A história oral contada pelos guaranis diz que a luz da lua crescente é o brilho lunar de seu líder Sepé Tiaraju, iluminando o caminho para os seus soldados enfrentarem os colonialistas destruidores. Segundo a lenda, o seu cacique, o corregedor de São Miguel, nasceu com um lunar gravado na testa que nas noites de lua crescente e cheia se iluminava mostrando o caminho para seus soldados.
:: Retomados os trabalhos da comissão pró-beatificação e canonização de Sepé Tiaraju ::
Nesta quarta-feira (7) completam-se 268 anos que morreu Sepé Tiaraju, numa localidade de São Gabriel (RS perto do local da Batalha de Caiboaté. Lá foram dizimados 1.500 guaranis que lutavam em defesa de sua terra, suas culturas agrícolas e seu gado, resistindo aos exércitos português e espanhol, num dos primeiros genocídios de nossa história. A história oficial chama de batalha, prefiro chamar de massacre, houve apenas dez baixas entre os exércitos conquistadores.
No começo de 1756, quando 4 mil soldados se aproximavam pelo sul, liderados pelos governadores de Buenos Aires (José de Andonaegui) e do Rio de Janeiro (Gomes Freire), Sepé estava na região de São Gabriel para comandar a resistência. Experimentado, ele sabia não ser possível combater frontalmente o inimigo, muito mais poderoso. Preferia utilizar táticas de emboscada. Uma dessas escaramuças foi-lhe fatal. Depois de provocar as forças ibéricas, os indígenas saíram em disparada, para se esconder no mato. Sepé estava quase lá quando ocorreu o famoso e trágico tropeço de seu cavalo.
Segundo historiadores da Universidade Federal do Pampa (Unipampa), em Caiboaté, menos de um mês depois do massacre, um cacique fez erguer uma cruz de madeira no alto da coxilha, com inscrições em guarani: “A 7 de fevereiro morreu o corregedor Sepé Tiaraju, num combate que houve num sábado. A 10 de fevereiro, numa terça-feira, feriu-se uma grande batalha em que pereceram, neste lugar, 1.500 soldados e seus oficiais, pertencentes aos Sete Povos do Uruguai. A 4 de março mandou D. Miguel Mayrá fazer esta cruz pelos soldados”.
Depois do covarde massacre, o corpo de Sepé Tiaraju desapareceu, mas os Mbya Guarani afirmam que ele fora elevado ao alto dos céus, onde se tornou um facho de luz a irradiar os caminhos dos sobreviventes de seu povo, que caminham constantemente na busca da Terra Sem Males.
Para os guaranis, seus heróis não morrem, “são vistos pela última vez”. Os caciques e pajés que chegam naqueles locais para reverenciá-los ainda conseguem rever as batalhas e sua liderança num cavalo rumo ao céu. O grito “Esta terra tem dono, nos foi dada por Nhandeju para que a cuidássemos e alimentássemos nosso povo” ainda agora é ouvido da boca de milhares de camponeses sem terra e trabalhadores, para quem a terra não é mercadoria, mas uma mãe, encarregada de nutrir seus jardineiros. Um cacique uma vez falando aos brancos disse: “vocês vendem a sua mãe, alugam sua mãe, envenenam sua mãe, ferem sua mãe fazendo-a produzir coisas ruins”.
Sepé Tiaraju torna-se presença nas lutas de hoje. Assim afirmam os líderes espirituais Mbya Guarani, quando, todos os anos, lembram e celebram a sua memória e de suas e seus guerreiros e guerreiras.
O passado sangrento daquela época se assemelha ao genocídio de hoje, quando terras são invadidas e devastadas por milicianos, garimpeiros, fazendeiros, grileiros e empresários especuladores de riquezas.
Embora os católicos agora estejam querendo canonizar Sepé, há centenas de anos ele já é considerado santo para os seus irmãos originários, e para os pobres do Rio Grande do Sul. Não foi por acaso que a cidade de São Sepé ganhou este nome. A religiosidade popular sabe a quem santifica.
* Walmaro Paz é jornalista
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira