Aparar as arestas das relações demanda muita paciência e trabalho psíquico
Após uma tarde excelente repleta de conversas e risadas, desço para acompanhar meu amigo até a porta. Passamos por duas vizinhas sentadas em frente ao prédio, naquela típica posição de observar quem entra e quem sai. Abraço meu amigo, agradeço pela nossa amizade e retorno. Uma delas me olha e pergunta:
“Ele é daqui?”
“Não, ele é da Bahia”. Respondi.
Ambas começam a rir e apontam para um gato que estava sentado no chão. Então todos caímos na gargalhada. Poxa, a linguagem tem dessas! O mal-entendido faz parte de toda comunicação. Uma pessoa fala uma coisa, a outra escuta outra. Como transpor as falhas inerentes à própria estrutura da linguagem? O desentendimento acompanha todo o ser falante. A linguagem tropeça, falha, é insuficiente; faltam palavras.
Os inícios de relações, seja de trabalho, amizade, amorosas, pressupõem um necessário aprendizado do vocabulário do outro. É com o tempo que começamos a reconhecer as palavras que podem magoar, trazer lembranças de abandono, despertar raiva ou demonstrar carinho, familiaridade, cuidado.
É angustiante não saber o que o outro escuta quando falamos. E é uma condição plenamente humana. Nossa escuta é atravessada pelo filtro das fantasias. Cada pessoa enxerga o mundo de uma determinada forma, percebe as coisas de um ângulo específico. Como reduzir essa distância? Apostando em mais palavras! Falando, falando e falando.
Aparar as arestas das relações demanda muita paciência e trabalho psíquico. Afinal, uma pergunta pode levar a tantos caminhos, seja sobre o gato ou sobre o baiano.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko