Rio Grande do Sul

Coluna

Engajados no debate do direito à cidade: um balanço da nossa colaboração em 2023

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Buscamos abranger um conjunto de pautas urbanas, trazendo nossa produção acadêmica para o diálogo com a sociedade, razão de ser de nossa atuação" - Foto: Jorge Leão
Esperamos contribuir para construirmos coletivamente cidades mais justas, democráticas e inclusivas

Estamos encerrando 2023. Mais um ano de parceria entre o Observatório das Metrópoles e o Brasil de Fato RS. Agradecemos o espaço da coluna e esperamos estar contribuindo para a ampliação dos temas de debate na sociedade civil e movimentos sociais gaúchos. Foram 23 artigos de opinião escritos por mais de 30 pesquisadores e pesquisadoras do Observatório das Metrópoles e convidados/as. Neste último artigo do ano trazemos um balanço dos temas e das questões propostas por nosso Núcleo para o debate urbano.

O grande tema em questão foi a gestão urbana de Porto Alegre e as medidas ultraliberais empreendidas pela Prefeitura atual, dominada pelo campo conservador. Sua intervenção foi no sentido de dirigir o processo de revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA) em favor das propostas do capital imobiliário e dos setores empresariais e contra os coletivos e movimentos sociais de luta pela moradia, meio ambiente e preservação histórica e cultural. Inclui-se aqui a denúncia da redução dos espaços de participação popular na gestão urbana e municipal em geral.

Tratamos de temas como a arrecadação municipal (ou a “não arrecadação” a partir das isenções dadas pela prefeitura ao capital imobiliário), o favorecimento da especulação imobiliária, das medidas liberalizantes em favor do setor privado, do abandono do transporte coletivo, do sucateamento dos serviços públicos, das tentativas de privatização do patrimônio comum (como os parques da Harmonia e da Redenção) e do processo de “desdemocratização” de Porto Alegre, especialmente quanto ao esvaziamento dos Conselhos Populares e aparelhamento do Orçamento Participativo, mantido “em banho maria” e “sem poder real de influência nas prioridades orçamentárias, sem transparência, sem controle social, sem critérios redistributivos para as regiões mais carentes de infraestrutura e serviços”, o que chamamos de “simulacro de OP”.

Acompanhamos o processo de revisão do PDDUA, especialmente a Conferência de Avaliação do Plano Diretor (março), da qual chamamos atenção para “a pressão exercida pelo mercado imobiliário para ampliação de áreas e índices construtivos” e concluímos clamando “por um processo democrático de caráter deliberativo na elaboração do principal instrumento de planejamento da cidade”.

Vimos também o retrocesso no sistema de planejamento urbano e ambiental, onde a Prefeitura utilizou-se de “artimanhas visando diminuir o debate público e o direito de ampla participação na decisão das normas de ocupação e uso dos espaços urbanos, públicos e privados”. Dentre outras situações restritivas, a exclusão arbitrária da representação da Ufrgs na rediscussão do plano diretor e a não realização de eleições para o Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA).  

O Censo Demográfico de 2022, cujos primeiros resultados foram divulgados em junho de 2023, também foi tema de debate. Aqui nos chamou atenção o decrescimento da população da capital e a diminuição do ritmo de crescimento da Região Metropolitana. Mais ainda o grande aumento do número de domicílios (tanto pelos novos arranjos familiares, como pela intensa produção imobiliária), muito acima do índice de incremento demográfico, o que resultou na “explosão” dos domicílios vazios, a despeito do persistente déficit habitacional. Fizemos a relação entre os resultados do Censo e o processo de revisão do PDDUA, onde as propostas de liberação para a construção e de aumento da “densidade urbana” vão de encontro às tendências demográficas detectadas pelo levantamento nacional.

Outro grande tema de 2023 foi o das Mudanças Climáticas e da emergência ambiental, provocada pelos “desastres naturais” que acometeram nosso estado, especialmente em setembro, mês que mais sentimos os efeitos do El Niño. É importante registrar que nosso primeiro artigo sobre o tema foi escrito em maio, quando abordamos a “desigualdade climática”, ou seja, como as mudanças no clima afetam desigualmente populações, atingindo mais a população periférica, pobre, negra e indígena e mulheres. Posteriormente aos eventos extremos climáticos de setembro, retomamos a questão alertando para o modelo de urbanização que privilegia mais as rendas imobiliárias que o bem-estar da população, bem como para a questão climática desigual no município de Porto Alegre.

Mantivemos nosso olhar para a Região Metropolitana de Porto Alegre, entendendo a necessidade de abordar este conjunto urbano complexo e fortemente vinculado à dinâmica urbana da capital. Na RMPA, os problemas urbanos como moradia, transporte e mobilidade, qualidade ambiental, também são verificados, sendo que os mesmos necessitam de soluções concertadas entre diferentes municípios que mantém políticas localistas e dificuldade de diálogo conjunto.

Outros temas que abordamos envolvem a questão do mercado de trabalho metropolitano e suas especificidades (mulheres, comunidade LGBTQIA+, população negra), a questão da cultura, a “internacionalização” de Porto Alegre e a questão dos despejos judiciais.

Em agosto, realizamos em conjunto com Projeto TTC, Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM), ONG Acesso, Fórum Nacional de Reforma Urbana (FNRU) e o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) o seminário “Novos caminhos para a regularização fundiária urbana”, no qual, pela primeira vez em Porto Alegre, discutimos em um evento o “Termo Territorial Coletivo”. Foi uma grande oportunidade de debater uma nova e potente ferramenta que responde a muitos dos desafios enfrentados em nossas cidades em defesa dos bairros populares e dos territórios das comunidades urbanas periféricas, como em Porto Alegre, das ameaças de esbulho do Quilombo Kédi. 

Enfim, buscamos abranger um conjunto de pautas urbanas, trazendo nossa produção acadêmica para o diálogo com a sociedade, razão de ser de nossa atuação.

Devemos ainda nos referir ao que nos mobilizará em 2024, ano decisivo politicamente para o nosso país, dadas as eleições municipais. Pelo que estamos observando, as forças conservadoras e ultraliberais estão engajadas não só em manter, mas em fortalecer seu poder local, tentando superar o revés sofrido na eleição presidencial de 2022.

Em fevereiro, depois de muita pressão dos movimentos e coletivos, teremos a eleição para a renovação do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA). Prefeitura e setor imobiliário tentarão influenciar ao máximo e dificultar a eleição de conselheiros do campo popular. Dado o quadro de adiamento da revisão do Plano Diretor, em função das eleições municipais, este pleito é decisivo nas lutas pelo direito à cidade.

Assim, pensamos que deveremos utilizar este espaço para ampliar as discussões sobre o direito à cidade, a democracia participativa e para a crítica ao modelo de “desenvolvimento urbano” que estamos vivenciando em nossas cidades, Porto Alegre em especial. Um modelo ultraliberal, excludente e antidemocrático. Esperamos assim contribuir aqui para construirmos coletivamente cidades mais justas, democráticas e inclusivas.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko