Meu nome é Tiago Dominguez, tenho 30 anos, sou médico veterinário formado pela Ufrgs e pesquisador da fauna marinha do litoral gaúcho. Sou morador de Capão da Canoa, cidade que amo desde criança. Aqui desenvolvo com meus amigos um trabalho pela preservação da praia.
Nosso trabalho consiste em recolher o lixo da praia, fazer a proteção e cerceamento de ninhos de animais silvestres na região das dunas e divulgar educação ambiental para a comunidade. É um trabalho coletivo, realizado por voluntários. Aqui venho relatar a realidade que estamos vivendo na cidade de Capão da Canoa e em boa parte do Litoral gaúcho.
Sabemos que o problema do plástico e do lixo em geral não é exclusividade das praias do Sul do Brasil, mas sim um problema mundial. Um dos principais problemas que estamos enfrentando em Capão da Canoa é o descaso por parte das autoridades do município ao lidar com a questão sanitária.
A região onde foi feita a foto (capa) é no centro da cidade, onde fica o letreiro de Capão da Canoa, principal cartão postal e ponto turístico do município. É incrível pensar que este local não conta com uma lixeira sequer. Estamos falando de 0 lixeiras no local de maior fluxo de pessoas em toda a cidade. O calçadão da praia, nesta região, conta com escassas lixeiras na porção em que está voltado para a avenida, e na calçada voltada para a praia não existem lixeiras.
O problema do lixo não é apenas estético, ele é prejudicial para o ecossistema marinho. O que vou falar agora não é de conhecimento da maioria da população e se trata do tema chave da nossa luta: O Litoral gaúcho é um local de extrema biodiversidade.
Em nossa região, há o encontro de duas correntes marinhas intercontinentais que geram uma zona extremamente diversa em espécies animais. Este fato, somado a muitos outros fatores, fazem com que, no Litoral gaúcho, tenhamos a presença de todas as espécies de tartarugas marinhas existentes no Litoral brasileiro (todas elas correm risco de extinção), grande variedade de mamíferos marinhos (lobos marinhos, leões marinhos e elefantes marinhos) e um grupo de cetáceos diverso (botos, baleias e golfinhos). Atente-se para o fato: No Litoral gaúcho há a ocorrência de 80% de todas as espécies de animais que ocorrem no Litoral brasileiro.
A quantidade de animais mortos é muito intensa. No Centro de Estudos Costeiros, Limnológicos e Marinhos (Ceclimar – Ufrgs), em Imbé, temos Biólogos Marinhos que se dedicam a estudar a causa das mortes dos animais que constantemente aparecem aqui. São duas as principais causas de mortes de tartarugas, botos e golfinhos: a queda acidental em redes de pesca predatória e a ingestão de lixo.
Em janeiro deste ano iniciamos nossa conversa com a Prefeitura Municipal de Capão da Canoa e, após muitas tentativas frustradas de solicitar lixeiras, criei uma petição pública pela instalação de mais lixeiras. Nós chegamos a 675 assinaturas e, até o presente momento, nenhuma atitude foi tomada pela prefeitura. A petição pode ser acessada no link: https://www.obugio.org.br/petitions/queremos-mais-lixeiras-em-capao-da-canoa-rs-7
Conversei diretamente com o prefeito de Capão da Canoa, Amauri Germano, sobre este assunto e a promessa dele de que haveria a instalação de mais lixeiras está prestes a completar um ano sem resolução. Respondi que considero grave que ele sustente esta postura, pois a situação do lixo em Capão da Canoa, na minha opinião, é de calamidade pública.
Outro problema que estamos vivenciando em Capão da Canoa é a construção de inúmeros condomínios horizontais fechados. Loteamentos cercados por câmeras de vigilância, cercas elétricas e seguranças.
Dentro dos condomínios a sensação de falsa paz é construída através de uma arquitetura padrão, vegetação exótica, lagos e praias artificiais, limpeza e manutenção impecáveis (realizadas por gente pobre). Uma quantidade pequena de pessoas mora nestes condomínios e uma parcela significativa dos proprietários dos lotes utilizam estes espaços apenas para construir suas casas de veraneio, permanecendo ali poucos meses por ano. Isolados da realidade, através de muros altos, os moradores dos condomínios evitam enxergar o lado de fora.
No dia 18 de setembro de 2023 publiquei um texto no Instagram com o seguinte questionamento: “Me apresente uma nova perspectiva de futuro para os jovens desta cidade que não seja apenas carregar cimento para os corruptos da construção civil”. Alguns dias depois recebi a notícia de que a ASSOCIC - Associação dos Construtores de Capão da Canoa, que é a autoridade máxima representativa da construção civil no município, estava me processando pela utilização do termo “corruptos”.
A Associação exigia R$ 5 mil como indenização e também a publicação de um pedido de desculpas escrito por mim. A Justiça me deu sucessivas vitórias dentro do processo, por entender que minha crítica, apesar de ácida, era genérica.
Após sucessivas derrotas, a Associação decidiu pôr fim ao processo, solicitando à Justiça o encerramento do caso, o que ainda está em vias de se concretizar. Eu interpreto a ação movida pela Associação como uma tentativa de censura ao meu canal e também a grande parcela da população de Capão da Canoa que se vê representada pelas minhas palavras.
Sei que não se muda o mundo da noite pro dia, muito menos sozinho. Eu acredito na recomposição da natureza de nossa cidade. Temos perto de nós um município que pode servir de exemplo: Torres. Acredito que Torres seja, hoje, a cidade mais preservada de nosso Litoral. Os problemas ambientais que lá existem são ínfimos se comparados a Capão da Canoa.
Você pode encontrar áreas extensas de dunas preservadas e com vida silvestre intensa, passarelas em quantidade suficiente para as pessoas não pisotearem estas dunas, lixeiras nas ruas e uma população um tanto quanto melhor instruída sobre este assunto. As pessoas de Capão da Canoa são simples, eu sei que se elas tiverem uma chance de aprender sobre isso não irão continuar deixando este assunto de lado. Precisamos reforçar nossos vínculos e lutar por isso.
Para todos os lados desta praia que olho percebo uma natureza frágil buscando formas de se recompor. Animais, plantas e a vida como um todo pedindo socorro para aqueles que possuem um olhar sensível se unirem e se empenharem em resgatar o que é mais valioso para nós: os nossos momentos com pessoas que amamos, desfrutando da natureza, respeitando-a sempre e permitindo que ela sorria da mesma forma que ela nos faz sorrir.
* Médico veterinário, ativista socioambiental e fundador do Qual é a Boa Capão da Canoa.
Edição: Katia Marko