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A guerra hispano-cubana-estadunidense e a campanha esplêndida do Império

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O papel desempenhado pelo humor gráfico está no livro Cartoons of the War of 1898 (Belford, Middlebrook and Co., Chicago, 1898) - Reprodução
A campanha de descrédito contra espanhóis e cubanos foi feroz, traduzida em milhares de caricaturas

Procurando em sites e redes sociais, vamos encontrar dados históricos, aparentemente contraditórios, sobre a data em que Cuba obteve a independência da Espanha. Não poucas fontes citam o ano de 1898. Porém, para os cubanos, trata-se de um momento de desgraça.

Naquele ano, aconteceu a intervenção dos Estados Unidos na guerra de independência movida pelos patriotas de Cuba contra as tropas de Madri. Estas, após duros enfrentamentos, estavam esgotadas e a possibilidade de serem derrotadas era cada vez mais iminente.

Os Estados Unidos entraram no conflito sob o pretexto de ajudar os cubanos de maneira desinteressada e altruísta. Mas seus interesses eram outros. Jamais reconheceram o Governo Revolucionário em Armas, nem o exército Mambí (Libertador), muito menos o Partido Revolucionário Cubano fundado por José Martí. Consideraram os patriotas seus “inimigos” e ocuparam militarmente o país, frustrando sua independência.

Foi uma guerra imperialista para se apropriar de territórios que pertenciam a um império em decadência, o da Espanha, e nela empregaram recursos não convencionais como diplomacia, imprensa, psicologia, cultura, campanha de descrédito, uso de “aliados” aos quais coube encarar a parte mais dura da contenda, mercenários, etc.

Seria uma guerra híbrida a maneira das que se travam no século 21?

Não nos atreveríamos a afirmar com segurança absoluta. Mas podemos sim assegurar que foi a primeira operação de guerra cultural e de descrédito do mundo moderno e se levou a cabo contra Porto Rico e Filipinas e, de maneira especial, contra Cuba.

Em 1897, o império a ponto de irromper necessitava criar o clima apropriado nos Estados Unidos para apoiar uma possível guerra contra a Espanha, aplainando o caminho para a ocupação militar e a posterior anexação das possessões espanholas no Caribe e no Pacífico.

Para construir o ícone da “Grande Mãe América”, protetora, generosa de povos inferiores, e escarnecer do decadente império español, era preciso uma imensa campanha “midiática”.

Em 1897, munidos desse propósito, Theodore Roosevelt, Henry Cabot Lodge, Alfred T. Mahan, John Hay, Whitelaw Reid, Albert Beveridge, Nicholas Murray Butler e Josiah Strong, porta-vozes e ideólogos ilustrados do “Partido da Guerra”, reuniram-se várias vezes na Universidade de Columbia com representantes da imprensa.

Os encontros foram organizados e dirigidos por Henry Brooks Adams, doutrinário ativo do darwinismo social, neto do ideólogo da “fruta madura” (*).

William Randolph Hearst, magnata da imprensa estadunidense, enviou a Cuba seu melhor desenhista, Frederic Remington, e um de seus melhores jornalistas, Richard Harding Davis, para preparar a opinião pública do país ante a futura intervenção e posterior ocupação da ilha.

Ambos personagens matavam o tempo em Havana, entre bares e cantinas. Um dia Remington escreveu a Hearst: “Tudo está tranquilo. Não haverá guerra”. O telegrama de resposta de Hearst tornou-se célebre: “Por favor, faça os desenhos e eu proporcionarei a guerra”.

Joseph Pulitzer, conhecido por sua competição com Hearst, suas crônicas sensacionalistas e os prêmios jornalísticos que ganharam o seu nome, confessou que sua intenção, ao contribuir com a guerra, era aumentar a venda e a circulação de seus diários.

A competição entre o Journal (de Hearst) e o World (de Pulitzer) foi dura, chegando-se a publicar até 40 edições diferentes de ambos os jornais em um mesmo dia. Hearst chegou a transferir seu diário para Cuba para trabalhar junto a um autêntico “batalhão” de repórteres.

A manipulação, a mentira, a falta de rigor, a tendenciosidade estiveram presentes todo o tempo nas reportagens vindas da “zona de guerra” - leia-se hotéis e bares das grandes cidades.

A imprensa avivou as chamas da confrontação com a fabricação de notícias falsas que descreviam atrocidades cometidas pelas forças da Espanha, orientadas para justificar a intervenção e posterior anexação estadunidense das colônias espanholas.

Os combatentes pela independência eram bárbaros incivilizados, pobre gente inferior que necessitava o amparo e a liderança da mãe América, ao passo que os espanhóis eram inimigos do progresso e da liberdade.

A campanha de descrédito contra espanhóis e cubanos foi feroz, traduzida em milhares de caricaturas. O papel desempenhado pelo humor gráfico está no livro Cartoons of the War of 1898 (Belford, Middlebrook and Co., Chicago, 1898).

Por outro lado, a imagem do país do Norte como nação benfeitora por direito e desígnio divino, encarregada de proteger os “povos imaturos”, tornou-se recorrente nos principais diários da época.

Sabemos como terminou a ajuda “fraternal” dos Estados Unidos nas Filipinas. Não somente esmagaram no campo militar os nacionalistas que resistiram à intervenção como os filipinos foram “reeducados” – no dizer dos ocupantes – política e linguisticamente.

A Conferência de Paris, em dezembro de 1898, aconteceu pelas costas dos independentistas. A Espanha abandonou suas “demandas” sobre Cuba, enquanto que as Filipinas, Guam e Porto Rico foram oficialmente cedidas aos Estados Unidos. Assim, lhes era arrebatada a independência pela qual haviam lutado durante longos anos.

John Hay escreveu a Theodore Roosevelt contando que haviam tido contra a Espanha “uma esplêndida guerra”. Abordando as consequências internas da guerra, Mark Twain declarou: “Não se pode ter um império fora e uma república em casa”.

(*) Expressão usada em 1823 pelo então secretário de estado John Quincy Adams. Ele definiu Cuba como uma “fruta madura” que seria inevitavelmente anexada aos Estados Unidos.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko