Nos dias 24, 25 e 26 de janeiro, acontece a 1ª Conferência Temática da Cultura Digital, em formato online, pela TV Tainã. O encontro é parte das atividades preparatórias da 4ª Conferência Nacional de Cultura e tem como objetivo sistematizar um debate acerca da Cultura Digital, assim como eleger três propostas a serem apresentadas na plenária da nacional - sendo que as propostas mais votadas nesta plenária integrarão o Plano Nacional de Cultura.
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A retomada das políticas democráticas no governo federal, com a retomada do Ministério da Cultura, principal indutor das políticas e programas para a Cultura Digital no Brasil, promoveu uma (re)articulação de movimentos, coletivos e organização da Cultura Digital, resultando na constituição da Rede da Cultura Digital.
Desde dezembro de 2023, mais de 20 coletivos, organizações e movimentos da Cultura Digital, coordenados pelo Ministério da Cultura (MinC) e Laboratório de Cultura Digital da Universidade Federal do Paraná (UFPR), estão mobilizados para a realização do encontro e (re)articulados na Rede da Cultura Digital Brasileira.
“PermaCultura Digital: começo, meio e começo” é o tema principal da Conferência, proposto pela Rede de Produtoras Colaborativas. “A PermaCultura é a sistematização de saberes ancestrais para a permanência de todas as formas de vida na Terra. Entendemos que esse conhecimento, como proposta ética e metafórica para essa nova onda da Cultura Digital tem uma grande potência”, explica Fabs Balvedi, integrante da Rede.
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Segundo Fabs, o “começo, meio e começo”, aspas do mestre quilombola Nego Bispo, chega para somar ao movimento a ênfase contracolonial e a ancestral que rege a Cultura Digital, nessa confluência entre tradições e transgressões que as tecnologias digitais podem promover.
Estado Permanente de Conferência
Para a definição do tema e das mesas temáticas, foi realizado um processo participativo, por meio da Plantaformas, que resultou na colheita de 51 propostas. Destas, foram selecionadas - pelo Comitê de Governança Colaborativa e Conselho Ancestral da Rede da Cultura Digital - uma proposta para o Tema central e 24 propostas para compor as sete mesas temáticas que acontecerão ao longo dos três dias de evento.
Segundo a organização do encontro, diante da potência e desafios do campo, cartografadas neste processo de construção da Conferência Temática, a rede adotou como estratégia a anunciação de um Estado Permanente de Conferência para que o processo de colaboração, articulação e produção coletiva se mantenha ativo e possa ser realizado em seu próprio espaço-tempo ao longo dos próximos anos.
"O Estado Permanente de Conferência é a grande inovação que o movimento da cultura digital brasileira traz para o processo da Conferência Nacional de Cultura. O propósito é de arriscar um modelo de participação social radicalizado a serviço da inteligência coletiva do povo brasileiro", acrescenta João Paulo Mehl, coordenador executivo do Laboratório de Cultura Digital da UFPR.
As propostas que não foram selecionadas para este encontro serão parte deste Estado Permanente e o processo participativo iniciado será reaberto logo após a finalização deste encontro.
As inscrições para participar do encontro são gratuitas e podem ser realizadas pelo site do evento.
Confira a programação completa:
Dia 24/01 (quarta)
[16h30 às 18h] Bença da mata - PermaCultura Digital: Começo, meio e começo
Gira de saberes entre mestres e mestras do Conselho Ancestral e representantes do Comitê de Governança Colaborativa da Rede da Cultura Digital com integrantes da Rede de Produtoras Colaborativas, coletivo que apresentou a proposta selecionada para o tema da I Conferência Temática da Cultura Digital - PermaCultura Digital: Começo, meio e começo.
“Tecnologia é mato, o importante são as pessoas”, anunciou Daniel Pádua na abertura dos caminhos da Cultura Digital brasileira. Tecendo por esse mesmo fio, 20 anos depois, se agora “Tecnologia é Mata, é Floresta, o que importa?”
Essa mesa é composta a partir de uma proposta apresentada no processo de participação pré-conferência:
[18h às 19h20] Seiva - Institucionalização, Marcos Legais e Sistema Nacional de Cultura
No Capitalismo de dados, a infraestrutura e logística de transporte do bem mais valioso neste sistema está nas mãos das Big Techs. Como marcos legais desenhados dentro do princípio ético-político da Soberania Digital podem ser seiva, distribuindo caminhos que garantam direitos digitais?
Essa mesa é composta a partir de quatro propostas apresentadas no processo de participação pré-conferência:
1 - Desafios éticos da Inteligência Artificial
2 - Soberania Digital: controle, autonomia e segurança sobre os direitos digitais dos brasileiros
3 - Música e Capitalismo de Dados: uma proposta para a regulação de plataformas de streaming
4 - Regulação de plataformas e a promoção da cultura nacional no ambiente digital
[19h30 às 21h] Oxigenação - Democratização do acesso à cultura e Participação Social
Como a Cultura Digital pode apoiar no desenho de processos participativos que fortaleçam a democracia social, incentivando e apoiando a organização da sociedade civil e os dispositivos de participação social? Oxigenada pelos valores de colaboração, descentralização, transparência e autonomia do movimento, a I Conferência Temática da Cultura Digital é movimentada por uma rede que, (re)articulada, inaugura um “Estado Permanente de Conferência” para responder essa pergunta com base em acúmulos, experimentações e sistematizações.
Essa mesa é composta a partir de quatro propostas apresentadas no processo de participação pré-conferência:
1 - Design de comunidades e governança à serviço da participação digital
2 - Inteligência Artificial como Agente Político: Desafios e Possibilidades na Formulação de Políticas
3 - Metaconferência da cultura digital estado permanente de conferência
4 - Epistemologia, ética e cidadania na cultura digital. Debates contemporâneos emergentes
Dia 25/01 (quinta)
[18h às 19h20] Terra preta - Identidade, patrimônio e memória
A Cultura Digital, como linguagem que expressa e imprime um modo de viver em rede e em comunidade - dos territórios para a internet e da internet para os territórios - acumula uma vasta produção de imagens, vídeos, textos, códigos, conversas e metodologias. São 20 anos de patrimônio a ser preservado, conservado e nutriente para novos plantios. Quais são os desafios políticos para a construção dessa memória digitalmente?
Pensando em uma retomada e atualização da Cultura Digital, é momento de pensarmos e repensarmos também as matrizes ancestrais dessa expressão cultural, a terra preta que acumula registros do passado e é chão do nosso presente.
Essa mesa é composta a partir de quatro propostas apresentadas no processo de participação pré-conferência:
1. Ancestralidade como Base do Futuro Digital
2. Cultura Digital e Ancestral: com e para os povos
3. Acervos Livres - Museus da Cultura Digital Brasileira?
4. Preservação da Cultura Digital: Web Arquivamento
[19h30 às 21h] Policultura - Diversidade Cultural e Transversalidades de Gênero, Raça e Acessibilidade na Política Cultural
A massiva presença de homens cis, brancos e heterosexuais na produção, debates políticos e pesquisas-ação de tecnologias é uma realidade. Qual o impacto da ausência de territórios e corpos diversos na conceituação, desenvolvimento e governança de artefatos tecnológicos? Ao mobilizar um deslocamento da tecnologia para o campo cultural, a Cultura Digital é um caminho para a diversidade e uma consequente desalienação tecnológica desde a infância?
Essa mesa é composta a partir de quatro propostas apresentadas no processo de participação pré-conferência:
1. A participação da criança na cultura digital: oportunidades e desafios
2. Cultura digital e Tecnologias ancestrais na Amazônia
3. Geração Cidadã de Dados para produção cultural nas favelas
4. Desconstruindo Barreiras: Combate à Desinformação e Ódio Virtual nas Comunidades Periféricas
Dia 26/01 (sexta)
[18h às 19h20] Cultivo - Economia Criativa, Trabalho, Renda e Sustentabilidade
O investimento do Governo Federal na Cultura Digital, especialmente em softwares livres, é desproporcional ao papel que a tecnologia ocupa no setor cultural. Esse ínfimo investimento - tanto em recursos orçamentários como em políticas e programas que contemplem a categoria - tem consequências na manutenção das desigualdades sociais. Como o Ministério da Cultura, por meio de políticas e fomentos para a Cultura Digital, pode protagonizar esse debate?
Essa mesa é composta a partir de três propostas apresentadas no processo de participação pré-conferência:
1. Soluções para a Gestão Cultural
2. Dinheiro Público, Código Público
3. Cultura Digital e Economia Solidária: Sustentabilidade do Ecossistema de Código Aberto no Brasil
4. Resistência ou sobrevivência de artistas da música na era digital: pensar alternativas livres
[19h30 às 21h] Colheita - Direito às Artes e Linguagens Digitais
A Cultura Digital é central no debate do direito às artes, tanto pela perspectiva da produção como do acesso à cultura. Após a pandemia do Covid-19, praticamente todas as linguagens artísticas e expressões culturais experimentaram caminhos de tornar-se também linguagens digitais. Nesse sentido, a formação de pessoas trabalhadoras e fazedoras de cultura e de seus públicos passa por uma formação para o digital. Como esse potencial democrático e de garantia de direitos pode ser concretizado no atual cenário? O que já foi feito e quais são os novos desafios postos?
Essa mesa é composta a partir de quatro propostas apresentadas no processo de participação pré-conferência:
1. Um novo letramento digital para uma nova Cultura Digital
2. As artes cênicas atravessadas pelas mídias digitais
3. Humanidades Digitais no Brasil: desafios e possibilidades
4. Direito ao Livre Acesso às diversas formas de Cultura Digital para os Trabalhadores da Cultura
Leia na íntegra o Manifesto da Rede da Cultura Digital:
A retomada do MinC, com a força dos movimentos que apontam suas flechas para o “resgate do que é nosso”, embala também uma possível e potente nova onda da Cultura Digital. As chamadas novas tecnologias de informação e comunicação, que há 30 anos foram gestadas e paridas no Brasil inicialmente pela Comunicação e pela Ciência, Tecnologia e Inovação, quando foram apadrinhadas por Gil, no Ministério da Cultura, receberam uma outra potência.
Naquele momento, as Big Techs ainda eram uma hydra imaginária e apostávamos que era possível enfrentar a captura que hoje assistimos, se fossemos ágeis em tecer redes distribuídas, descentralizadas e autônomas de ação, inspiradas na infraestrutura democrática da Internet, tendo como chão uma outra cultura de produção e reprodução da vida, em resistência, tesão e tensão: colaborativa, generosa, transgressora, democrática, criativa, com pés firmes em suas ancestralidades territoriais e caminhos abertos para as rupturas necessárias.
Pontos e pontões de cultura foram recebidos como hardwares poderosos que somados às redes de telecentros, às casas de cultura digital, casas coletivas, redes colaborativas, aos ônibus e clubes hackers apresentariam um estilo de vida, um software contracultural, capaz de pulverizar e absorver desejos de transformação de corpos cansados da imposição neoliberal à vida. Hackatons, festivais de cultura digital, listas de email, ocupações de rua, redes de desenvolvimento de software livre, somavam-se às metodologias de contra-captura tão pulsantes quanto as aparelhagens, festas populares e o carnaval.
O impacto que a indústria cultural, sobretudo da música e do audiovisual, sofreu com a tomada de assalto dos sistemas de distribuição peer to peer ou em redes de seus conteúdos proprietários, como o pirate bay, transbordou para a comunicação que já não teria como sobreviver nem no impresso, tampouco no modelo “um para muitos”. De forma análoga, a democracia já não via como deixar de incorporar essa Cultura e técnica digital em seus processos de participação social, assim como de absorver as novas subjetividades já impressas em corpos políticos moldados nesse contexto.
A velocidade com a qual as Big Techs, as máquinas de desinformação, os sistemas de Vigilância, a pandemia do covid e a ascensão da extrema direita no mundo e, especialmente no Brasil, colonizaram a Internet e complexificaram os desafios já postos, dificultaram o jogo e capturaram as atenções para essa necropolítica instaurada.
Se, por um lado, essa conjuntura provocou um violento aborto coletivo de embriões espalhados entre coletivos, movimentos sociais e organizações de diversas natureza. Por outro, uma série de coletivos, movimentos e organizações nasceram ou mantiveram suas lutas e resistências ao longo desse tempo, garantindo uma retomada que seja fomentada e impulsionada pelo Ministério da Cultura sem uma grande dependência da máquina institucional.
Além disso, a disputa acirrada das narrativas que envolvem a cultura digital, somada a uma minoria representativa de corpos pretos, indígenas, mulheres e periféricos nas lideranças de processos, na constituição destes modos e compreensão de mundo, enfraquece a terra preta digital para um projeto cultural revolucionário. É vital que essa próxima onda seja estabelecida a partir do ponto de vista e prática de quem decide o próprio destino.
A retomada do MinC oferta para a Cultura Digital a possibilidade de uma rearticulação dessa rede, garantindo brechas para que estes movimentos, redes, coletivos e organizações se re-conheçam em encontros intergeracionais para uma consequente (re)elaboração do que é a Cultura Digital na atualidade. Quais imaginários foram plantados e colhidos ao longo destes anos? Quais estão sendo plantados hoje? Quais ervas daninhas precisam ser retiradas do terreno? Quais tradições de cultivo devem ser preservadas? Quais transgressões são desejáveis para evitar uma tendência à monocultura? Quais metodologias e tecnologias precisam ser criadas, ocupadas e disseminadas para ações de resistência na micro e macropolítica?
Nessa toada, a próxima onda da Cultura Digital, deve sim promover dentro do próprio Ministério uma retomada de programas e políticas para a Cultura Digital, que tratavam de temas como tecnologias de participação social, mapeamento e gestão da cultura, produção de indicadores, direitos autorais, pontos e pontões de cultura, redes de streaming nacionais, entre outros, mas também - e sobretudo - incluir uma capacidade de escutar, dialogar, incluir e desenhar as novas agendas para que a Cultura Digital exista no presente.
Edição: Katia Marko