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Democracia

Votar para que o CMDUA cumpra seu papel com a política urbana brasileira

Porto Alegre inicia processos eleitorais para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA)

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"Apesar de estarmos em fase final de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, o ponto que trata da participação e CMDUA não foi suficientemente debatido"
"Apesar de estarmos em fase final de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, o ponto que trata da participação e CMDUA não foi suficientemente debatido" - Foto: Luciano Lanes/PMPA

Para iniciar esse texto, é importante dizer que a existência dos conselhos no Brasil representa o alargamento da democracia oficial do país. Ou seja, além de votar para o Executivo e o Legislativo, o Brasil prevê espaços institucionais, com reuniões regulares, onde a população pode se manifestar através de seus representantes. É através desses espaços que são organizadas as conferências (municipais, estaduais e nacionais) e são debatidas propostas para as políticas públicas.

:: O problema crônico da falta de água nas periferias de Porto Alegre ::

A propósito, quanto às políticas públicas, ao contrário do que muitas pessoas pensam, elas fazem parte da vida de todos os cidadãos. Toda vez que abrimos uma torneira ou damos descarga na privada, estamos fazendo uso de um conjunto de políticas públicas, desde o controle da qualidade da água que bebemos até a política pública de saneamento. Já que citamos o saneamento, precisamos dizer que Porto Alegre está devendo esse debate para a sociedade, sobretudo dar retorno sobre as ações do Conselho Municipal de Saneamento Básico do Município de Porto Alegre diante das consequências sanitárias dos alagamentos para as comunidades pobres atingidas. Veja aqui a riqueza da composição do Conselho de Saneamento, envolvendo saúde, limpeza urbana, bacias hidrográficas, entre outros.

Mas o tema aqui é o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA); o saneamento foi apenas para exemplificar que as políticas públicas fazem parte do nosso cotidiano e que temos espaços para nos manifestar, monitorar, colocar em prática o controle social, além de construir alternativas para os problemas ou propostas para melhorar o que já existe.

Quanto ao CMDUA, da mesma forma como o exemplo acima, trata-se de um espaço vinculado à Política Urbana brasileira, presente na Constituição Federal de 1988 através dos Capítulos 182 e 183, regulamentados pelo Estatuto da Cidade. É anterior à CF88, mas a partir dela ganhou novos contornos, foi consolidada a ampla participação da sociedade nos conselhos da cidade ou similares, como no CMDUA em Porto Alegre.  

A composição dos conselhos é outro aspecto importante. Na história do conselho em Porto Alegre, dizia-se que quem poderia participar eram os notáveis, os técnicos, dotados de conhecimentos adquiridos nas universidades. Mas, a partir de 1988, a participação é oficialmente aberta para representantes da sociedade em todo o país. Portanto, os grupos que até aquele momento encontravam-se excluídos de expor para debate suas ideias puderam participar ativamente. Aliás, a inclusão do capítulo sobre política urbana e habitacional só foi possível porque os movimentos sociais e populares conseguiram participar da Assembleia Nacional Constituinte – ANC. Uma história muito importante e bonita do nosso país.

A política urbana é importante porque fundamenta, legalmente, a criação e implementação dos Planos Diretores, a gestão democrática e outras leis relacionadas ao espaço urbano. Os conselhos da cidade (ou o CMDUA) são partes fundamentais dos planos diretores. No Plano Diretor de Porto Alegre vigente, a participação popular encontra-se no “CAPÍTULO VII - Do Sistema de Planejamento”, página 40, onde é apresentado o conjunto de estratégias:

Art. 25. Compõem a Estratégia do Sistema de Planejamento: 

  • I – Programa de Gerenciamento de Políticas que busque articular as diversas políticas que definem as diretrizes do desenvolvimento urbano, garantindo maior racionalidade na produção sustentável da cidade; 

  • II – Programa de Regionalização e Participação da Comunidade que busque a concretização de canais de participação, assegurando às Regiões de Gestão do Planejamento o espaço de deliberação sobre políticas de desenvolvimento regional; 

  • III – Programa de Sistema de Informações que busque disponibilizar informações para a gestão do desenvolvimento urbano, articulando produtores e usuários e estabelecendo critérios que garantam a qualidade das informações produzidas; 

  • IV – Programa de Comunicação e Educação Ambiental que objetive dar suporte de comunicação e divulgação sobre as principais idéias e conteúdos do desenvolvimento urbano ambiental, com caráter educativo, objetivando uma adequada compreensão do tema e incentivando a cultura participativa no planejamento urbano; 

  • V – Programa de Sistema de Avaliação do Desempenho Urbano que vise a descrever os elementos que propiciam avaliar a qualidade de vida urbana, bem como a aplicação das disposições do PDDUA.” (PDDUA, pg 40)

Apesar de estarmos em fase final de revisão do Plano Diretor de Porto Alegre, o ponto que trata da participação e do CMDUA não foi suficientemente debatido. A comprovação disso é o fato de a eleição para o CMDUA só estar acontecendo como consequência de processo judicial que obrigou a prefeitura de Porto Alegre a realizar a eleição. Portanto, o processo eleitoral em curso é extremamente importante, mas todo o Sistema de Planejamento deve ser debatido profundamente pela sociedade.

Isto certamente levará a mudanças internas absolutamente necessárias que possibilitem uma participação representativa da sociedade urbana contemporânea. Por exemplo: debates sobre gênero e espaço urbano, infâncias, cultura, agricultura urbana, adaptação às mudanças do clima de base comunitária, mobilidade urbana adequada ao perfil da população (caminhabilidade, cliclovias, etc), cadeia produtiva dos resíduos sólidos (socialmente inclusiva, organizada do ponto de vista espacial, social e sanitário) e a articulação entre todas as secretarias e órgãos da administração pública.

Entendemos que, quando se pensa na principal lei que trata do espaço urbano, deve-se levar em conta toda a diversidade, pluralidade e, principalmente, as desigualdades existentes na cidade. Se os conselhos atuais são resultados das lutas que abriram espaço para a sociedade se manifestar, o CMDUA precisa avançar rapidamente para alcançar a modernidade apresentada pela política urbana e superar a atuação participacionista isolada do processo nacional assentado na política urbana. Basta lembrarmos que quem chama as Conferências da Cidade em Porto Alegre são os movimentos de moradia e que não estão no CMDUA, a exemplo da 5ª Conferência


Fonte: FERU/RS / https://reformaurbanars.blogspot.com/2013/05/5-conferencia-nacional-das-cidades.html

No entanto, um passo importante neste sentido, observado na última gestão, foi a presença de uma ONG de direitos humanos. A presença da ONG Acesso no CMDUA foi quem apontou para a recuperação da principal característica que deve ter um conselho: o espaço de debates. Isso pode ser observado pelas atas publicadas e pelos vídeos das reuniões gravadas.

Pode ser só coincidência, mas talvez seja esta uma das razões pelas quais a ONG fosse a representação mais silenciada no CMDUA, a ponto de a presidência do conselho levar a aprovação da Resoluçãio n.º 01/2020, que limita a três minutos a manifestação do conselheiro, ou seja, o silenciamento do debate. Mas a razão apresentada era para conferir celeridade às ações do conselho, agilizando a tramitação dos processos.

Esta prática nos faz lembrar um artigo clássico da Geografia escrito por Neil Smith, cujo título é: “Quem manda nessa fábrica de salsichas”. Esta é, também, a evidência de que o CMDUA se converteu, a partir de 2013, somente em mais uma instância de aprovação de projetos oriundos do governo ou do setor empresarial. Os conselheiros representantes das regiões de gestão e planejamento não tiveram mais espaço para apresentar as propostas das suas regiões. O quadro abaixo mostra o número de propostas apresentadas por região desde que foi aberto para suas propostas.


Fonte: Siqueira, L.F. (2019) / https://lume.ufrgs.br/handle/10183/204599

1) OCDUA - Temática do Orçamento Participativo - Organização da Cidade, Desenvolvimento Urbano e Ambiental 2) IUA - Instituto Urbano Ambiental
(*) As propostas não foram a votação, portanto, nenhuma foi aprovada

Quem compõe o CMDUA

Atualmente, o CMDUA é composto por três grandes segmentos e cada um deles apresenta uma forma diferente de escolha dos representantes, incluindo calendário de eleição:

⦁    Governamental – órgãos públicos do município, estado e União. 
São indicados pela Prefeitura Municipal de Porto Alegre (07), o governo do estado do RS (01 – Metroplan) e governo federal (01 – Ufrgs). No caso do estado do RS e do governo federal, são indicados representantes de órgãos cujas sedes se encontram em Porto Alegre.

2 – Comunitário – Conselheiros e delegados representantes de comunidades das Regiões de Gestão e Planejamento. 
É eleita uma chapa em cada região, composta por um conselheiro e dois suplentes. Ao mesmo tempo, são eleitos os delegados que farão parte do Fórum Regional de Planejamento de cada uma das oito Regiões de Gestão e Planejamento. Assim, cada região terá um fórum, cuja mobilização e discussões ficam a cargo do conselheiro e seus suplentes eleitos. Cabe destacar que não há regulamentação para o funcionamento dos fóruns regionais.

3 – Entidades – O segmento das entidades é composto por: entidades empresariais da área da construção civil; entidades de classe e afins ao planejamento urbano; entidades ambientais e instituições científicas.
A escolha das entidades que farão parte do CMDUA ocorre entre as entidades inscritas no processo eleitoral. O cidadão ou outra entidade que não tenha realizado inscrição, não poderá votar. 

Além dos processos eleitorais específicos, o cronograma também é diferente. No dia 9 de janeiro, iniciam-se as eleições nas Regiões de Gestão e Planejamento e a última votação ocorre em 1 de fevereiro de 2024.  Já a eleição para o grupo das entidades que farão parte do CMDUA acontecerá no dia 8 de fevereiro de 2024. 

Sobre as chapas da Região de Gestão e Planejamento 1

As duas chapas que concorrem a uma vaga pela RGP1 no CMDUA são: 

Chapa 1 – Porto Alegre + Humana. Cidade para as Pessoas!
Felisberto Luisi, conselheiro; Manuela Dalla Rosa e Paulo Guarnier, suplentes.

Chapa 2 – Kleber Sobrinho, conselheiro; Paulo Centin Dornelles e Jeferson Flores Souto
No quadro abaixo, incluímos as informações referentes às propostas e diretrizes que cada chapa defende. 

Considerando as pautas das duas chapas à luz do que apresentado anteriormente, fica evidente que a Chapa 1 apresenta todos os atributos necessários para representar a população residente em toda a Região de Gestão e Planejamento 1. Os candidatos demonstram conhecer a diversidade da região e suas necessidades.

Por outro lado, a Chapa 2 não apresentou propostas, apenas diretrizes. Lembrando que o Conselho é espaço de participação de representantes dos moradores da região e, cujas diretrizes já se encontram definidas por todo arcabouço jurídico relacionado à política urbana, os eleitores ficam sem informações sobre as ações que os candidatos da Chapa 2 pretendem levar para debater no CMDUA.

Por não apresentarem propostas claras, fica a impressão de que os candidatos da Chapa 2 não manifestam vínculo com a diversidade da RGP1, portanto, não dialogam com a realidade da região. E esta é uma característica importante para quem pretende representar a população da região.

O fórum dos delegados

Outro elemento importante da eleição para o CMDUA é a escolha dos participantes para o Fórum de Delegados. Os delegados terão a função de debater as questões relacionadas à região que chegam no Conselho através de governo ou outras organizações da sociedade e, principalmente, de elaborar debates e propostas para serem apresentadas no CMDUA. 

Lembrando a finalidade dos espaços de conselhos, é a sociedade organizada que deve apresentar pautas. Deve, inclusive, se manifestar e incidir sobre a forma de funcionamento do conselho, propondo mudanças até mesmo buscando a democratização do conselho, a exemplo do Conselho Municipal de Saúde, cujos conselhos locais são instâncias máximas deliberativas. Está aí mais uma tarefa de que a próxima gestão do CMDUA poderá se ocupar.  

* Geógrafa, Doutora em Planejamento Urbano e Ambiental

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato


 
 

 

 

Edição: Marcelo Ferreira