Me sinto na obrigação de firmar posição pessoal sobre este contexto de brutalidade desumana
Estas discussões sobre o genocídio em Gaza, que nos escandalizam pela maneira como as crianças despedaçadas são abordadas por meio de tão diferentes perspectivas, desafiam todos a tomar alguma posição realista em face do óbvio: há uma disputa por territórios, sim, mas é a humanidade que está em jogo.
E se há nisso alguma fundamentação religiosa ou espiritual que muitos não alcançamos entender, com certeza ela poderia ser examinada mais adiante, suspensos os bombardeios e preservada a vida dos que ainda respiram na Faixa de Gaza.
Além disso, como apreciar a questão religiosa desde nossa realidade? Aqui muitos pastores estão chamando suas ovelhas para a manifestação de golpistas do dia 25, em favor do fascismo e da ditadura. O que pretendem fazer, mais adiante? Como interpretar o posicionamento de líderes religiosos que, aqui ou em qualquer lugar do planeta, tratam de escamotear o significado das ditaduras e do fascismo, iludindo seus rebanhos com metáforas e distorções que tentam aproximar o mundo espiritual dos problemas de saúde mental, e de caráter, em benefício próprio?
Isto não tem a ver com o judaísmo, ou com o desenvolvimento científico e a democracia socialista moderna, supostamente vigentes em Israel. Se trata do avanço do mal, da tentativa de abafamento das lutas contra as discriminações e diferenças, se trata do que há de subjacente nos ataques virulentos às falas de Lula, no descaso aos apelos do Papa Francisco e nas ameaças com que pretendem silenciar Breno Altman. Se trata de articulação objetivando bloquear o avanço da consciência, calar ou desvirtuar os alertas de todos/as que se empenham em desvendar o véu de hipocrisia com que os criminosos tentam esconder seus propósitos.
Se a neutralidade diante das desigualdades de acesso a condições básicas de vida já separa a humanidade em categorias, como alertou o Papa Francisco em sua interpretação da metáfora do bom samaritano, o que dizer de posicionamentos em favor da barbárie genocida que avança em Gaza? Impossível ficar neutro e isso, em certo sentido, lembra aquele verso dos Titãs: Miséria é Miséria em qualquer canto, riquezas são diferentes.
Se lá em Gaza, de um lado a riqueza se resume a mais um dia de vida, ao acesso à água, a alimentos, a remédios, e do outro lado, à remessa de mais e mais recursos, armas e ordens sob o escudo da mídia internacional, aqui elas nos separam entre os que se regozijam com isso, os néscios que não querem enxergar, e os demais, aqueles dispostos a entender o fundamental: qualquer ausência de empatia para com os palestinos hoje, se expandirá e atingirá a todos, quando a lei dos mais fortes e mais bem armados passar a vigorar também por aqui.
Enfim, e ciente de minha ignorância sobre este tema e as questões de geopolítica global que o determinam, me sinto na obrigação de firmar posição pessoal sobre este contexto de brutalidade desumana. Vejo ali evidências da miséria espiritual em que afundamos todos, sublinhada pela espetacularização do drama, da miséria real que envolve aquelas crianças, suas mães e todos que sofrem diante das poucas imagens que nos chegam, sem o cheiro, sem o silêncio, sem os gritos, e sem o desespero dos médicos que se obrigam a realizar amputações a frio. Sinto que, se os criminosos que alimentam aquela realidade conseguirem validar entre nós, ainda que em parte, a noção de nada daquilo tem a ver conosco, a humanidade terá perdido sua razão de existir.
Nisso estou com Lula, também tenho obrigação de dizer o que penso e também não troco minha dignidade pela falsidade.
Miséria é miséria em qualquer canto. Cores, raças, crenças, riquezas são diferenças.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko