O jornalista e cientista político Leonardo Sakamoto realizou a conferência de encerramento do Seminário "Direito Fundamental ao Trabalho Decente: caminhos para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo", nesta quarta-feira (28), em Bento Gonçalves. O mediador foi o diretor da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS), desembargador Fabiano Beserra.
Sakamoto abriu sua fala lembrando que há um ano ocorreu a operação de resgate de mais de 200 trabalhadores em situação análoga à escravidão na Serra gaúcha. “Como toda ação do grupo especial de fiscalização móvel, esse episódio gerou mobilização e transformação. É um movimento que faz a gente pensar sobre nosso sistema de produção e questionar se esta é a melhor forma de produzir”, afirmou.
Ele ressaltou que o combate ao trabalho escravo é uma ação civilizatória que acontece nos últimos 29 anos no Brasil e pressionou atores a se civilizarem. Resgatou a luta no país e no mundo, com os mecanismos conquistados e o que ainda precisa avançar para realmente acabar com o trabalho escravo.
Durante a conferência, mostrou ao público números de trabalhadores resgatados e estabelecimentos fiscalizados entre 1995 e 2022. O recorde de resgates ocorreu em 2017, quando mais de 6 mil trabalhadores foram retirados da condição análoga à escravidão. Sakamoto explicou que a vulnerabilidade do trabalho escravo cresce nos momentos de crise, mas é no período de retomada econômica que os resgates de vítimas aumentam.
“O aumento do trabalho escravo ocorre quando a economia volta a crescer e os postos de trabalho são criados, porque há um exército de mão de obra sob pressão, com pessoas vulneráveis, e alguns empregadores pagam menos, em condições abaixo da linha da dignidade”, explicou.
“Trabalho escravo é dumping social e concorrência desleal”
Conforme Sakamoto, o combate ao trabalho escravo precisa avançar para além da punição de quem se beneficia diretamente dele, para atingir toda a cadeia produtiva. “Esse crime ocorre por razões econômicas. A empresa quer cortar custos e aumentar a competitividade. O trabalho escravo é dumping social e concorrência desleal”, observou.
Entre os exemplos de cadeias produtivas que foram mapeadas por seu site Repórter Brasil, mostrou o caso de uma fazenda que usava trabalho escravo e fornecia carvão para aciarias, siderúrgicas e, na ponta da cadeia, o fruto do trabalho chegava à indústria automobilística.
“A roupa que vestimos, a comida, o carro, a casa… sabemos que há uma grande contaminação em uma série de cadeias”, pontuou. Também lembrou que o sistema financeiro foi processado pelo Ministério Público do Trabalho em 2010 para ser forçado a seguir a recomendação do Banco Central de não fazer empréstimos para empregadores que estavam na lista suja.
O palestrante esclareceu que o objetivo não é acabar com as empresas, inclusive porque muitos empregadores buscam melhorar e mudar o sistema de produção. Nesse sentido, citou o caso de um grande produtor de algodão que, depois de ser flagrado, resolveu adequar sua empresa e conseguiu uma certificação que trouxe valor para seu produto no exterior. “O objetivo da empresa é obter lucro. Se ela nota que pode ganhar consumidores ao mudar seus processos e tratar melhor seus trabalhadores, vai entender que isso é uma vantagem”, observou.
Apresentou o que já temos hoje para o combate do trabalho escravo como o Artigo 149 do Código Penal, as indenizações trabalhistas por danos morais, multas aplicadas pela Inspeção do Trabalho, a "lista suja" e pressão por parte do setor empresarial, proibição de crédito rural, confisco de propriedades e leis estaduais e municipais. Mas reforçou o que ainda não temos e a necessidade da aplicação das leis e normas, auditores fiscais em número suficiente, assim como mais servidores para a Justiça do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho (MPT), garantia de recursos orçamentários, garantia de não-interferência política e a Lei de Devida Diligência e Marco Legal de direitos humanos e empresas (PL 572/2022).
Ao final de sua palestra, Sakamoto destacou que o tripé do trabalho escravo é a pobreza, a ganância e a impunidade. Reforçou que o resgate das vítimas é de grande importância, mas também é preciso mudar a situação econômica que garante que o crime continue existindo. O jornalista afirmou que o trabalho escravo é o sintoma de uma doença: a desigualdade social.
“Temos combatido a ganância e a impunidade, com fiscalizações, decisões judiciais e ações do MPT. Mas é preciso combater também a pobreza”, ressaltou. “A pobreza não é só a falta de dinheiro, é a falta de uma série de oportunidades para a pessoa se desenvolver, ter autonomia e ser protagonista de sua própria vida. Precisamos avançar fortemente em garantir essas oportunidades nos locais de alto alistamento de trabalho escravo, caso contrário estaremos enxugando gelo”, concluiu.
* Com informações da Secom/TRT-4
Edição: Katia Marko