O segundo painel do seminário "Direito Fundamental ao Trabalho Decente: caminhos para a erradicação do trabalho escravo contemporâneo", na manhã desta terça-feira (27), em Bento Gonçalves, contou com as falas do procurador do Trabalho do estado do Maranhão e Coordenador da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conaete), Luciano Aragão, e da coordenadora do Observatório do Trabalho Escravo da Universidade Federal de Minas Gerais, Lívia Mendes Moreira Miraglia.
A mediação ficou a cargo da juíza do Trabalho e primeira gestora do Programa de Combate ao Trabalho Infantil e de Estímulo à Aprendizagem do TRT-6, Maria Odete Freire de Araújo.
Luciano Aragão defendeu que, em toda a cadeia produtiva, as empresas devem tomar medidas de devida diligência, que seriam obrigações de identificação, monitoramento, prevenção e reparação de casos de trabalho escravo. Ele também observou que as principais economias mundiais aprovaram ou estão em vias de aprovar normas que exigem a preservação dos direitos humanos em toda cadeia de fornecimento, nacional ou não. Isso poderia impedir a exportação de produtos brasileiros para esses países, caso o Brasil não adote medidas adequadas nesse sentido. “Mas nossa maior preocupação não são as exportações, são as vidas das pessoas que estão submetidas ao trabalho escravo”, ressaltou.
O procurador também afirmou que no Brasil ainda não há normas nacionais estabelecendo obrigações de devida diligência para uma conduta empresarial responsável. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 572/22, que propõe um marco nacional sobre direitos humanos e empresas e estabelece diretrizes para a promoção de políticas públicas sobre o tema.
Luciano acrescentou que o MPT faz um mapeamento de todas as empresas que de alguma forma se beneficiam do trabalho escravo ao longo da cadeia produtiva. “Empresas que comprovadamente se beneficiam de violações de direitos humanos devem ser responsabilizadas e adotar medidas reais e eficazes de prevenção”, observou.
Na sua visão, a Justiça do Trabalho é uma justiça de direitos humanos. “Compete a nós não nos acovardarmos e resistirmos, os trabalhadores brasileiros devem ter os mesmos direitos de trabalhadores de outros países do mundo.”
Artigo 149 do Código Penal define o trabalho análogo ao de escravo
Lívia Miraglia destacou que na grande maioria dos casos de trabalho escravo verifica-se a combinação de três condições degradantes: moradias precárias, ausência de instalações sanitárias e falta de água potável. A pesquisadora também defendeu a aplicação no Brasil da “teoria da cegueira deliberada ou do avestruz”, que implicaria na responsabilização daqueles que, deliberadamente, evitam o conhecimento sobre o caráter ilícito de um fato para o qual concorrem, ou sobre a procedência ilícita de bens adquiridos ou movimentados.
A professora acrescentou que a legislação brasileira define o trabalho análogo ao de escravo no artigo 149 do Código Penal. Ele se caracteriza pelo trabalho forçado, pela servidão por dívida, por condições degradantes ou pela jornada exaustiva. “São quatro hipóteses dissociadas, basta a ocorrência de uma delas”, observou. Também ressaltou que esses conceitos não são genéricos, pois estão definidos na Instrução Normativa nº 2 do Ministério do Trabalho e Emprego.
O seminário segue na tarde desta terça-feira (27) com a exibição do documentário “Servidão” e a 2ª Reunião do Observatório de Direitos Humanos (ODH) do Poder Judiciário do biênio 2023-2025, com a participação de Ricardo Rezende Figueira (professor da UFRJ), Renato Fortes Barbieri (cineasta e diretor do documentário Servidão), Luciana Paula Conforti (juíza presidente da Anamatra) e Claudirene Andrade Ribeiro (juíza do TRT-23).
Edição: Katia Marko