O Censo Escolar 2023, divulgado no final de fevereiro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), apresenta uma tendência de redução do papel da educação pública enquanto escolas particulares ganham terreno. No Rio Grande do Sul, a situação não é diferente. Pelo contrário, é ainda mais forte o recuo do papel do Estado frente à iniciativa privada.
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No país, a quantidade de matrículas na Educação Básica da rede pública em 2023 reduziu para 37,9 milhões, frente a 38,4 milhões em 2022 - uma queda de 1,34%. Ao mesmo tempo, as matrículas na rede privada passaram de 9 milhões para 9,4 milhões, quando comparados 2022 e 2023.
No RS, a queda nas matrículas na rede pública chega a 1,95%. Enquanto em 2022 foram 1,806 milhões, em 2023 o número caiu para 1,771 milhões. Já a rede privada cresceu 8,8%, passando de 2,266 milhões de matrículas em 2022 para 2,272 milhões em 2023.
Os números do Censo sobre a educação pública incluem matrículas de ensino regular e Educação de Jovens e Adultos (EJA) na rede pública estadual, municipal e federal.
Redução da educação pública estadual do RS
Os dados referentes à educação gaúcha foram compilados pela regional estadual do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese/RS). Nesse estudo, a entidade aponta um outro dado, ainda mais grave, sobre a realidade do RS: o número de matrículas na rede pública estadual totalizou 738,7 mil em 2023, uma redução de 5% em relação a 2022, quando houveram 777,4 mil matrículas. Ou seja, 38,6 mil alunos a menos.
Enquanto isso, a rede privada estadual registrou um aumento de 40,6 mil alunos. Foi de 459,7 em 2022 para 500,4 em 2023, um crescimento de 8,8%.
Em todas as formas de ensino, a rede pública estadual perdeu alunos, quando comparado a 2022. Na Educação Infantil houve queda de 149 matrículas, na contramão das demais redes estaduais do Brasil, que registaram aumento de 5% de matrículas. No Ensino Fundamental houve queda de 11,9 mil matrículas; no Ensino Médio, queda de 17,9 mil matrículas; No EJA, queda de 7,1 mil matrículas; na Educação Profissional, queda de 1,03 mil matrículas, na contramão das demais redes estaduais que tiveram incremento de 67,3 mil matrículas.
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Após a divulgação do Censo Escolar 2023, o Cpers Sindicato, que representa os trabalhadores da educação pública estadual, levou os dados para uma conversa com a secretária de Educação do RS, Raquel Teixeira. A primeira reunião do ano letivo ocorreu no dia 26 de fevereiro e tratou de outros temas, como a luta por valorização de professores, funcionários de escola e aposentados, entre outros.
Nesse encontro, a presidenta do Cpers, Helenir Aguiar Schürer, entregou à secretária uma cópia do estudo realizado pelo Dieese. Raquel Teixeira recebeu o documento, mas afirmou que as pessoas responsáveis pela análise dos dados na Secretaria Estadual de Educação (Seduc) não estavam presentes na reunião e o tema seria debatido em outro momento.
Em conversa com o Brasil de Fato RS, a tesoureira do Cpers, Rosane Zan, comentou que “o Censo mostra, mais uma vez, o desmonte que está acontecendo na educação pública como um todo, principalmente na rede estadual, e o quanto a rede privada está conseguindo abraçar a questão do alunado da escola pública”. Ela aponta que a situação é "fruto de descaso", e que o sindicato vem apontando esse quadro ao governo estadual ano após ano.
Ela conta que, ao entregar o documento à secretária, foi dito ao sindicato que a redução das matrículas na educação pública se deu em função da pandemia. Ela pondera que o período pendêmico não pode ser descartado, mas reforça que “essa evasão da escola pública tem muito a ver pela forma como vem sendo conduzida ultimamente a educação pública no estado”.
A tendência de redução de matrículas no Ensino Básico da rede pública em detrimento da rede privada já vem desde antes da pandemia de covid-19. A análise do Dieese mostra que, desde 2016, houve uma queda constante na rede pública, interrompida por leve retomada em 2022, quando as escolas retornaram, caindo novamente em 2023 e dessa vez ao seu menor patamar. Já a rede privada apresenta uma variação positiva não vista apenas em 2020, primeiro ano da pandemia.
Governo e sindicato divergem no tema da valorização
Rosana reforça a crítica do Cpers Sindicato ao governador Eduardo leite (PSDB). O chefe do Executivo estadual publicou vídeo em suas redes sociais, no dia 21 de fevereiro, informando que seu governo encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei para aplicação do reajuste de 3,62% no piso do magistério. Leite diz que essa ação, além da reestruturação de carreira, do pagamento de salários em dia e do aumento no vale alimentação, mostram a que “valorização do magistério é um compromisso do governo”.
“É um grande marketing que está acontecendo no estado”, acusa a tesoureira do sindicato. Segundo ela, na verdade está acontecendo “um apagão na educação”, com redução de escolas e turmas, precarização das estruturas físicas e desvalorização da categoria. “Hoje 59% dos professores nas escolas são contratos emergenciais. Ou seja, um trabalho precarizado", afirma, revelando que vários professores concursados estão pedindo exoneração por conta da sobrecarga, principalmente em decorrência das mudanças trazidas pelo Novo Ensino Médio.
Afirma ainda que o reajuste de 3,62% não vai alcançar toda a categoria. Além de deixar de fora funcionários de escola, o aumento será descontado daqueles que recebem a parcela de irredutibilidade, que reúne os adicionais por tempo de serviço extintos na reforma do plano de carreira realizada em 2020. O que deve atingir principalmente aposentados. “O estado do Rio Grande do Sul é um dos estados que, conforme aponta o Censo, em último em termos de salário”, complementa.
Além disso, a tesoureira destaca a redução no número de escolas e turmas. De 2022 para 2023, 338 turmas foram extintas no estado e, desde início do governo Leite em 2018, já são 3.565 turmas a menos. Nos últimos cinco anos, 152 escolas estaduais foram fechadas.
Outro problema que Rosana aponta como descaso do governo estadual com a educação é o abandono das estruturas das escolas. Ela afirma que o governo Leite pouco tem feito, como falou que faria, para melhorar a situação. “Nós fizemos um dossiê, no final da pandemia, que apontou que mais de 600 escolas da rede estadual estavam precárias nas suas condições, até na parte elétrica, de grande parte do estado”, comenta.
Segundo ela, o governo vem fazendo algumas reformas de forma pontual. “Até inclusive tinha destacado várias escolas onde seriam implementadas reformas das estrutura. É o caso da Escola Protásio Alves, em Porto Alegre, que estava dentro dessas elencadas pelo governo como prioridade para arrumar sua estrutura e, ao contrário disso, a gente vê a própria direção da escola apontando quase nada foi feito”.
Observatório da Assembleia Legislativa confirma números
Os dados apresentados pela dirigente sindical são confirmados pela terceira edição do Observatório da Educação Pública do Rio Grande do Sul, produzido pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa do RS e lançado no dia 6 de fevereiro. O material revela que nos últimos 11 anos, 227 escolas públicas da rede estadual foram fechadas.
Também que entre 2006 e 2022, houve uma redução de 42.854 professores concursados - uma perda de 47,6% do quadro. Ao mesmo tempo, somente em 2023, foram 25.499 contratados emergencialmente, chegando a 45,7% no magistério e 56,2% dos servidores de escola. Esses contratos, junto com a terceirização superam os do quadro em 8.691 profissionais.
Os dados indicam ainda uma queda drástica em matrículas, que passaram de 74.163 em 2006 para 31.309 em 2022. O relatório revela também uma queda nos resultados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). De 2011 a 2021, o RS não atingiu nenhuma vez a meta nacional e o estado está em 7° lugar.
Na ocasião do lançamento, a presidenta da comissão, deputada Sofia Cavedon (PT), afirmou ser fundamental abordar as políticas públicas da educação no estado a partir de um diálogo aberto e inclusivo. “Isso significa ouvir atentamente as preocupações e sugestões de todos os envolvidos – desde os professores e funcionários das escolas até os pais e alunos”, sugeriu.
Dia D de luta do Cpers
Rosana conta que o Cpers está com uma agenda de mobilizações que começa no dia 22 de março, chamado de “Dia D de luta por valorização salarial e respeito à categoria”. A partir das 9h, trabalhadoras e trabalhadores das escolas estaduais vão até a sede do IPE Saúde, em Porto Alegre, para cobrar qualidade no atendimento médico na Capital e no interior.
Após o ato, a partir das 13h30, a categoria vai se reunir na Casa do Gaúcho para uma assembleia geral. O encontro tem como objetivo ampliar o debate e traçar estratégias do sindicato. Entre as pautas está a questão salarial e outros problemas apontados pela categoria.
A Secretaria Estadual de Educação (Seduc) foi procurada pela redação do Brasil de Fato RS para comentar quais fatores levaram o estado a apresentar os números revelados pelo Censo Escolar 2023. Até o fechamento desta matéria, a pasta não havia respondido.
Edição: Katia Marko