Preocupada com a sanção imposta ao juiz federal Edevaldo de Medeiros, a Junta Diretiva do Comitê Pan-americano de Juízas e Juízes para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana (Copaju) emitiu nota defendendo a independência do Poder Judiciário brasileiro e pedindo a reversão a condenação disciplinar do magistrado.
Membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), e crítico da Operação Lava Jato, o juiz titular da 1ª Vara Federal de Itapeva (SP) vem sendo alvo de perseguições pela corregedoria da Justiça, conforme entendem diversas entidades de juristas no país, desde que visitou o presidente Luiz Inácio Lula de Silva (PT), durante sua prisão na sede da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba (PR), em março de 2019, e impediu ação da Polícia Militar contra os manifestantes que permaneciam em vigília no Acampamento Lula Livre.
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No primeiro processo contra Edevaldo de Medeiros, arquivado pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), os procuradores pediram abertura do procedimento disciplinar por ele e outros 11 juízes da ABJD terem visitado Lula, e por ter criticado a Lava Jato em entrevista ao Brasil de Fato, sob a acusação de prática de ato político-partidário e críticas a decisão judicial.
Após três meses, oito procuradores apresentaram nova representação, somente contra Medeiros, acrescentando pedido de julgamento de suas interpretações em processos em que o Ministério Público Federal (MPF) é parte. Então foi condenado, em novembro de 2020, com a segunda mais grave pena prevista para a magistratura: disponibilidade por 180 dias com vencimentos proporcionais, inferior apenas à aposentadoria compulsória.
A partir daí, vieram outros processos. Nesta terça-feira (20), o CNJ julgou mais duas representações, movidas pelo MPF, e condenou novamente o magistrado pelo teor de decisões em processos criminais sob sua jurisdição, de forma unânime, com a mesma pena.
Em trecho da nota, a Copaju defende que “a utilização de sanções administrativas não é um mecanismo adequado ao bom funcionamento das instituições republicanas, quando estas parecem ser suspeitas de serem utilizadas para desviar o propósito, perseguindo secretamente outros fins diferentes, como processar um magistrado pelo conteúdo de outras decisões judiciais”.
“A independência do Poder Judiciário e a sua autonomia andam de mãos dadas com políticas que respeitem a atividade judicial”, prossegue o documento. “Portanto, esta Comissão manifesta sua preocupação com a sanção administrativa imposta ao juiz federal Edevaldo de Medeiros, e insta o Conselho Nacional de Justiça a rever a sanção aplicada”, finaliza.
A AJD também se manifestou sobre a condenação. “Não havia qualquer acusação de má conduta, corrupção, conluio entre as partes, lawfare, tentativa de interferir no processo eleitoral, favorecimento ou perseguição a ninguém por motivos ou para auferir benefícios ou vantagens pessoais, vazamento de dados sigilosos de processos ou malversação de fundos oriundos de processos judiciais. No banco dos réus, apenas as interpretações e o conteúdo das decisões daquele juiz”, diz trecho da nota.
A associação define a decisão como “aquilo que se convencionou chamar, criticamente, de ‘crime de hermenêutica”: o terrível pecado cometido por alguns juízes e juízas de interpretarem a Constituição e as leis da República livremente e à luz das provas dos autos, de acordo com seu livre convencimento motivado, em decisões que, via de regra, podem ser reformadas mediante recurso”.
“A este terrível pecado também se dá o nome de independência e autonomia do Poder Judiciário, e é um dos pilares do Estado Democrático de Direito em todo o mundo ocidental, bem como de nossa Constituição. Sem essa autonomia e independência, esfumaça-se a democracia, os cidadãos e cidadãs não têm a quem recorrer contra injustiças e violações a seus direitos fundamentais, e a Justiça passa a ser um jogo de cartas marcadas”, critica a AJD.
A nota finaliza conclamando o CNJ “a refletir sobre a extrema gravidade de sua decisão de ontem, sobre suas nefastas, mas perfeitamente previsíveis, consequências futuras, em especial em tempos de flerte com o fascismo e ameaças de golpe de Estado como tivemos recentemente, e a rever não só sua posição neste caso, mas sua orientação punitivista de intervenção no exercício regular da jurisdição, espaço por excelência do pluralismo, da dialética de ideias, da argumentação e da liberdade”.
Nota da Copaju
O COMITÊ PAN-AMERICANO DE JUÍZES DE DIREITOS SOCIAIS E DOUTRINA FRANCISCANA MANIFESTA SUA PREOCUPAÇÃO COM A SANÇÃO IMPOSTA AO JUIZ FEDERAL EDEVALDO DE MEDEIROS, DA REPÚBLICA FEDERAL DO BRASIL
A Junta Diretiva do Comitê Pan-americano de Juízas e Juízes para os Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana – COPAJU, criado em junho de 2019 e institucionalizado como pessoa jurídica de Direito Canônico Internacional por meio de Quirógrafo Papal em 15 de agosto de 2023, torna pública sua posição sobre a sanção aplicada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) contra o Juiz Federal Edevaldo de Medeiros, por supostamente ter proferido decisões “teratológicas”.
Por votação unânime do CNJ, o Juiz Edevaldo de Medeiros foi condenado a 180 (cento e oitenta) dias em disponibilidade, com vencimentos proporcionais. Tal medida decorreu do teor de decisões do magistrado em processos criminais sob sua jurisdição.
Após escrutínio da vida profissional do magistrado, em sede de PAD instaurado por provocação de alguns membros do Ministério Público Federal, descontentes com as posições garantistas adotadas pelo Juiz Edevaldo em suas decisões, o Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região havia concluído que o exercício profissional deste sempre se deu de forma responsável e fundamentada, prezando pela independência funcional.
No entanto, foi aplicada pena de advertência pela exclusiva razão de ter o magistrado supostamente desobedecido a uma decisão da Corte Regional, ao deixar de renovar um mandado de busca e apreensão já expirado por inércia da Polícia Federal, motivando o pedido de revisão feito pelo Juiz Edevaldo junto ao CNJ. A partir desse pedido, a relatora no CNJ se posicionou pelo afastamento do Juiz Edevaldo por 180 dias, sustentando que o juiz teria proferido decisões teratológicas nos processos sob sua jurisdição, posição que terminou por prevalecer.
Sem prejuízo da avaliação que os tribunais superiores possam fazer sobre a ação judicial, afirmamos que a utilização de sanções administrativas não é um mecanismo adequado ao bom funcionamento das instituições republicanas, quando estas parecem ser suspeitas de serem utilizadas para desviar o propósito , perseguindo secretamente outros fins diferentes, como processar um magistrado pelo conteúdo de outras decisões judiciais.
A independência do Poder Judiciário e a sua autonomia andam de mãos dadas com políticas que respeitem a atividade judicial.
Portanto, esta Comissão manifesta sua preocupação com a sanção administrativa imposta ao juiz federal Edevaldo de Medeiros, e insta o Conselho Nacional de Justiça a rever a sanção aplicada.
Ciudad Autónoma de Buenos Aires, 22 de febrero de 2024
Roberto Andrés Gallardo – Presidente COPAJU (Argentina).
Gustavo Daniel Moreno – Secretario (Argentina).
María Julia Figueredo Vivas – Vocal (Colombia).
Daniel David Urrutia Laubreaux – Vocal (Chile).
Nota da AJD
No dia de ontem, 20 de fevereiro de 2024, o Conselho Nacional de Justiça tinha em pauta vários processos disciplinares contra juízes. Em um dos casos, julgou o juiz federal Edevaldo de Medeiros, titular da 1ª Vara Federal de Itapeva, situada a cerca de 300km de São Paulo, em duas representações movidas pelo Ministério Público Federal. Não havia qualquer acusação de má conduta, corrupção, conluio entre as partes, lawfare, tentativa de interferir no processo eleitoral, favorecimento ou perseguição a ninguém por motivos ou para auferir benefícios ou vantagens pessoais, vazamento de dados sigilosos de processos ou malversação de fundos oriundos de processos judiciais. No banco dos réus, apenas as interpretações e o conteúdo das decisões daquele juiz. Ou seja, aquilo que se convencionou chamar, criticamente, de “crime de hermenêutica”: o terrível pecado cometido por alguns juízes e juízas de interpretarem a Constituição e as leis da República livremente e à luz das provas dos autos, de acordo com seu livre convencimento motivado, em decisões que, via de regra, podem ser reformadas mediante recurso. A este terrível pecado também se dá o nome de independência e autonomia do Poder Judiciário, e é um dos pilares do Estado Democrático de Direito em todo o mundo ocidental, bem como de nossa Constituição. Sem essa autonomia e independência, esfumaça-se a democracia, os cidadãos e cidadãs não têm a quem recorrer contra injustiças e violações a seus direitos fundamentais, e a Justiça passa a ser um jogo de cartas marcadas.
O Juiz Edevaldo de Medeiros foi condenado, por unanimidade, à segunda mais grave pena prevista para a magistratura: disponibilidade por 180 dias com vencimentos proporcionais, inferior apenas à aposentadoria compulsória. Pouco antes desta terrível condenação, o Presidente do Conselho, e também do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luís Roberto Barroso, dissertara, corretamente, mas em outro caso sob julgamento, não o do juiz Edevaldo, sobre a gravidade de os órgãos de controle e fiscalização cometerem ingerências não sobre a conduta ética ou moral ou administrativa de juízes e juízas, mas sobre o conteúdo de suas decisões. Todavia, no caso do juiz federal Edevaldo, ele não foi julgado senão pelo conteúdo de suas decisões, por exclusivo “crime de hermenêutica”, pela ousadia de interpretar a Constituição e a Lei como entende mais correto, e nada mais. Foi punido apenas por ser juiz.
Ao fazê-lo, o CNJ pensa ter aplicado pena exemplar a Edevaldo pela ousadia de ser juiz independente, mas, de fato, nada mais fez senão sentar-se ele próprio, o mais alto conselho da magistratura do país, no banco dos réus. Autoriza uma série de especulações sobre os motivos reais de perseguir uns e não outros, sobre interferir no conteúdo de ato jurisdicional de alguns juízes sem que exerça função jurisdicional – pois o CNJ é mero órgão administrativo e correcional, mas preservar pudores de ingressar no mesmo campo em outros casos envolvendo juízes e juízas, em especial da Lava-Jato, e autoriza que se questione, como saudável em qualquer democracia, de onde viria essa autoridade e esse poder, se não emana da Constituição, pois ele definitivamente não está lá previsto.
Não é de hoje que o CNJ vem cruzando a linha da intervenção, inconstitucional, ilegal e perigosa, sobre o conteúdo das decisões judiciais, passando a exercer esse papel de Inquisição reservado principalmente a juízes independentes e progressistas. Mas ontem aquele Conselho cometeu um terrível precedente que, se não for devidamente corrigido pelo Supremo Tribunal Federal pela via jurisdicional, pode lançar na lata do lixo toda a autonomia e independência do Poder Judiciário nacional, e com ela a democracia pela qual tanto lutamos, e, claro, jogar-se ele próprio, CNJ, nesta lata de lixo histórica.
Ao tempo em que se solidariza com o juiz federal Edevaldo de Medeiros, a AJD conclama o CNJ a refletir sobre a extrema gravidade de sua decisão de ontem, sobre suas nefastas, mas perfeitamente previsíveis, consequências futuras, em especial em tempos de flerte com o fascismo e ameaças de golpe de Estado como tivemos recentemente, e a rever não só sua posição neste caso, mas sua orientação punitivista de intervenção no exercício regular da jurisdição, espaço por excelência do pluralismo, da dialética de ideias, da argumentação e da liberdade.
Edição: Marcelo Ferreira