A Tarifa Zero no transporte público urbano é realidade em mais de 100 cidades brasileiras. No Rio Grande do Sul, o passe livre pleno é adotado em Parobé, no Vale do Paranhana, desde março de 2022, e em Pedro Osório, no Sul do estado, desde novembro de 2018. O tema foi debate nesta terça-feira (12), na Câmara Municipal de Porto Alegre, durante o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da Tarifa Zero no transporte coletivo da Capital, proposta pela vereadora Karen Santos (PSOL).
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Os dados do passe livre pleno são do pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) Daniel Santini que mantém a relação atualizada permanentemente, e que pode ser conferida neste link. O levantamento feito pelo professor é corroborado pela Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), que apontou que até novembro do ano passado 103 cidades brasileiras já havia aderido à tarifa zero no transporte público. Segundo a entidade só em 2023 houve um aumento de aproximadamente 52,7% no número de cidades que adotaram a gratuidade em relação a 2022.
“A gente está vivendo um momento de expansão da política de tarifa zero no Brasil. 2023 foi o ano em que houve mais adesões e a gente está vivendo uma tendência muito clara. Existe aí uma multiplicação de experiências, tem o que a gente chama de efeito contágio, ou seja, uma cidade vizinha influencia a outra, que influencia a outra, e a coisa vai se multiplicando”, afirmou Santini em entrevista à Agência Brasil, no fim de dezembro do ano passado.
De acordo com ele, o crescimento do número de cidades com tarifa zero no país ocorre dentro de um contexto de queda acentuada no número de passageiros do transporte público e da, consequente crise do sistema de financiamento baseado na cobrança de passagens. Dados da NTU, apontam que em 2023, 85,7% das viagens de transporte coletivo foram realizadas por ônibus.
Transporte público em Porto Alegre
"O sistema de transporte público coletivo em Porto Alegre está em crise. Em 10 anos, o número de passageiros anuais reduziu por volta de 140 milhões. Além disso, o funcionamento precisa mudar. Críticas quanto à qualidade dos veículos são recorrentes pelos usuários. O gasto mensal das famílias com o transporte é exorbitante, sendo um dos principais motivos da segregação que impede a vivência democrática da cidade", ressaltou a vereadora.
Na mesma linha, o militante do Movimento Passe Livre Paique Santarém pontuou que o transporte no país é “ruim, caro e necessário”, e que representa segregação racial e violência de gênero. “É um mecanismo de dominação dos trabalhadores brasileiros.” Santarém destacou que os problemas do transporte impedem a circulação na cidade da população e criticou o modelo de subsídios para empresas privadas.
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Para o economista e pesquisador do Observatório das Metrópoles e da Fundação de Economia e Estatística (FEE) André Augustin, não há controle social sobre a bilhetagem eletrônica em Porto Alegre, uma vez que fica sob gestão da Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP). “A gente não sabe quanto dinheiro entra, é uma informação sigilosa da ATP. Não há transparência em relação ao cálculo do valor da tarifa. Falta fiscalização sobre as empresas privadas”, apontou.
Em sua avaliação se tivéssemos um modelo com Tarifa Zero e com prioridade ao transporte coletivo, gastaríamos menos dinheiro, porque reduziria o custo da cobrança. "Incentivar o transporte coletivo melhora o engarrafamento e reduz a poluição. Hoje em dia seguimos muito o modelo norte-americano de mobilidade urbana. Se o mundo todo tivesse a taxa de motorização dos Estados Unidos, aumentaria em mais de quatro vezes o número de carros no mundo. Isso faria o planeta chegar num nível de mudança climática em que acabaria o problema do transporte, porque não haveria mais vida humana na Terra”, comentou.
Secretário da Frente, o vereador Giovani Culau e Coletivo (PCdoB) disse que houve piora no transporte público da Capital nas últimas duas décadas e criticou as restrições ao benefício da meia-passagem para estudantes. Prof. Alex Fraga (PSOL), referiu-se ao sistema de bilhetagem eletrônica.
Como é feito em Parobé
Também presente ao evento, o prefeito de Parobé (a 80 km de Porto Alegre, com uma população de 60 mil habitantes), Diego Picucha (PDT), pontuou que, antes da implementação do sistema, o transporte na cidade era “clandestino”, prestado por uma empresa que não tinha concessão para operar o sistema, e que os ônibus operavam com capacidade ociosa. “Hoje, cerca de 1.000 pessoas usufruem do benefício diariamente, a um custo de, em média, R$ 90 mil mensais para a Prefeitura", disse Picucha. “As pessoas passaram a deixar o carro em casa e andar de ônibus de graça”, ressaltou, destacando que a medida trouxe um impacto positivo para a economia da cidade.
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De acordo com o prefeito, foi solicitado um estudo do número de usuários de ônibus na cidade. “Analisamos e vimos que para ter um transporte público de qualidade, a tarifa custaria aproximadamente R$ 9,00. Eu teria que dar um subsídio de 50% desse valor para a passagem ficar em R$ 4,55, que era a tarifa praticada pela empresa. Tinha capacidade ociosa no ônibus. Daria para aumentar até 400% e atender com o mesmo ônibus”, explicou.
Atualmente, a empresa Expresso Charqueadas financia parcialmente os serviços de operação dos ônibus e a Prefeitura arca apenas com os quilômetros rodados, investindo cerca de R$ 1 milhão por ano. Em 2023, a frota de ônibus foi renovada. "O Tarifa Zero, além de ser um direito social, bota comida na mesa. E o dinheiro é todo reinserido na economia da nossa cidade”, afirmou o prefeito.
“A Tarifa Zero é uma política que precisa estar vinculada também à qualidade do transporte e ao controle público. Não pode se limitar apenas a uma transferência de verbas públicas para empresas privadas através de subsídios’, ressalta Karen.
Tramita na Câmara Municipal de Porto Alegre, o projeto do vereador Roberto Robaina (PSOL), que institui diretrizes para a Tarifa Zero em Porto Alegre. De acordo com o projeto, o financiamento seria por meio de uma Taxa de Mobilidade Urbana (TMU), paga pelas empresas de acordo com o número de funcionários. Para o empregador, a TMU seria menor do que o atual vale-transporte. De acordo com o parlamentar além de tornar o transporte acessível a todos, a Tarifa Zero reduz o uso do carro, diminuindo congestionamentos e poluição e ainda estimula a economia local.
Impacto da Tarifa Zero
Indagado pelo Brasil de Fato RS sobre os impactos da Tarifa Zero, André Augustin pontua que o mais imediato nas cidades que adotaram a Tarifa Zero foi um grande aumento no número de passageiros no transporte coletivo. Esse aumento veio principalmente de pessoas que antes não conseguiam pagar a passagem, como, por exemplo, desempregados que não tinham dinheiro para pegar um ônibus até as entrevistas de emprego e estudantes que acabavam abandonando a escola. Ou trabalhadores que antes praticamente só faziam o trajeto da casa ao trabalho com o vale-transporte recebido da empresa e com a gratuidade passaram a usar ônibus para acessar serviços de saúde, lazer e comércio.
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“Além desses novos deslocamentos há também um efeito substituição nos deslocamentos que já aconteciam antes, com a troca do carro pelo transporte coletivo. Essa troca ocorre parcialmente no curto prazo, com pessoas que possuem carro usando ônibus para alguns trajetos, mas pode ter um potencial ainda maior no longo prazo, com uma parte da população optando por não comprar mais carros. Com menos veículos nas ruas, os engarrafamentos diminuem e se reduz o tempo gasto no trânsito tanto pelos usuários do transporte coletivo quanto do individual. Também acontece a redução da poluição, algo urgente para evitar que as mudanças climáticas se acelerem ainda mais”, expõe.
Quem paga a conta do Tarifa Zero
Nos mais de 100 municípios que já possuem Tarifa Zero no Brasil foram encontradas soluções muito variadas, dependendo do tamanho da cidade e de seu sistema de transportes e da situação financeira da prefeitura, observa Augustin. Ele cita, como exemplo, o caso do município de Maricá (RJ), um dos mais conhecidos que recebe royalties do petróleo.
“Há prefeituras que encontraram novas fontes de receita como a criação de uma taxa cobrada das empresas em substituição ao vale-transporte, publicidade nos ônibus e parte das multas de trânsito. Há ainda casos em que foi possível reorganizar o orçamento municipal e financiar a gratuidade do transporte coletivo sem a necessidade de novas receitas. É comum também o relato de prefeitos de que o aumento do movimento no comércio da cidade com a tarifa zero aumentou a arrecadação de ISS e compensou parte do gasto”, complementa. Conforme ressalta o pesquisador não há um modelo universal, cada cidade pode procurar as soluções viáveis para a sua situação.
Em sua avaliação uma solução mais abrangente para chegar na Tarifa Zero seria criar um Sistema Único de Mobilidade, com participação dos governos municipais, estaduais e federal, como propõe a Proposta de Emenda à Constituição (PEC ) 25, que está tramitando na Câmara dos Deputados.
“Com isso seriam criados novos tributos específicos para financiar a mobilidade urbana e os custos seriam divididos entre as diferentes esferas de governo. Também traria melhorias de gestão e de integração, principalmente nas regiões metropolitanas. Na Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA) nós temos atualmente sistemas de ônibus regulados pelas prefeituras em cada um dos 34 municípios, um sistema de ônibus metropolitano e o catamarã regulados pelo estado, e o Trensurb, que é federal. Hoje eles funcionam de forma quase independente entre si, inclusive com sobreposição de linhas. Um sistema único pode gerar uma integração muito mais eficiente.”
Desde setembro de 2015, o transporte é reconhecido como um direito social, quando foi promulgada a Emenda Constitucional 90/15. Ele foi incluído na Constituição Federal, juntamente com os demais direitos dos cidadãos como a educação; a saúde; a alimentação; o trabalho; a moradia; o lazer; a segurança; a Previdência social; a proteção à maternidade e à infância; e a assistência aos desamparados. A emenda originou-se da Proposta de Emenda à Constituição 90/11, de iniciativa da deputada Luiza Erundina (PSOL-SP).
* Com informações da Câmara Municipal de Vereadores e Porto Alegre e Sul21.
Edição: Katia Marko