Se não murcharmos as orelhas é certo que está por vir aquele tempo em que a consciência prevalecerá
Neste dia 8 de janeiro, tristemente marcado pelas ações terroristas e a tentativa de golpe contra a democracia, a CUT-RS promoveu importante encontro de ambientalistas gaúchos com o bispo de Campos (RJ), Dom Roberto Paz. Responsável pelo tema da Saude junto à CNBB, Dom Roberto trouxe uma mensagem de estimulo e esperança a todos aqueles que entre nós se mostram comprometidos com a luta pela superação das injustiças e discriminações que ameaçam o milagre da vida.
Esta coluna se propõe a resumir parte daquela conversa, que foi motivada pelo PL 4.653/2023. Estendendo subsídios ao uso do carvão mineral e outros combustíveis fósseis até 2040, este PL terá implicações diretas sobre Complexo Carboquímico do Pampa, diversificando e ampliando uma matriz de poluentes extremamente perigosos que já afeta de maneira alarmente a região de Candiota e seu entorno.
Sintese de exposição realizada pelo professor Paulo Brack, que detalha contradições entre aquele projeto, a luta contra o aquecimento global, a necessária defesa da saúde humana ambiental e as possibilidades de evolução para matriz energética sustentável pode ser acessada no artigo O PL 4653/2023 e a Inviabilidade Socioambiental do Carvão Mineral, no RS e no Mundo.
Objetivamente, após escutar a todos e todas, Dom Roberto associou a omissão da sociedade, relativamente aos processos de mineração predatória e outros que comprometem a vida, à uma espécie de tentativa de generalização da vista grossa que alguns pretendem validar em relações aos crimes hediondos que nos ameaçam.
Disse o bispo que “se trata de verdadeiro e inaceitável crime de estupro, contra a natureza”, ofensivo aos fundamentos da Enciclica Laudato Si, onde o Papa Francisco nos alerta que somos responsáveis pelo que permitimos ocorrer nesta nesta casa comum que interliga tudo e todos.
Assumindo o compromisso de buscar senadores da República e apoiar iniciativas da CUT, para medidas concretas e esclarecimento gradativo da sociedade em relação a este e outros temas, o bispo também recebeu com simpatia a preocupação de ambientalistas em relação ao PL 1.459/2022, o Pacote do Veneno.
Para encurtar o assunto, considerando a relevância de pontos não incluídos por Lula, no veto que ele impôs a determinados aspectos do PL1.459, Dom Roberto manifestou interesse em levar à CNBB as seguintes considerações:
1 - Os problemas estruturais, como aqueles relacionados à destruição do território e dos sistemas vitais, a exemplo dos ocasionados pela mineração de carvão e pela expansão no uso de agrotóxicos não serão bem sucedidos quando enfrentados por ações isoladas, locais ou regionais;
2 - O desenvolvimento de falsas alternativas, quando associadas à geração de ocupações produtivas, arrebanham e capturam vitimas que, iludidas acabam se colocando em favor da destruição da casa comum;
3 - O enfrentamento desta realidade exige processos educativos e articulações de largo espectro, contemplando a mobilização de ativistas da área da saúde global, apontando para conexões entre os direitos humanos, os direitos da natureza e a pressão organizada da sociedade, junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, em todos os paises.
Como exemplo, considere-se que, no caso do Pacote do Veneno, dentre os aspectos não vetados pelo presidente Lula, inclui-se a autorização para instalação, no Brasil, de fábricas de agrotóxicos de uso aqui proibido, para exportação.
Estas fábricas, se implantadas, gerarão empregos que mobilizarão incautos, comprometendo-os com a defesa de danos que serão extensivos à casa comum e às vidas que ela abriga.
Ademais, mantida esta possibilidade, estaremos rompendo com ampla articulação internacional, que já conta com apoio de parlamentares da União Europeia, para a proibição de exportações, ao Brasil, de venenos que não possuem autorização de uso em seus países de origem. A negação ao uso naqueles países decorre da comprovação de danos à saúde humana e ambiental, que tenderão a ser magnificados no Brasil pela manutenção adicional, no Pacote do Veneno, da figura do “risco aceitável”.
Negacionista e criminosa ao ponto de desconsiderar as singularidades metabólicas, os históricos familiares e as diferenciações nas taxas de risco que isto impõe, aquela premissa do risco negligenciável pretende restringir a importância dos casos de deformação genética, câncer, mortalidade infantil e senescência precoce à sua presença relativa, numérica e estatística na massa populacional. Dois milhões de tragédias familiares seriam estatisticamente irrelevantes, em uma população que superam os 200 milhões de habitantes? Um caso seria irrelevante, para os membros da família afetada?
Esta parece ser a interpretação daqueles que consideram suficientes os vetos propostos por Lula ao Pacote do Veneno. E contra isso, reiteramos aqui pedido de apoio da CNBB às reivindicações da sociedade no sentido de que sejam excluídos pelo menos mais estes dois itens (risco negligenciável e fábricas de lixo tóxico para exportação) do PL 1.459/2022, caso ele não seja vetado em sua totalidade.
Afinal, acreditando que nós fazemos a história, que ela está em construção permanente, e que nela as injustiças são insustentáveis, se não murcharmos as orelhas é certo que está por vir aquele tempo em que a consciência prevalecerá.
O fato dos Lanceiros Negros, traídos na página mais triste de nossa história, hoje se fazerem reconhecidos como heróis nacionais garante que, juntos, abriremos nas paredes, nas janelas e nos muros as portas do futuro.
Do Grupo Unamérica: Lanceiros da Esperança.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira