Rio Grande do Sul

CENSURA

Secretaria de Educação do RS reverte banimento de livro de Jeferson Tenório das escolas

O Avesso da Pele, romance vencedor do Prêmio Jabuti de 2021, deveria ser excluído das escolas de 18 municípios gaúchos

Brasil de Fato | Porto Alegre |
Em suas redes sociais, o escritor questionou "o mais curioso é que as palavras de 'baixo calão' e os atos sexuais do livro causam mais incômodo do que o racismo, a violência policial e a morte de pessoas negras" - Foto: Alexandre Garcia

Durou poucas horas a exclusão de O Avesso da Pele, livro de Jeferson Tenório, das escolas de 18 municípios do Rio Grande do Sul. Na sexta-feira (1), a 6ª Coordenadoria Estadual de Educação (6ª CRE) anunciou a remoção do romance vencedor do Prêmio Jabuti de 2021 - o mais importante do Brasil - de toda a sua área de atuação. Porém, logo após o escândalo ganhar espaço na mídia, a Secretaria de Educação do RS (Seduc) emitiu nota desautorizando a decisão.

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Tudo começou depois de uma diretora de escola de Santa Cruz do Sul, município distante 152 quilômetros de Porto Alegre, publicar vídeo nas redes sociais atacando o conteúdo da obra por usar o que chamou de “vocabulário de baixo nível”. Janaína Venzon, diretora da estadual Ernesto Alves, criticou o que entendeu ser “vulgaridade” do livro ao descrever cenas de sexo. O volume é destinado para trabalho com estudantes do ensino médio.

Em seguida, ofício firmado pelo coordenador da 6ª CRE, Luiz Ricardo Pinho de Moura, ordenou a retirada de O Avesso da Pele das bibliotecas escolares dos 18 municípios do Vale do Rio Pardo e seu entorno.

Inserção é de 2022

Em sentido oposto, a Seduc afirmou que a utilização de qualquer livro incluído no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), do MEC, “deve ocorrer dentro de um contexto pedagógico, sob orientação e supervisão da equipe pedagógica e dos professores” e que a 6ª Coordenadoria “vai seguir a orientação da secretaria”.

No vídeo, Janaina Venzon reclama: “Governo federal, por favor, deixe as escolas cuidar dos seus estudantes, onde os valores, o respeito, a conduta, os bons costumes e a ética prevaleça. E vindo ainda de um governo federal, é muito nojento. Que país é esse?”, protestou.

Porém, O Avesso da Pele foi inserido no PNLD ainda no governo Bolsonaro, através de portaria datada de 2022, após passar por uma seleção de 2019. E foi escolhido pela própria escola Ernesto Alves em 2023 para ser usado em 2024.

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Segundo o MEC, “a escolha das obras literárias a serem adotadas em sala de aula é feita pelos educadores de cada escola a partir de um Guia Digital”. Nele estão os livros integrantes do programa para conhecimento de professores e gestores. “São distribuídos às escolas somente após a escolha dos profissionais de educação, realizada em sistema informatizado do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”.

Krenak, Chico e Djamila

Editora de O Avesso da Pele, a Companhia das Letras divulgou nota onde repara que “para chegar ao colégio em questão, (a obra) ainda precisou passar por aprovação da própria diretora, que assinou o documento de ‘ata de escolha’ da obra e agora contesta o conteúdo do livro”.

A censura motivou uma reação de escritores, artistas e intelectuais contra a medida. Um abaixo-assinado reuniu assinaturas como as de Ailton Krenak, Antonio Fagundes, Andrea Beltrão, Chico Buarque, Djamila Ribeiro, Mia Couto, José Eduardo Agualusa, Zuenir Ventura entre outros.

Forte denúncia contra o racismo, o livro já foi traduzido em 16 idiomas. Em 2021, Tenório foi homenageado pelo governo gaúcho com a Medalha Simões Lopes Neto, condecoração entregue a personalidades que se destacaram no campo da cultura.


Edição: Katia Marko