Eles querem nos controlar, mas a felicidade tem asas que não cabem nas gaiolas
Tenho tanta tristeza que não cabe na minha corpa. Muita raiva. Muita dor. Acredito que aconteça com vocês também.
Na minha última coluna dos nossos Diálogos Feministas, eu denunciava o lesbocídio de Carol, acontecido no 10 de dezembro.
Agora venho com mais um grito desgarrado pelo estupro e assassinato da Jujuba.
Queria tanto poder vir aqui e falar sobre o passarinho que visita minha janela a cada manhã. Mas não.
Preciso falar de Julieta Hernandez, uma palhaça venezuelana que percorria o nordeste de bicicleta, levando amor, distribuindo sorrisos, poetizando mundos.
Enquanto isso, pessoas que odeiam mulheres livres fecharam seu passo.
É urgente tomar consciência. Brasil é o 5º país em violência contra nós, mulheres e dissidências, a qualquer momento e em qualquer lugar podem matar uma de nós. Sobretudo das dissidências e dissidentes ao que eles entendem como belas, recatadas e do lar.
Acontece que a felicidade incomoda o patriarcado, o sorriso ilumina as sombras dos carcereiros.
Será também por isso que eles querem nos roubar até as palavras, distorcendo-as, chamando as fake news de liberdade de expressão? Ou, como o atual presidente de Argentina, íntimo amigo de Bolsonaro, cujo partido leva o nome de La Libertad Avanza (avança para onde?) e, em menos de 10 dias de assumir, já tinham despedido acima de 7.000 trabalhadorxs. Que liberdade é essa?
Insisto. Eles querem nos controlar, mas a felicidade tem asas que não cabem nas gaiolas.
Mas essa realidade cruenta não vai mudar até tudo mundo abraçar a causa. Por que somos sempre a ampla maioria de mulheres e dissidências a enraiveSER? Por que os homens não comentam, não se enfurecem? Tão vendo? Continua ativa a classe homem e a classe mulher como tantas décadas atrás falava Virginia Woolf, no seu livro Um teto todo seu. Também as feministas materialistas francesas nomeavam desse jeito as diferenças sócio-sexuais.
A violência, cujo ápice chega ao assassinato, não vai terminar até o tema não estar presente na boca de todas as pessoas, nos bares, nos lares e nos grupos do zap. Homens: se vocês não falam disso, vocês estão sendo cúmplices.
Como eu, branca, trabalho a minha branquitude? Com leituras, com escuta, com palavras, com escritas, com posicionamento político ativo antirracista. Cada vez que eu duvido me paro no lugar que eu tenho de privilégio. Ou ao contrário, depende do que eu quero saber. Se uma pessoa branca diz que está sendo discriminada por pessoas não brancas, como já aconteceu, a gente se pergunta, poderia um homem ser discriminado por mulheres? Poderia uma pessoa heterossexual ser discriminada por LGBTs, poderia um banqueiro ser discriminado pelos seus funcionários?
Como vocês, homens, trabalham o seu machismo?
Dias atrás estava em um bar com uma amiga, em um desses lugares característicos da esquerda que você vai e sempre encontra pessoas conhecidas e conhece novas e acaba se enturmando rapidamente. Gosto disso. Aconteceu que uma hora fui ao banheiro e ao voltar, minha amiga, a amiga que tinha encontrado e sua amiga, as três estavam conversando com um homem. Quem tinha a palavra? Adivinharam. Ainda que mais falante do que ouvinte, um cara legal. Aí, a piada sua era que tinha seis filhos. Um de cada casamento. (Será que algum dos seis era filha?) Ele achava isso uma graça. Em seguida contou que viu pela primeira vez a filha (ah, não eram todos filhos) quando ela tinha 2 anos e, a segunda, com 37.
Não me aguentei, o interrompi e lhe disse: isso é privilégio homem. Ele queria me explicar que por problemas de dinheiro e tal. Neguei com a cabeça insistindo com a voz, privilégio homem.
Quero saber se alguma mãe deixa de alimentar a sua criança afirmando que está com problemas de dinheiro. São capazes até de se prostituir, algumas delas, inclusive, sentindo-se estupradas, porém assumindo a responsabilidade da maternidade.
As mulheres somos mais pobres que os homens, o que se entende por classe mulher. Eles, ao separar da companheira, na maioria dos casos, separam também da prole e se não podem pagar a pensão, não a pagam. Mas não deixam de ir ao bar.
No dia seguinte encontrei na rua com outro conhecido, um amor ele, super politizado e dono de um papo bacana. Também frequentador do mesmo bar. A ele o conheço há vários anos. Desde que conheci seu filho. Filho do que ele nunca foi pai.
Uma sociedade com tantos feminicídios se reorganiza a cada momento. A todo momento.
Que pessoas somos, que relações temos, que lugares de poder queremos e quais queremos desmontar?
Um dos vídeos que vi nesses dias, era de um conhecido de Jujuba, ele dizia que não era ciente dos feminicidios, de que a situação era tão grave.
Eu quero fazer um chamado desesperado, vamos conversar? O que mais precisam os homens para se dar conta que os próprios homens estão nos matando? Que existe há 10.000 anos, ou mais, uma ditadura patriarcal da qual de tão grave, não se fala.
Convido a todas/es/os a nos encontrarmos na sexta-feira, dia 12, vamos pedalar, caminhar, pensar em Jujuba e em como cada uma/ume/um de nós pode tentar mudar essa realidade? Realidade que precisamos urgentemente transformar coletivamente.
Vamos gritar Jujuba Presente!
* mariam pessah : ARTivista feminista, escritora e poeta, autora de Meu último poema, 2023; Em breve tudo se desacomodará, 2022; organizadora do Sarau das minas/Porto Alegre desde 2017 e coordenadora da Oficina de escrita e escuta feminiSta.
** Este é um artigo de opinião. A visão dx autorx não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Marcelo Ferreira