Rio Grande do Sul

EDUCAÇÃO

Professores e funcionários do Neeja Paulo Freire resistem à transferência da escola

Entre 2017 e 2022 houve uma queda de 53.935 matrículas na Educação de Jovens e Adultos da rede estadual de ensino

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Devido a reformas, Secretaria de Educação do RS (Seduc) quer transferir os alunos para o prédio da Escola Estadual de Ensino Fundamental Felipe de Oliveira - Foto: Joana Berwanger/CPERS

“Importante a educação para jovem e adultos, independente do motivo que param de estudar. Ela tem como objetivo trazer conhecimento e aprendizado para melhorar o futuro até mesmo para uma melhor oportunidade de trabalho. Com estudo conseguimos aos poucos alcançar nossos objetivos e lá na frente se orgulhar”. 

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A fala é da auxiliar de limpeza Ruana Alves, 29 anos, moradora do bairro Rubem Berta e aluna do Núcleo Estadual de Educação de Jovens e Adultos (Neeja) de Cultura Popular Paulo Freire, no bairro Auxiliadora, na divisa com os bairros Floresta e São Geraldo. Escola que nas últimas semanas foi notícia na mídia por conta de uma possível mudança de endereço para reformas. 

Com 38 anos de história, o local precisa de uma reforma no telhado, devido a um arrombamento ocorrido na virada do ano. Para fazer a manutenção, a Secretaria de Educação do RS (Seduc) quer transferir os alunos para o prédio da Escola Estadual de Ensino Fundamental Felipe de Oliveira. As escolas ficam a cerca de 4km de distância uma da outra. Devido a sua localização o Neeja Paulo Freire atende cerca de 40 bairros de Porto Alegre assim como da região metropolitana que chegam até o local via Trensurb. 

“Obviamente é uma casa antiga, que precisa de reformas. Nós todos defendemos a reforma. Pintura, restauração, reforma do telhado do prédio da frente. O prédio dos fundos já teve seu telhado reformado. A reforma é um acordo entre todos, todos olham e sabem que aquilo ali precisa de uma reforma, precisa se tornar um local acolhedor. Contudo a mudança é prejudicial”, aponta o professor de História Sílvio Alexandre Mello de Oliveira, que leciona desde 2015 na Paulo Freire. “A direção vem há muito tempo solicitando reformas no prédio, como todas as escolas estaduais do estado do Rio Grande do Sul, a maioria sucateadas por anos, sem investimento”, complementa o professor.

“A mudança ou até mesmo o fechamento da escola afetaria não só a mim, mas a milhares de estudantes que são pais e mães trabalhadores. Afetaria pelo fato de não poder estudar em outra escola pelo custo de passagem ônibus. E também os horários da escola é de fácil acesso e conseguimos encaixar no horário de saída do trabalho”, aponta Ruana.  

Aluna desde fevereiro de 2023, a auxiliar foi incentivada pelo marido e a cobrança do filho de 10 anos a voltar a estudar. Ela ressalta que o Neeja da Paulo Freire proporciona a oportunidade de flexibilidade de horário para conseguir trabalhar e concluir ao mesmo tempo os estudos. Ruana está terminando o ensino médio. 

De acordo com Sílvio, a mudança de local afetaria 80% dos estudantes. “Essa proposta é a pior, pois vai dificultar, levando a desistência deles. Obviamente que terão estudantes heróis da resistência, que irão caminhar mais 4km, que irão se sacrificar e usar mais uma condução. Mas essa é a minoria. A grande maioria vai ter a sua situação inviabilizada. Lembrando que o público da EJA é um povo já excluído, sem voz. Está na fila do desemprego”, observa Sílvio. 

Ele também chama atenção de que a mudança para a Felipe de Oliveira os colocaria próximo a outros dois Neejas. “Em última instância, é também um ataque à história, à memória de Paulo Freire, patrono da educação brasileira. E é um ataque também relacionado a especulação imobiliária uma vez que a escola está localizada em um dos bairros mais caros da Capital”, comenta. 

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O professor pontua que há uma demanda junto à Comissão de Educação da Assembleia Legislativa da Felipe de Oliveira para instalação de escola infantil, para crianças de 0 a 5 anos. “Vão acabar prejudicando a demanda da educação infantil lá e prejudicando a educação de jovens adultos aqui no Neeja Paulo Freire. Existe em Porto Alegre a falta de 7000 vagas na educação infantil de 0 a 5 anos. Então, que se instale lá a educação infantil e que se reforme aqui, se deixe aqui a educação de jovens e adultos.”

Sobre o Neeja Paulo Freire, de Porto Alegre, a Secretaria Estadual da Educação (Seduc) informa que, devido à previsão de reforma que acontecerá no local, ainda ocorrem alguns trâmites para que os alunos sejam atendidos temporariamente na antiga Escola de Ensino Fundamental Felipe de Oliveira. Portanto, até o momento, os alunos seguem no seu local de origem. Não há um prazo definido para esta transferência. 

Em matéria publicada pelo Sul 21 a diretora do Neeja, Joana Ghuellar, afirmou que a estadia no novo prédio possa ser permanente – pela complexidade do processo de mudança –, mas não é contrária à realocação das atividades da escola. “Recebemos alunos de toda a parte. Aqui as salas são pequenas, e a escola Felipe de Oliveira é mais ampla. Poderíamos até aumentar o número de alunos”, alega. Segundo a diretora, o forro da escola está comprometido por cupins, o que coloca os alunos em risco.

O Neeja Paulo Freire registrou 1,9 mil matriculados em 2023. Já esse ano, são 240 alunos frequentando as aulas até agora.

Luta pela permanência

A comunidade escolar foi informada da mudança no dia 5 de fevereiro, desde lá tem se mobilizado para evitar a mudança. Sílvio conta que no dia 19 de fevereiro uma comissão se reuniu com a secretária Rachel Teixeira, onde foram apresentadas propostas, como a de fazer a reforma por partes. “São várias as propostas possíveis de se fazer, basta ter boa vontade.” No fina da manhã desta terça-feira (5), a comunidade escolar realizou uma manifestação em frente ao Neeja Paulo Freire. 

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“Nós professores da escola, ex-professores, estamos lutando pela permanência. Começamos a conversar com os estudantes que sua ampla maioria estão nos apoiando. Tivemos uma série de apoios, deputados, vereadores, partidos, PT, PSOL, PCdoB, PSTU, centrais sindicais, movimentos da sociedade civil organizados, como a Associação de Mães e Pais pela Democracia, Fórum Estadual de Educação de Jovens e Adultos do RS, entre outros. O Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul está nos apoiando. Vieram, inclusive, fazer uma vistoria voluntária. Estão elaborando um parecer.” 

Na última quinta-feira (29) a comissão entregou um abaixo-assinado com 10 mil assinaturas à Seduc e ao Ministério Público, que segue ainda coletando assinaturas.

“A luta de um grupo de professores e funcionários do Neeja Paulo Freire é a cara da situação dos Neejas: a Resistência. Isso traz o retrato da baixa escolaridade da nossa população. E se constitui num indicador do tamanho do desafio que tem quem pensa educação com seriedade, como um direito básico”, frisa a diretora do 39° Núcleo do Cpers, Neiva Lazzarotto.


Comissão entregou assinaturas na Seduc e MP na semana passada / Foto: Arquivo Pessoal

Queda de matriculas do EJA

Sobre a série histórica do número de alunos e estabelecimentos que oferecem a modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA), a Seduc informa que em 2014, 88 mil alunos cursavam a modalidade em 593 escolas. Já em 2023, eram 33 mil alunos matriculados em 422 escolas.

De acordo com dados da terceira edição do Observatório da Educação Pública no Rio Grande do Sul, de 2023, entre 2017 e 2022 houve uma queda de 53.935 matrículas na EJA da rede estadual de ensino.

Elaborado pela Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da Assembleia Legislativa, o material destaca que no Rio Grande do Sul, em 2022, haviam 2,3 milhões de pessoas de 15 a 29 anos de idade. Dentre essas pessoas, 13,9% não estavam ocupadas nem estudando; 21,1% estavam ocupadas e estudando; 22,8% não estavam ocupadas, porém estudavam; e 42,2% estavam ocupadas e não estudando. 

Presidenta da Comissão, a deputada Sofia Cavedon também chama atenção para o analfabetismo no estado. A taxa de analfabetismo apurada no Rio Grande do Sul para 2022 foi de 2,5%, o que equivale a 232 mil pessoas com 15 anos ou mais analfabetas. Segundo o observatório, quanto mais velho o grupo populacional, maior a proporção de analfabetos. Em 2022, eram 150 mil analfabetos com 60 anos ou mais no estado, o que equivale a uma taxa de analfabetismo de 6,8% para esse grupo etário.

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Segundo pontua o professor Sílvio, em Porto Alegre há hoje 650 mil jovens adultos (acima dos 18 anos) e idosos, que não concluíram a educação básica. “Somando Porto Alegre com a região metropolitana são 2 milhões e meio que não conseguiram concluir a educação básica, ou seja, não terminaram o ensino fundamental e ou o ensino médio. Existe uma grande demanda na educação de jovens e adultos, no Brasil são 70 milhões. 

Para o docente, a situação dos Ejas e Neejas está em um contexto que se arrasta desde o governo Sartori. “Contexto de fechamento, fechamento de escolas, de turnos, de turmas de EJA, de turmas regulares, municipalização do ensino fundamental. Ou seja, o Estado se desresponsabilizando da educação. E a gente vem brigando, resistindo, se mobilizando.”

Conforme expõe a tesoureira do Cpers, Rosane Zan, desde 2014 a entidade recebeu inúmeras denúncias por parte das escolas de educação de jovens e adultos, dos núcleos de Paulo Freire em todo o estado. “Fizemos vários seminários, várias formas de estar dialogando com o governo para que não aconteça o fechamento dessas escolas, pela sua importância junto à comunidade, onde são colocados trabalhadores que não tiveram seu tempo certo de estar na escola."

Rosane explica que estas escolas ofertam a educação em menos tempo, mas dão todo o suporte para que esses alunos possam estar também pleiteando um espaço no mercado de trabalho, com muito mais condições. 'É onde eles estão sendo alfabetizados.” A dirigente ressalta que o Sindicato sempre estará na luta pela permanência da educação de jovens e adultos, também dos núcleos de Paulo Freire.


Observatório da Educação Pública no Rio Grande do Sul, 2023 / Foto: Reprodução

“Tínhamos EJA em quase todas as escolas”

A deputada Sofia lembra que Porto Alegre já teve uma rede potente em relação à educação de jovens e adultos durante os governos do PT. “Tínhamos EJA em quase todas as escolas. Estávamos com o índice de analfabetismo super baixo. E por quê? Além de estar no território, também provoca um movimento muito bonito quando o jovem e o adulto é convidado a voltar a estudar, do valor do estudo dentro da família. Uma mãe, um pai, um tio, um irmão mais velho, que voltou a estudar, que está fazendo EJA, influencia decisivamente a meninada, no sentido de circular livro, de ser apoio, de ler junto, de ajudar nas tarefas de casa. Chamar o adulto para voltar a estudar é um valor cultural extraordinário para as famílias. É um movimento que o Estado precisa induzir.”

Na avaliação da parlamentar se queremos que a população tenha alto nível de escolarização, é preciso investir. “As políticas de enxugamento, nucleação e desativação da EJA seguem acontecendo, apesar da leve recuperação em 2022. O desafio é ofertar uma escola que dialogue com sua necessidade e prioridade, passa por políticas educacionais para o jovem e o adulto, como a EJA, e como o ensino médio articulado com a profissionalização e com espaços de trabalho com compromisso de aprendizagem, como são os estágios e o Programa da Aprendizagem, ou o Jovem Aprendiz.” 

“Nosso desafio é fortalecer os movimentos pela educação pública. Nesse projeto neoliberal, o Estado diminui a oferta de EJA e proliferam cursos privados”, destaca Neiva.


Edição: Katia Marko