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Por um #8M furioso

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"As esquerdas que se unifiquem, nós, feministas e ambientalistas, organizaremos o nosso luto e a nossa raiva. Em 8 de março, o mundo vai parar" - Foto: Colectiva La Revuelta
A ferida histórica que se abriu desde o assassinato de Marielle Franco volta a sangrar

Caminhar nas ruas de Porto Alegre após o temporal de 16 de janeiro tem sido uma experiência política que, para este corpo que escreve, convoca para a urgência do agora: compreender que o sofrimento das classes populares dos territórios colonizados, o precariado do mundo, está conectado e se repete em um padrão que nos diz algo. 2024 se anuncia como um ano vertiginoso.

À medida que vivemos o caos e a privação de serviços essenciais, como água e energia elétrica, não pude deixar de pensar como deve ser a experiência do genocídio em Gaza, onde não há explicação plausível para a destruição intermitente senão a intencionalidade de extermínio e posterior justificativa para a invasão sob prerrogativa de reconstrução dos territórios. Urbanismo de guerra.

Na mesma semana em que o presidente argentino foi aplaudido após seu pronunciamento mais extremista desde a posse, durante o Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça, 1,4 milhão de pessoas na Alemanha se manifestaram contra a ultradireita e sua aliança com neonazistas, que pretendem uma agenda xenofóbica e anti-imigratória no país.

Nesse momento, uma grande greve geral se levanta na Argentina contra o sequestro da democracia e dos direitos humanos que se pretende implementar pelo próprio Estado que, nas palavras de Milei, é a causa de todos os males. Ao delirar em proibir os protestos, multitudinários ao longo das décadas de organização em reconhecimento dos mortos e desaparecidos durante a ditadura militar e potencializados desde as manifestações contra os feminicídios e pela legalização do aborto, o neoliberalismo exercita essa violência aprendida em séculos de colonização, o memoricídio.

Tivéssemos a possibilidade de honrar a memória, jamais elegeríamos um político cujo histórico, como gestor, teve sob sua responsabilidade exames de citopatológico adulterados, determinando a morte de mulheres. Mas a situação política das últimas eleições nos colocou este cenário, de obrigatoriamente eleger o outro candidato que não aquele diretamente aliado a Bolsonaro, o inelegível, o que prova que votar no Brasil significa uma arma institucional, não raro, sob nossas cabeças.

Não nos assusta que tenha vendido a companhia de distribuição de energia elétrica do estado pelo valor de um carro, e assim implementado na prática o Estado mínimo, que é o que vimos após as chuvas. O neoliberalismo sempre abriu os caminhos para a extrema direita, tanto quanto a extrema direita sempre foi neoliberal. Para reestatizar a CEEE, não votemos mais em Eduardo Leite, e as esquerdas que se unifiquem.

O prefeito de Porto Alegre, que tem sido responsável pela maior gentrificação e privatização jamais vistas nessa cidade, promovendo o que podemos chamar de racismo ambiental pela via do mercado imobiliário, se pronunciou pedindo que a população doe motosserras e telhados e, também, não se arrepende de haver apoiado a privatização dos serviços de eletricidade, e pretende fazer o mesmo com a água e saneamento básico, tal como já aconteceu em São Paulo. Se a feminização da pobreza é a regra no Sul global e se confirma na capital gaúcha, quem são as famílias mais atingidas pelos eventos climáticos? Não seriam aquelas justamente sustentadas apenas por mulheres?

A motosserra de Melo é a mesma de Milei, que é a mesma de Bolsonaro, o símbolo não é uma coincidência. Se a vida só tem sentido se for comunitária, que tiremos Melo da prefeitura nas urnas, encerrando a venda da cidade à iniciativa privada que nada sabe sobre solidariedade. Sustentemos a indignação que vimos ao final da semana que passou até as eleições municipais, e além. As esquerdas que se unifiquem.

O Estado mata por ação ou por omissão, assim podemos definir a necropolítica institucionalizada ou, como falamos em Saúde Coletiva, os determinantes sociais em saúde (DSS). Os anos Bolsonaro foram a prova de como se orquestra um genocídio por omissão estatal, ao mesmo tempo em que fomenta o armamento civil como resposta à miséria social gerada.

A consequência sintomática e coletiva do Estado mínimo é a multiplicação e fortalecimento de milícias, e subsequente militarização do Estado é, também, a institucionalização de masculinidades hegemônicas. Ora se não é o patriarcado de mãos dadas ao capitalismo, ambos retroalimentando-se há tempos, estudam e denunciam as feministas.

Não à toa, Milei, durante o Fórum Econômico Mundial, em Davos, responsabiliza os movimentos feministas, juntamente à agenda ambiental que não pretende cumprir em plena ebulição global, por atrapalhar o desenvolvimento econômico, segundo ele, no momento mais feliz e próspero da história. Para quem?

Disputemos o Estado, e as esquerdas que se unifiquem: a multiplicidade e a diversidade precisam estar presentes e vivas no povo, nos povos. O genocídio Yanomami segue em curso, mesmo em um governo de esquerda, e nos alertou Ailton Krenak: estamos em guerra, nossos mundos estão em guerra. Estamos morrendo, e isso é uma programação. Por genocídio ou feminicídio. Na Amazônia, Gaza ou aqui.

Gênero, raça/cor/etnia e classe social nunca foram tão determinantes na história da humanidade, em escala globalizada. Feminismos comunitários e antimilitaristas se destacam para nomear as políticas de morte em contraposição às políticas de sustentação da vida na crise que se consolida após a pandemia de covid-19.

Nós, que herdamos historicamente as responsabilidades de cuidado e reivindicamos a coletivização dos mesmos e a liberdade de nossos corpos e territórios, enquanto milhões se manifestam em apoio a Argentina, a Palestina, e contra todas as formas de fascismo, enterramos os corpos da majé Nega Pataxó, assassinada em emboscada feita por fazendeiros ruralistas no sul da Bahia, e de Sarah Domingues, militante estudantil, arquiteta e coordenadora da Casa de Mulheres Mirabal, baleada em condições ainda não explicadas enquanto tirava fotos da comunidade após o temporal, em um bairro na periferia de Porto Alegre.

A ferida histórica que se abriu desde o assassinato de Marielle Franco volta a sangrar, sangra todos os dias. As esquerdas que se unifiquem, nós, feministas e ambientalistas, organizaremos o nosso luto e a nossa raiva. Em 8 de março, o mundo vai parar.

* Lara Werner é sanitarista com formação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e integra o programa Clínica Feminista na Perspectiva da Interseccionalidade.

* Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko