Rio Grande do Sul

Coluna

Região Metropolitana de Porto Alegre (RMPA): Planos Diretores e Gestão Metropolitana

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Os Planos Diretores das cidades metropolitanas precisam levar em conta a integração de, no mínimo, a mobilidade e a moradia - Foto: Diogo ML
Quando vamos pensar em cercar nossa região metropolitana de parques e áreas de preservação?

No arranjo institucional brasileiro, não há uma instância oficial metropolitana. Existem apenas três estruturas governamentais: o governo federal, os governos estaduais e as prefeituras. E aí está o paradoxo: em muitas partes do espaço brasileiro a ocupação do território não respeita estas "fronteiras" administrativas. É o caso das regiões metropolitanas: a fronteira entre municípios às vezes é uma rua em comum.

Muitos problemas deveriam ser discutidos considerando o partilhamento e a continuidade dos espaços para além do município. Como grande parte do poder de regular o território é restrito às esferas municipais, conforme expressa a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Cidade de 2001, cabe a eles elaborar os Planos Diretores (PDs). Para complicar, o estado do Rio Grande do Sul praticamente extinguiu a Metroplan, órgão que, apesar de seu caráter não executivo, contribuiu desde sua fundação para políticas públicas referentes à RMPA.

Nos PDs, as regras de uso e ocupação do solo respeitam apenas os limites oficiais dos municípios, mesmo que exista conurbação (quando duas ou mais cidades se juntam). É comum uma regra valer para uma rua e não para outra, já que estão situadas em municípios diferentes: o que parece receita para bagunça, acontece corriqueiramente no Brasil. Importa que cada município, ao elaborar seu Plano Diretor, pense em como se comunicar com os PDs de cidades adjacentes.

Além disso, para pensar a gestão metropolitana hoje, deve-se considerar os dados do Censo Demográfico de 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que informa sobre as mudanças demográficas na região. Tais dados raramente são considerados em PDs Municipais que, tradicionalmente, partem do princípio de que o planejamento é para a expansão e o crescimento das cidades. Mas se elas diminuem o contingente populacional, como ficam os Planos “expansionistas”?

Ao contrário das últimas décadas, existem municípios com redução populacional, tais como: Porto Alegre (-5,43%), Novo Hamburgo (-4,73%), Alvorada (-4,27%) e Viamão (-6,38%). Estes dois últimos conurbados com Porto Alegre, sempre tiveram forte conexão com a Capital, através da mobilidade pendular por trabalho e estudo, visto que o próprio crescimento demográfico anterior estava ligado às dinâmicas imobiliárias de Porto Alegre e à oferta de solo para construção de moradias populares (muitas vezes autoconstrução) nestes municípios.

Canoas, por outro lado, aumentou em 7,36% sua população, o que parece manter a relação de continuidade espacial da mancha urbana de Porto Alegre, que se espraia na direção de Cachoeirinha (15,20%) e Gravataí (3,68%). Este último, aliás, tem apresentado importante crescimento das atividades industriais (em contraponto à desindustrialização de Porto Alegre), o que explica o crescimento demográfico dos municípios próximos, Glorinha (11,13%) e Santo Antônio da Patrulha (8,22%). Este fenômeno pode sinalizar uma tendência de expansão populacional mais direta ao longo do eixo da Freeway (autoestrada Osvaldo Aranha - BR 290) em direção ao Litoral Norte, cada vez mais opção de moradia fixa, desde a expansão do trabalho remoto no pós-pandemia.

Os dados divulgados incitam a refletir sobre o papel de uma metrópole concentradora de serviços e polo atrator de lazer e negócios, mas que pode ter seus deslocamentos metropolitanos diários intensificados, se as variações demográficas seguirem os rumos atuais. Talvez seja importante pensar em estruturas de mobilidade adequadas e confortáveis para a população metropolitana que faz estes percursos cotidianos.

E são distintas formas de mobilidade. Canoas, por exemplo, tem historicamente expandido as atividades industriais de Porto Alegre, sendo também cidade-dormitório desde os anos 1960. Em anos mais recentes, a cidade adquiriu cada vez mais uma dinâmica própria, porém os grandes fluxos de automóveis permanecem, apesar da existência do Trensurb, que cumpre importante papel nos deslocamentos metropolitanos. Este é um exemplo de intermodalidade para atender aos complexos desafios da mobilidade na RMPA.

Os transportes públicos não poderiam se limitar aos ônibus tradicionais, movidos à diesel, mas sim modernizados e não poluentes e integrados a outras modalidades, como ciclovias, VLTs (Veículos Leves sobre Trilhos), aeromóveis e transporte hidroviário. Integrados sim, e não concorrendo uns com os outros. O transporte precisa ser entendido como bem público e um direito, e não fontes de lucros.

A questão ambiental também é urgente para a região metropolitana. As inundações no final de 2023 revelam as difíceis condições de monitoramento e previsão dos efeitos das mudanças climáticas, que tendem a se ampliar. Com tantas universidades e centros de pesquisa na RMPA, urge um espaço para acompanhamento das alterações do clima metropolitano, para dar suporte inclusive a distintas faixas de renda da RMPA sobre a melhor forma de morar nas cidades.

PDs deveriam valorizar os espaços verdes como essenciais, porque cidades arborizadas adequadamente (com manejo correto) são importantes para atenuar os efeitos das mudanças climáticas, contribuindo inclusive para a segurança da população. Um exemplo é o Parque Imperatriz em São Leopoldo, fruto da luta de anos de movimentos sociais e ambientais diversos, com mais de 700 hectares, sendo um “pulmão verde” para a região e importante regulador das cheias do rio dos Sinos. Quando vamos pensar em cercar nossa região metropolitana de parques e áreas de preservação?

Assim, os Planos Diretores das cidades metropolitanas precisam levar em conta a integração de, no mínimo, a mobilidade e a moradia. Afinal, se algumas pessoas moram em uma cidade e trabalham em outra, por que não tentar resolver os desafios de forma conjunta? Porém, mais do que isto, a demanda por lazer, atividades esportivas e outros serviços de apoio são relevantes, pois sem isto o cidadão não se sente pertencente ao lugar onde habita. Isto tudo, é o direito à cidade. E direito à metrópole.

* Mario Leal Lahorgue, professor do Departamento de Geografia da Ufrgs e pesquisador do Observatório das Metrópoles; Heleniza Ávila Campos, professora do Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional (Propur) da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs e pesquisadora do Observatório das Metrópoles – Núcleo Porto Alegre.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor e da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko