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A integração da América do Sul em risco

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"As primeiras medidas de Milei são violentas, autoritárias, antissoberanas e antipopulares para surpresa de zero pessoas no planeta, incluindo-se o presidente Lula"
"As primeiras medidas de Milei são violentas, autoritárias, antissoberanas e antipopulares para surpresa de zero pessoas no planeta, incluindo-se o presidente Lula" - Juan Mabromata / AFP
Milei jogará não somente a Argentina em um ciclo de crise como toda a América do Sul

A partir dos governos de extrema direita e ultraconservadores na região, tais como o de Bolsonaro, a integração entre os países sul-americanos regrediu em relação aos primeiros anos do século XXI. Este congelamento nas políticas de integração não se deu por razões nacionalistas, ao contrário. Tal regressão se deu pelo alinhamento ideológico às políticas estadunidenses e também por interesse econômico direto de alguns setores subordinados da burguesia local.

A consequência foi que a interferência dos Estados Unidos e de suas empresas se deu de maneira mais fluída através destes governos de direita, que criaram um ambiente mais confortável para a potência hegemônica americana. Diferente das relações entre Estados sul-americanos que sofreram obstruções e impugnações.

A integração efetivamente aumenta a capacidade de interferências dos países sul-americanos nas agendas das relações internacionais. Já a desintegração, por sua vez, favorece a manutenção das relações internacionais na correlação na qual se encontra historicamente, a da subordinação à potência hegemônica regional.

Durante os últimos anos, hegemonizados por governos de direita, a guerra ideológica permitiu criar um contexto político favorável à aceitação das orientações do Departamento de Estado dos EUA. O isolamento do governo venezuelano, a Operação Lava Jato e o impeachment ilegítimo no Brasil, os golpes políticos no Paraguai e Bolívia, a desestabilização do Peru e outros episódios, serviram de justificativa para o enfraquecimento das relações prioritárias entre os Estados sul-americanos.

Entretanto, a eleição de governos progressistas revitalizou a expectativa de novo impulso nas relações cooperativas entre os países da região. Isto porque tais governos, sejam de centro-esquerda ou de esquerda, via de regra, aplicam políticas de maior independência e soberania em relação à hegemonia estadunidense, procurando ampliar, ainda que com diferenças, as relações políticas e econômicas internacionais.

Em um mundo multipolar, de três grandes protagonistas políticos e econômicos - Estados Unidos, União Europeia e China - o mais efetivo caminho para os países sul-americanos passarem a pesar mais nesta balança é aquele de agirem em bloco. Tomados isoladamente, cada país da região terá menor capacidade de interferência permanente. Obviamente que sabemos das formas clássicas utilizadas pela potência continental para obstruir este processo de integração, como o oferecimento de vantagens singulares para aquele país que se disponha a ser dissidente neste processo.

Os seis anos, somados, de governos de Michel Temer e Jair Bolsonaro no plano da integração sul-americana foram de retrocessos e obliteração das relações entre os Estados da região. A furiosa onda de ascensão das ideias e políticas de direita e de extrema direita acontecida naquele período permitiu que se estigmatizassem negativamente todas as iniciativas de integração sul-americana, ainda mais seus aspectos de afirmação de soberania nacional. Houve um “giro” do centro da política de relações internacionais para uma reaproximação com os Estados Unidos, o que significou um retrocesso nas relações regionais e um esfriamento em relação aos países europeus.

Essa política internacional esteve diretamente relacionada com a política econômica majoritária do período marcado pela “comoditização” da economia brasileira, voltada à exportação de produtos extrativos e agrícolas com baixa geração de emprego e de pouca capacidade de densificação e complexificação dos serviços e novas tecnologias.

O resultado foi que o Brasil se reposicionou no cenário global de forma subsidiária, recuando progressivamente em sua capacidade política nas relações internacionais. Foi uma espécie de “joia” cobrada pelo rentismo internacional para essa associação aos países centrais do Ocidente, onde o Brasil acabou por cumprir um papel logístico, abastecendo o grande comércio global com produtos primários e servindo ao rentismo com altas taxas de juros e dividendos financeiros.

A política do governo Lula inflexionou, durante o ano de 2023, o continente sul-americano para uma expectativa mais forte no sentido de retomar a agenda da integração. Houve expectativa convergente com a eleição de Gustavo Petro na Colômbia e Gabriel Boric no Chile. Contudo, outros novos governos como do Paraguai e Equador têm posições menos ativas neste sentido.

Neste novo momento de debate e confronto entre políticas integracionistas e anti-integracionistas há três aspectos distintos a serem enfrentados: a fragmentação das relações produzidas entre os países, a reinserção efetiva da Venezuela no bloco e as relações diretas e individuais com as super potências econômicas EUA e China. O fato é que a base da compreensão do governo brasileiro sobre a integração é, precisamente, a importância da América do Sul agir como bloco econômico e político. Estratégia esta que enfrenta desafios, inclusive entre governos progressistas e de esquerda. Colômbia e Chile, por exemplo, têm um histórico de relações com os EUA bem distinto das relações do Brasil. Já a linha dos governos de direita é privilegiar a relação singular com as economias centrais.

Efetivamente, o tema da integração se identifica com os governos à esquerda. Enquanto governos à direita o esfriam ou efetivamente rejeitam a integração sul-americana como política. O papel ocupado, muito astutamente, diga-se de passagem, por Lacalle Pou, presidente do Uruguai, é uma evidência deste alinhamento político. Sem deixar de comparecer ou negar as relações e encontros entre os países sul-americanos, o governo uruguaio tem adotado uma política de obstrução suave à integração, sempre interpondo questões críticas, tais como a possibilidade de acordos singulares e a crítica ao governo venezuelano. Contudo a posição de Pou deve perder espaço para a de Javier Milei, bem mais agressiva e explícita.

As posições de Milei devem significar novas dificuldades nesta relação. A posição já externada por seu governo sobre o afastamento do Brics já aponta a ampliação das restrições à formação de um bloco sul-americano, uma vez que coloca as duas maiores economias da região, Brasil e Argentina, em posições muito distintas no cenário mundial. Sem a Argentina, a própria posição do Brasil no Brics se enfraquece.

Na Argentina, o histrionismo de Milei, próprio da extrema direita e do ultra neoliberalismo, deixou um pouco à sombra a política em relação à região. As propostas de bimonetarismo, que deixariam o dólar estadunidense circular livremente no país, com aumento da autonomia do Banco Central, simplificação das atividades financeiras, reforma trabalhista para diminuir direitos e a centralidade do ajuste fiscal, parecem repetir os passos de Temer-Bolsonaro, contudo, em um período de tempo condensado. As primeiras medidas de Milei são violentas, autoritárias, antissoberanas e antipopulares para surpresa de zero pessoas no planeta, incluindo-se o presidente Lula.

Será uma nova e distinta situação da vivida nos primeiros dois governos de Lula, para quem a integração é de alta importância para sua política econômica e geopolítica. Milei jogará não somente a Argentina em um ciclo de crise como toda a América do Sul. Tempos difíceis virão.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko