A jornalista Jussara Marchand teve experiências em vários campos do jornalismo como repórter, produtora, editora. Teve passagens marcantes pela Rádio Gaúcha, Rádio Guaíba, Jornal do Brasil, Gazeta Mercantil, Caras, Veja e na assessoria de imprensa da Assembleia Legislativa. Em algum momento da sua carreira resolveu apostar as suas fichas na área educacional, fez e faz cursos e se aprimora a cada momento.
É um desafio e tanto que o jornalismo lhe instigou. Perguntar, saber, aprender e transmitir. Ela agora também escreve artigos para esta nova área onde vem atuando nos últimos anos.
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Jussara vem desenvolvendo um método para facilitar o aprendizado de crianças brasileiras. Segundo a jornalista/educadora, os tempos de pandemia e pós-pandemia revelaram o que há muito observadores e especialistas na área de aprendizagem já sabiam: as famílias não sabem como ajudar suas crianças e adolescentes a aumentar seu potencial cognitivo.
Potencial cognitivo é a mobilização de recursos básicos a todo o ser em processo de desenvolvimento (memória, atenção, percepção, compreensão e linguagem). São essas faculdades que nos ajudam a entender o mundo que nos cerca. E dependem de treinamento. Estender o olhar para a família e apresentar um método simples para que ela pudesse ajudar suas crianças a aprenderem com mais facilidades mobilizaram a sua curiosidade acadêmica (e jornalística) nos últimos anos:
1. Como é que as pessoas aprendem? 2. Como as famílias podem ajudar suas crianças a aprender com mais facilidade? A partir daí ela buscou bibliografia e encontrou um psicólogo judeu chamado Reuven Fuerstein*, que a colocou de frente com respostas significativas às suas dúvidas.
A partir disso, ela decidiu buscar, em todos os lugares possíveis, estudos que pudessem fazer essa associação: a mediação de Reuven em casa. Nada. Tudo era voltada para escolas. Mas, a partir daí, descobriu que um dos critérios do teórico, era aplicar em sala de aula, a questão: faça perguntas para seus alunos. Perguntas intencionais e dirigidas para despertar a curiosidade. Assim o aparelho cognitivo se abre, e o cérebro se modifica.
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“Julguei ter encontrado o meu pote de ouro. De perguntas, nós jornalistas entendemos. Precisava, então, encontrar uma revisão de literatura científica da obra de Reuven Fuerstein no Brasil. Estava no banco de dados da Universidade Federal do Paraná. Elegi que aquele seria meu modelo.”
Tinha tudo o que Jussara precisava: um teórico, uma metodologia simples e um estudo revisando a obra de Reuven no Brasil durante 20 anos (2000 até 2020).
O fato a levou a agir com ousadia, por conta e risco. Ela produziu um artigo científico, construindo uma ponte entre Reuven, escolas e famílias brasileiras. Neste momento especial de volta às aulas, confira aqui entrevista de Jussara Marchand sobre o seu trabalho e suas pesquisas na área educacional.
Brasil de Fato RS - O que te motivou a entrar na área educacional depois de uma carreira jornalística ampla e repleta de experiências?
Jussara Marchand - Penso que foi refletindo sobre o papel de educador de todo o jornalista. Ao longo das décadas fui observando como diversos públicos se informavam e/ou formavam suas convicções a partir de conteúdos vinculados pelos meios de comunicação da época. Antes das tecnologias digitais. Nunca me distanciei dessa percepção, a ponto de levar para uma entrevista questionamentos de quem pudesse estar me lendo ou ouvindo. Sempre me coloquei como aprendiz de todos que entrevistei.
Aí veio a pandemia, e o perrengue nas famílias foi geral. Vi o quanto crianças, famílias e professores tentavam sintonizar, sem ensaio, de um dia para o outro, aulas totalmente à distância. E a todas essas, me perguntava: e o aprendizado, como é que fica? Então, no mesmo ano, 2020, a PUCRS trouxe um curso de Pós-Graduação sobre Desenvolvimento e Aprendizagem, fugindo do escopo da Educação, mas vinculando à Psicologia. Com o passar dos anos e do curso, de 20 a 23, compreendi que nossa ferramenta básica de aprendizado não é apenas o aparelho cognitivo, mas o arcabouço emocional do aprendiz. Estava feito, era por essa porta que eu busquei entrar.
BdF RS - A partir de que momento observaste as dificuldades familiares de acompanhar o aprendizado dos filhos?
Jussara - Ao longo dos anos como jornalista de várias redações, me acostumei a observar como algumas pessoas aprendiam mais depressa e outras nem tanto. Lá pelas tantas, descobri que os mais rápidos em aprendizagem sabiam fazer perguntas. Por que isso acontece? Um dia me dei conta, ou tive um insight como se diz na Psicologia.
A pergunta te puxa, te move, te lança para dentro de um assunto. Qualquer que seja ele. E quando comecei o curso, revendo esse retrospecto me perguntei: será que isso que observei entre jornalistas, é verdadeiro também em salas de aula. Alunos que fazem perguntas aprendem mais rápido? Pelo senso comum, a mim parecia que sim. Mas à luz do conhecimento científico não basta achar. Há que se provar. Então está aí o segundo movimento que me levou em direção à Psicologia da Aprendizagem, também retirada das lides jornalísticas.
BdF RS - Como é este método que ajuda a melhorar a interação entre pais e filhos para juntos, obterem bons resultados no aprendizado?
Jussara - O curso de três anos estava terminando e eu não encontrava algum teórico que subsidiasse duas perguntas que me fazia: como é que as pessoas podem aprender com mais facilidade? E como as famílias podem ajudar a acelerar o aprendizado de suas crianças? Também me indagava sobre a forma que essa criança, encantada com seu próprio desenvolvimento, queira permanecer na escola. Pelo singelo e potente motivo que está aprendendo.
Perguntas mediando o conhecimento de um lugar para outro podem sim contribuir para o desenvolvimento de todos nós
Buscando livros para ancorar de alguma forma minha conclusão de curso, descobri Reuven Fuerstein*. E lá estava o pote de ouro no fim do arco-íris, como costumo dizer. Esse cientista, que não teve ainda sua vida bem contada (nunca deixe a repórter morrer dentro de mim) desenvolveu um método para recuperar sobreviventes do holocausto, especialmente crianças que perambulavam pelas ruas da Europa. E lá na base teórica e metodologia estava descrito: o potencial de aprendizagem cognitivo e emocional se mantém intacto dentro de cada um de nós.
A metodologia dele é extensa. Mas na raiz encontrei o que procurava. Perguntas mediando o conhecimento de um lugar para outro podem sim contribuir para o desenvolvimento de todos nós. Fiz um recorte a partir desse pressuposto. E centralizei aí minha pesquisa. Mas todos os trabalhos relatavam e descreviam apenas mediação em sala de aula. Nenhum trazia a contribuição da família. Perguntas mediadas em sala de aula. Foi aí o máximo que encontrei.
BdF - Achas que os pais entregam tudo na mão de professores e das escolas a responsabilidade de ensinar as crianças a avançar no mundo de aprendizados de coisas novas?
Jussara - Fiz uma revisão da literatura científica de 2000 até 2020, sempre visando encaixar as famílias na teoria e método de Reuven Fuerstein. Essa revisão me mostrou que sim. As famílias só precisam ser ensinadas. Mas o só é muito. Então construí um artigo científico fazendo uma ponte entre escolas e famílias, através da mediação de Fuerstein. E a banca validou com grau 10, o que me deixou muito feliz e preocupada.
BdF RS - Consideras a metodologia Reuven ideal para fazer a junção pais e crianças no aprendizado? Podes explicar um pouco este método?
Jussara - Vou explicar um pouco sobre o método Reuven através da descrição e apontamentos feitos em meu artigo. Estou falando sobre cobertura de bolo. E quero levar uma criança desse conhecimento, possivelmente ela conhece bolos, para um outro que é a cobertura de uma casa, feita na construção civil. Reuven chamou essa parte de seu trabalho de extração de camadas de significados com apenas uma palavra. Essa é a parte do método que defendi em meu artigo.
A teoria de Reuven, entre tantos outros teóricos e cientistas da área de aprendizagem, foi a mais próxima para abrir essa ponte entre as famílias
Perguntas movem o conhecimento e o cérebro. Sim, o cérebro de uma criança mediada faz novas sinapses, um neurônio estende seus braços para outro e novas redes neurais se criam e ficam disponíveis para outros aprendizados. Além daquele que a criança fez em torno de coberturas. Percebeu?
A teoria de Reuven, entre tantos outros teóricos e cientistas da área de aprendizagem, foi a mais próxima para abrir essa ponte entre as famílias. É uma ponte satisfatória? Pode apostar que sim. É única? Não. A contribuição da ciência nessa área é muito vasta.
BdF RS - Qual o teu papel contributivo para ajudar a facilitar a integração de pais e filhos no aprendizado?
Jussara - Ao longo da vida aprendi que abacaxi a gente descasca fatiado. Fica mais fácil. Em primeiro lugar, sempre embasada no artigo, penso na importância de construir uma cartilha para orientar os pais. Bem pedagógica, de fácil acesso e com exercícios de mediação. Estou trabalhando já nesse material. Pretendo levar ao conhecimento de núcleos que possam se interessar pelo assunto. No Instagram jussaramarchand.oficial venho explicando o que é uma mediação em casa. E, agora, começo a postar uma experiência que os pais podem replicar.
* Reuven Feuerstein foi um professor e psicólogo judeu-israelense, criador da Teoria da modificabilidade cognitiva estrutural, a teoria da Experiência da Aprendizagem Mediada, e o Programa de Enriquecimento Instrumental. Nasceu na Romênia em 1921 e morreu em Jerusalém em 2014. Estudou nas universidades de Paris e Genebra. Para ele, a aprendizagem humana se dá de duas maneiras: pela exposição direta ao estímulo ou por intermédio da interação com outro ser humano.
Edição: Katia Marko