Discriminar os pobres utilizando-se de conceitos como a meritocracia é um preconceito relativamente novo na história da humanidade. Ele começou junto com as grandes cidades, cercadas por altos muros no fim da Idade Média. Nesta época se iniciou a discriminar os mendigos que pediam esmolas. Tratá-los como se fossem coisas, objetos. Até então os mendigos eram tratados como santos.
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A informação é do professor e economista Flávio Comim, atualmente trabalhando na Universitat Ramon Llull, de Barcelona. Na quinta-feira (28) ele proferiu uma palestra na Paróquia São Francisco de Assis, em Porto Alegre, onde esclareceu sobre o novo conceito de Aporofobia.
Segundo Comim, a escritora e filósofa Adela Cortina (nascida em Valência, Espanha, em 1947) conceituou há mais de 20 anos o termo "aporofobia", a partir da junção dos termos gregos, Á-poros (pobre) e fobéo (aversão). Aporofobia foi escolhida como a palavra do ano 2017 pela Fundación del Español Urgente (Fundéu) e incorporado ao Diccionario de la lengua española no mesmo ano. Em 2020, Cortina lançou o livro Aporofobia, a Aversão ao Pobre: um Desafio Para a Democracia: Volume 1.
No Brasil, o termo começou a ser mais conhecido a partir da ação do coordenador da Pastoral do Povo de Rua em São Paulo, o padre Júlio Lancellotti.
Comim explicou que “quando nós falamos em preconceito e discriminação é natural que alguma coisa seja entendida. Porém os mais perversos são os que não têm nome. Por essa razão a palavra aporofobia foi criada. Para denominar este tipo de preconceito odioso”.
O termo "aporofobia" vem de duas palavras gregas: "áporos", o pobre, o desamparado, e "fobéo", que significa temer, odiar, rejeitar. Da mesma forma que "xenofobia" significa "aversão ao estrangeiro", aporofobia é a aversão ao pobre pelo fato de ser pobre.
E a palavra surgiu da forma mais simples, quando percebemos que não rejeitamos realmente os estrangeiros se são turistas, cantores ou atletas famosos, rejeitamos se eles são pobres, imigrantes, mendigos, sem-teto, mesmo que sejam da própria família.
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Ele exemplificou com a morte de um indígena que foi queimado vivo em Brasília por jovens de classe média. Em sua defesa eles alegaram “pensar que se tratava de um pobre e não de um indígena por isso o haviam matado”. Para Comim se precisa conversar sobre isso. Mas mais do que isso a aporofobia tem um potencial para que a gente possa tratar isso como uma maneira de preconceito, não é pelo fato de um ser mais pobre ou ser mais rico que alguém é mais trabalhador do que o outro. Mais honesto, trabalhador ou mais promíscuo” , disse o pesquisador.
Aporofobia tem um conjunto de crenças, tem um elemento de impressões, tem um elemento de atitudes e tem um elemento de ações. Até mesmo pode chegar em ações finais que são criminosas e como tal são classificadas como crime de ódio.
Conforme Comim, isso existe porque quando as coisas não existem elas não têm nome. Ele explicou que diferença faz que se comece a dar nome para a questão da aporofobia e comece a pensar isso. Ele lembrou do presidente norte-americano da década de 1980, Ronald Reagan que junto com a primeira ministra inglesa Margareth Tatcher, conhecida como a Dama de Ferro, trouxeram a ideologia que a gente ainda vive hoje, a meritocracia.
Para ele a meritocracia tem dois lados: “o lado que bom você, eu vencemos na vida! Foi seu mérito, foi seu esforço. O outro lado da meritocracia não é de quem venceu, é de quem perdeu. Porque a ideia é atribuir também a perda da pessoa a sua falta de esforço. É uma responsabilização".
Uma das coisas mais importantes que existe em todo este pensamento sobre aporofobia é que a gente deixa de olhar apenas para os pobres quando se está falando de pobreza. Como exemplo ele falou que os ricos têm nomes, já os pobres são apenas números na linguagem dos economistas.
Disse ainda que uma coisa é chegar e falar e outra coisa é ter evidências, dados sistemáticos. “Por exemplo, num dos estudos com números que fizemos entramos em vários países europeus, trabalhamos com 50 milhões de observações e vimos, comprovando a hipótese da professora Cortina, que os estrangeiros que são os mais discriminados são os pobres. Não é apenas xenofobia é a questão da aporofobia.”
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O evento "Aporofobia (aversão ao pobre) em Porto Alegre" foi mediado pelo frei Orestes Serra e o economista Volnei Piccolotto, teve a participação de Edisson José Souza Campos - integrante do MNPR/RS - Movimento Nacional da População de Rua - Rio Grande do Sul e Gabriel Goldmeier - Doutor em Filosofia e Educação e ativista social. Também contou com o apoio da Misturaí. Foi acompanhado por dezenas de lideranças presentes e virtualmente pelo Facebook.
Edição: Katia Marko