Uma nova onda de calor chegou ao estado do Rio Grande do Sul no último final de semana e elevou a temperatura acima dos 40Cº. Com o calor veio também a falta de água em pelo menos 14 bairros da capital gaúcha. Entre eles a Lomba do Pinheiro. A falta de água nas periferias de Porto Alegre é um problema recorrente, principalmente entre os meses de dezembro e janeiro. De acordo com o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae), com as altas temperaturas, houve aumento do consumo e vários reservatórios secaram. Além da falta de água também houve registros de falta de luz.
:: Falta de água em Porto Alegre ::
De acordo com o Executivo municipal, ao menos 14 bairros porto-alegrenses estiveram sem água nesta segunda-feira (18) nas zonas Norte, Sul e Leste. À imprensa, o prefeito Sebastião Melo (MDB) atribui parte da responsabilidade à CEEE Equatorial, pois a falta de energia elétrica também estaria afetando o funcionamento de estações de tratamento.
Diante desse contexto, a prefeitura avalia a realização de desvios de água para áreas da cidade que estão sofrendo com o desabastecimento há alguns dias. A informação foi anunciada pelo prefeito Sebastião Melo (MDB), no início da tarde desta segunda. De acordo com Melo, a medida está sendo avaliada em conjunto com Dmae e poderá ter reflexos em outros pontos da Capital.
Para minimizar os impactos, o departamento tem disponibilizado caminhões-pipa. No início da tarde de segunda, foram contratados mais veículos. Motoristas da Carris e da Defesa Civil também foram recrutados para atuar nessa força-tarefa.
Um problema persistente
Situado na zona Leste da capital gaúcha, um dos três bairros mais populosos, que reúne dezenas de vilas e uma população estimada em 51,4 mil habitantes, a Lomba do Pinheiro sofre todos os anos com a falta de água.
A falta de água, por exemplo tem afetado o trabalho das cozinhas comunitárias do bairro. “A falta de água tem nos prejudicado bastante na confecção de alimentos. Tive que parar de cozinhar por motivos da água ser oscilante, uma hora tem, outra não tem. Então tem ficado bastante complicado de nós cozinharmos”, relata Zailde Silva da Silva, moradora da parada 15 da Lomba e uma das coordenadoras da cozinha solidária no Recreio da Divisa.
Conforme expõe Zailde, a falta de água é um problema corriqueiro durante todo o ano, contudo no verão ele se acentua. “De um mês para cá tem faltado bastante. Temos ficado dois a três dias com água por cinco minutos. A gente não consegue encher caixa de banheiro, não consegue lavar uma roupa, a louça fica sendo armazenada, e lavando de balde.”
Ela conta que a saída tem sido armazenar em garrafões, baldes, litros de refrigerante. A situação fica mais grave em se tratando de banho e banheiro, pontua. “Faz anos que isso acontece. Estamos buscando uma solução. Estamos cansando de tanto reclamar, pedir projetar uma melhoria e não estamos conseguindo”, relata.
Complementando a fala de Zailde, Isabel Klein, da Comunidade Santo Antônio Colinas, assegura que a solução para o problema da falta de água vem sendo protelada há muito tempo. “É a mesma situação, na mesma data, nas mesmas localidades”, diz. Ela explica que desde o início de setembro o fluxo de abastecimento começa a diminuir. “Com a intensidade do calor a coisa piorou. Agora realmente não tem água na torneira. O que estamos tentando fazer é chamar o caminhão pipa que hora vem hora não vem, vem quando quer alegando que tem muita demanda em toda cidade.”
Isabel diz que a comunidade está fazendo um abaixo-assinado para ser entregue no Dmae. Junto com isso está entrando com um processo pedindo para que cada morador tenha uma caixa d’água e que se faça uma cisterna nas entradas da comunidade para que nos períodos críticos se possa ter um respaldo.
:: Falta de água em tempos de coronavírus nas periferias de Porto Alegre ::
"Faz uns 20 anos que é assim"
Assessora parlamentar e moradora na Vilas Mapa, na Lomba do Pinheiro, Fabiana Barbosa Maciel diz que a região é "crucificada" todos os anos. “Faz uns 20 anos que é assim, não muda, só piora. Agora inventaram essa de não conseguir caminhão pipa para suprir essa necessidade das periferias.”
“Água é vida. Há sete dias que estávamos sem água. É horrível porque tem famílias que não tem caixa d’água em casa. Eu tenho uma caixa pequena que não supre a necessidade de tomar banho todo dia, cuidar da louça e tomar água, fazer a comida. A gente não pode ficar sem água”, complementa Fabiana.
Ela conta que há reservatórios da comunidade que teriam que ser ativados. “Sei que tem também a distribuição de água nos bairros, teríamos que ter novamente essa rede de distribuição porque não é facilitando alguns bairros e deixando a periferia de fora que vai solucionar algum problema. Temos situações de acamados, idosos, crianças que não podem ficar sem água”, assinala.
Comenta, também, que nesta segunda-feira presenciou o abastecimento feito por um caminhão pipa em uma caixa de água em um condomínio, contudo não foi suficiente. “Pelo número de dias que estávamos sem água, às vezes acaba não sendo suficiente a vinda de um dia o caminhão pipa encher. Pelo que o diretor do Dmae disse na imprensa, a solução só teria fim em 2026. Como isso? Quantos anos vamos passar por esse trabalho. Tem que dar uma solução rápida, nem que seja faltar água de madrugada. Que durante o dia tenhamos água em casa. Ative os reservatórios. Tem que ter um jeito!”
Como apontado por Zailde a solução tem sido armazenar água, comprar água tendo que enfrentar o problema no aumento do preço.
Falta de investimento na periferia
Para Isabel a grande questão é a falta de invcestimento em comunidades periféricas. “Obras embaixo da terra não aparece. O poder público não quer saber se isso ocorre ou não, eles vão fazendo sempre as mesmas narrativas de resposta. A população não cai mais nessa história de que aumentou o consumo. Se sabe que com o calor aumenta o consumo, mas, porém, de contrapartida em bairros de classe média alta continua tudo normalizado. Dois pesos e duas medidas. Eles não querem investir em comunidades carentes, não têm interesse do poder público”, desabafa.
Segundo ela, é preciso continuar batendo na mesma tecla e seguir pressionando. “Estamos indo hoje à tarde para uma reunião com o Dmae para buscar uma solução. A nossa realidade não é diferente de outras comunidades periféricas. Passa gestões e a problemática é a mesma. Enquanto não houver alguém do poder público, com alguma representação que de fato leve isso a sério, independente de partido, vamos continuar com a mesma narrativa, com idosos, crianças sofrendo com a falta de água.”
O acesso à água potável e ao saneamento básico é um direito humano essencial, fundamental e universal, indispensável à vida com dignidade e reconhecido pela ONU como “condição para o gozo pleno da vida e dos demais direitos humanos". Isabel frisa que a falta de água é uma questão humanitária e que cada cidadão deve ter a garantia desse direito básico, o que não é cumprido pelo poder público. “Pelo que eu sinto de nada vale as leis se elas não forem cumpridas. É uma luta diária, é uma luta de todos”, afirma.
O que diz o Dmae
Em nota, o Dmae comunica que ampliou a frota de caminhões-pipa nesta terça-feira(19). De acordo com o departamento, serão 16 veículos circulando pelas comunidades afetadas na zona Leste pelo desabastecimento até as 22h.
“Para amenizar os impactos da população, ampliamos a frota de caminhões-pipa. Estamos trabalhando para regularizar logo a situação”, esclarece o diretor-geral do Dmae, Maurício Loss.
Segundo a pasta, o desabastecimento ocorreu devido ao alto consumo decorrente do calor, o que reduziu os reservatórios, e a instabilidade no fornecimento de energia na Estação de Tratamento de Água (ETA) Belém Novo. Veja neste link os bairros atendidos.
Parlamentares também denunciam
Em sua rede social, o vereador Aldacir Oliboni (PT) ressaltou que a falta de água não é somente fruto da falta de luz como que fazer crer o prefeito Sebastião Melo. “Bastaria, nesses três anos de gestão, ter equipado o DMAE com geradores. Indo além, estamos diante de um governo que é rápido para beneficiar grandes empresários e lento, muito lento para resolver problemas das comunidades”, escreveu.
Segundo recordou o parlamentar, no verão de 2022, o governo Melo prometeu em reunião com os moradores do Morro da Cruz uma solução definitiva para a seca das torneiras. “Estamos chegando em 2024 e seu governo sequer começou as obras necessárias para contemplar essa comunidade. Apresentou apenas soluções paliativas e temporárias. E mais uma vez quem sofre são os moradores dessas comunidades.”
MP foi acionado
O vereador e outras entidades encaminharam representação junto ao Ministério Público do Rio Grande do Sul sobre a situação. Na ação, são cobradas medidas emergenciais para a normalização do serviço. Também pede que sejam instalados geradores elétricos nos equipamentos de captação, bombeamento e distribuição de água, além da criação de um programa de instalação de caixas de água para famílias inscritas em programas sociais.
A ação ainda pede a isenção das faturas do serviço de água para as famílias impactadas pelo desabastecimento, além da elaboração de um plano de metas visando assegurar o fornecimento contínuo de água nas áreas de Porto Alegre afetadas pela escassez.
Assinam o documento os vereadores Aldacir Oliboni (PT), Adeli Sell (PT), Engenheiro Comassetto (PT) e Jonas Reis (PT); os deputados estaduais Adão Pretto (PT), Laura Sito (PT), Leonel Radde (PT) e Sofia Cavedon (PT); as deputadas federais Maria do Rosário e Reginete Bispo (PT); além de associações, organizações e movimentos sociais.
Parlamentares protocolam ação / Foto: Dorley Junior
Críticas
A deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) também denunciou sobre a questão em suas redes sociais. “Em tempos onde 94% das cidades brasileiras vivenciaram algum evento extremo do clima nas últimas semanas (segundo o Datafolha), não dá mais para ignorar o fato que é a emergência climática. O exemplo recente de Porto Alegre precisa ser um sinal de alerta para a construção de políticas públicas de combate real às mudanças que estamos vivendo – e que não vão parar!
Assim como a vereadora Karen Santos (Psol). "O problema não é novo e nem mesmo deixou de ser anunciado pelos trabalhadores do DMAE. Mas é uma escolha do governo Melo ignorar as periferias e os trabalhadores, precarizar o departamento de água e esgoto, e deixar a população sem água na Lomba do Pinheiro, no Morro da Cruz e na zona Sul, enquanto ele vende a cidade para os grandes empresários."
O engenheiro especialista em saneamento e meio ambiente aposentado do Dmae, Adinaldo Soares de Fraga, que é membro do Conselho Deliberativo da autarquia, lembra que em agosto do ano de 2017, em um artigo no Jornal do Comércio, alertou a população que haveria falta de água em alguns bairros de Porto Alegre. Segundo ele, na ocasião, enfatizou que a deficiência no abastecimento tinha como causa a falta de investimentos necessários para fazer frente às demandas de abastecimento de água, além de chamar a atenção para existência de uma clara e manifesta intervenção do Executivo municipal, na autonomia administrativa do Dmae.
“Sete anos se passaram, os poucos investimentos realizados não afastaram o fantasma do desabastecimento nos mesmos bairros, mas a ideia de concessão dos serviços ainda persiste", pontua. Ele critica Melo, que "mantém a mesma postura do governo anterior, intervindo claramente na administração do DMAE, contingenciando a realização de concursos públicos para suprir as vagas deixadas por aposentadoria". Enquanto a população passa sede, pontua, a autarquia conta com um superávit aplicado no sistema financeiro superior a 400 milhões de reais.
De acordo com Fraga, para os próximos dois anos estão previstos investimentos na ordem de R$ 350 milhões. Desse valor, 166 milhões serão para melhorias e ampliação do abastecimento de água da Capital, conforme apresentação ao Conselho Deliberativo do plano de investimento para o próximo biênio.
Precarizado para ser privatizado
Dirigente do Dmae durante a gestão de Olívio Dutra (PT), Guilherme Barbosa pontua que a falta de água em dezembro de 2023 também destaca a atuação do Dmae. De acordo com ele nessa época o departamento era conhecido em todo o país como um dos principais órgãos de saneamento no Brasil pela sua qualidade de serviço. “Pelos anos 2004/2005 a cidade ja era considerada por ter 100% de abastecimento de água tratada, com exceção das áreas irregulares onde não se podia por lei colocar o abastecimento regular”, afirma.
De acordo com ele, na sequência, os prefeitos melhoraram o serviço até a chegada de Nelson Marchezan Júnior (PSDB). "Ele determinou que não houvesse investimento no crescimento da estrutura do Dmae que precisa ser sempre feito porque a população cresce. Com isso começou a falta r água de novo, coisa que não acontecia há muitos anos. Felizmente ele não conseguiu vender o Dmae. Mas veio o governo Melo, um serviçal das grandes empreiteira de Porto Alegre e prosseguiu essa ideia", critica..
Guilherme enfatiza que saneamento tem a ver com saúde pública e com meio ambiente. Ele reforça a denuncia de Adinaldo sobe os recursos aplicados do departamento no sistema financeiro. “Não fez as obras necessárias para que não faltasse água e tem dinheiro aplicado no sistema financeiro. Isso é um crime contra a saúde pública. Como se admite faltar água em muitas regiões da cidade e ter recursos aplicados no sistema financeiro”, critica. O ex-dirigente também chama a atenção para a falta se servidores do departamento.
Edição: Marcelo Ferreira