É rindo que seguimos pensando sobre o peso de envelhecer
Não sei ao certo quando começa o tal do inferno astral. Eu até poderia procurar no Google, mas então a frase inicial da crônica perderia o sentido. Só sei que acordei reflexivo. O tempo está passando. Vejo isso no rosto com linhas de expressão, nos cabelos grisalhos, na coluna que às vezes dói só por dormir de mau jeito. Também posso me queixar do joelho direito e sua instabilidade, da mão esquerda que lesionei na aula de luta e de quase todas as articulações que estalam como pipocas. Eu até poderia reclamar do ombro, mas vou me sentir ainda mais velho.
O tempo passa, o ritmo de vida desacelera. Quando chega às 22 horas, os olhos começam a pesar. Tenho acordado cedo, a luz do quarto já causa um certo incômodo que me leva a despertar. Também percebo que há coisas que não dão mais! Beber exageradamente se tornou altamente custoso, uma gripe demora o dobro do tempo para melhorar, passar horas de pé numa festa se tornou inviável.
Também é preciso falar sobre o acúmulo de traumas, questões mal resolvidas, conflitos que arrastamos. O passar dos anos também carrega novas possibilidades de nos machucarmos. O medo da repetição, de errar mais uma vez, de cada vez viver menos a pureza das descobertas. Mas também envelhecer traz novos caminhos.
Tenho cada vez mais prazer em atividades como ir à feira, beber um café, ler um bom livro e encontrar meus amigos para conversar (desde que seja relativamente cedo). Os assuntos passaram de "onde será a festa?" para "como está o trabalho?", "ter ou não ter filhos?", "quais são os planos para o futuro próximo?". Sim, próximo.
Envelhecer é se dar conta de que o tempo está passando. Fulano de tal casou há 20 anos, ciclana já tem um filho de 10 anos que está enorme, ser chamado de tio, sentir-se deslocado em lugares onde os adolescentes bebem, gritam e performam exageros típicos da idade. Irritante? Sim! Mas esse pode ser mais um sintoma do processo de envelhecimento.
Hoje, envelhecer é contraproducente. Todo idoso se torna uma peça obsoleta no sistema capitalista. É o corpo que vai deixando de produzir com tanta intensidade, logo, tornando-se descartável. O excesso de procedimentos estéticos dão voz ao ideal social. Será que serei a próxima vítima? Os anos passam e é impossível não se deparar com essas questões. Posso parecer exagerado, mas momentos de crise são para isso mesmo. Para questionar, dramatizar, repensar, redirecionar.
Também preciso mencionar sobre o peso de ver amigos da minha faixa etária morrendo. É assustador. Preciso marcar um check-up. Na minha família, há um imenso histórico de doenças cardíacas e neurodegenerativas. Será que também vai acontecer comigo? Provavelmente seguirei me questionando sobre tudo isso. Um amigo me disse: "viva todos os dias como se fosse o último, uma hora tu acertas”. É rindo que seguimos pensando sobre o peso de envelhecer. A gente tenta fugir dele, mas parece que corremos cada vez mais devagar.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko