É na semente que está a esperança de que a onda do ecofeminismo se propague no campo e na cidade
À medida que os movimentos feministas se estruturam, as mulheres se deparam com diferentes pautas, ou ondas, como algumas feministas caracterizam a trajetória da luta das mulheres. O feminismo não é estanque, haja vista que o patriarcado é muito bem sedimentado, e as buscas para que a dignidade chegue ao maior número de pessoas são incansáveis, principalmente às mulheres, negligenciadas de saberes e de direitos por séculos; “A caça às bruxas nunca terminou, mas as mulheres também nunca deixaram de resistir.” (Federici, Calibã e a bruxa)
No contexto brasileiro, as três primeiras ondas do feminismo aconteceram “através das lutas pelo direito da mulher ao voto; contra a ditadura; e por políticas públicas (politize.com)”. Cabe ressaltar que a terceira onda acontece a partir de 1990 e abrange as lutas para combater preconceitos de classe, reivindicação e ampliação na vida pública e igualdade de gênero, neste ínterim as feministas negras se inserem na luta, que, até então, era impulsionada por mulheres brancas e de classe média.
Segundo Carolina Torres (politize.com), pode-se afirmar que o século 21, em consonância com o ativismo feminista via web, o movimento vivencia nova fase, “a chamada quarta onda feminista” que levou a “Marcha das Vadias” às ruas (mobilizada pelas redes sociais), e outros tipos de manifestação, os feminismos negro e indígena, visibilidade lésbica e trans e outros que ganham corpo conforme a luta se movimenta.
Desde o dia 8 de Março de 1975, declarado pelas Nações Unidas como “Dia Internacional da Mulher”, as mulheres celebram suas lutas e conquistas.
“No dia 8 de março de 1917 cerca de 90 mil operárias russas percorreram as ruas reivindicando melhores condições de trabalho e de vida, ao mesmo tempo que se manifestavam contra as ações do Czar Nicolau II. Esse evento, que deu origem ao Dia Internacional da Mulher, ficou conhecido como ‘Pão e Paz’. Isso porque as manifestantes também lutaram contra as dificuldades decorrentes da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) (tjam.jus.br).”
Considerando um dos maiores problemas da atualidade, a crise climática põe em risco a vida no Planeta, faz-se necessário trazer à tona aos movimentos feministas, o que a ambientalista e escritora Regina Célia Di Ciommo (Ecofeminismo e Educação Ambietal, 1999) revela em sua tese de doutorado; quem sabe substituir o refrão “Pão e Paz” por Ecofeminismo pela Vida.
“Uma das mais importantes teóricas do ecofeminismo, Karen Warren (1987, 1988, 1994) define seus princípios fundamentais, baseados, em, primeiro lugar, no reconhecimento de que existem vínculos importantes entre opressão das mulheres e a da natureza, cuja compreensão e avaliação é tarefa indispensável a toda e qualquer tentativa de compreensão adequada da subordinação, tanto das mulheres quanto da natureza. O ecofeminismo recomenda a adoção de uma perspectiva ecologista como referência para a teoria e a prática feminima (Di Ciommo. 1999, p. 111)”.
Eliane Potiguara, escritora indígena, ao dizer “Antes que tudo em mim se transforme em morte”, sinaliza, de forma poética, que a luta dos povos originários pelo seu habitat, livre de garimpo, queimadas e do agronegócio, é também a sua, e que se for adiada, tudo em nós se transformará em morte. “Nós” porque devemos a estes povos o cuidado da Terra.
Segundo a cientista Luciana Gatti (sumauma.com), há urgência em recuperar a Amazônia, pós efeitos do governo Bolsonaro.
O ecofeminismo está presente nas lutas dos povos originários, movimentos das mulheres agricultoras (Marcha das Margaridas) e no MST - Movimento de Trabalhadoras/es Sem Terra, no entanto, esta pauta ainda não chegou como deveria aos centros urbanos. O que se permite avaliar por ecofeminismo na cidade, de forma ainda frágil, mas corajoso, é o trabalho de reciclagem de resíduos feito nos galpões, em sua maioria trabalhando de maneira precária em consequência da falta de políticas públicas que reconheçam e atendam as demandas dessa categoria profissional, extremamente estigmatizada e vulnerabilizada.
“As mulheres têm ideias próprias para guardar sementes”, e é na semente que está a esperança de que a onda do ecofeminismo se propague “no campo e na cidade”.
* Neli Germano, escritora, pertence ao Coletivo Mulherio das Letras
* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko