democracia voltou a respirar ainda timidamente, com muita luta e mobilização social. E surgiram os governos populares, OP, o Orçamento Participativo, o FSM, Fórum Social Mundial, ´um outro mundo possível´, e políticas públicas com ampla participação popular.
Chegaram os anos 2000, com o governo Lula e o Fome Zero, e a frase profética de Frei Betto: “É preciso matar a fome de pão e saciar a sede de beleza”.
Uma mulher foi eleita presidente do Brasil. Brasil saiu pela primeira vez na história do Mapa da Fome, segundo a ONU. Mas a vez e voz que os mais pobres, trabalhadoras e trabalhadores alcançaram finalmente no Brasil, foram demais para Rede Globo e grande mídia, a elite escravocrata, o latifúndio e o mercado capitalista, sempre à frente, anti-povo e anti-democráticos. Deram mais um golpe e depuseram a primeira mulher presidenta do Brasil, em mais um processo antidemocrático. E voltaram o neofascismo e o ultraneoliberalismo, para destruir o Brasil e sua democracia. Mataram Marielle e tantas mulheres que se afirmavam donas de sua voz e futuro.
A luta continua em 2024, 60 anos depois do golpe de 1964, depois de muita perseguição, prisões, torturas, mortes, assassinatos e exílios. Mulheres lutadoras e sonhadoras à frente, no exemplo e memória de Marielle, exigem e fazem acontecer políticas públicas com participação social e popular, o combate à fome, a democracia emergindo com força no poder do povo consciente e organizado.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor e da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko