A despedida de Paulo Moreira ocorreu na tarde deste domingo, no Cemitério Santa Casa, em Porto Alegre. O jornalista enfrentava problemas de saúde há alguns anos. Conviveu com uma doença renal mais de 19 anos e esteve mais de 12 anos na lista para transplante de rim. Ele deixa duas filhas e uma neta.
Uma das vozes mais conhecidas e respeitadas do rádio gaúcho, especializado em jazz, o comunicador Paulo Moreira, nos mais de 40 anos de carreira, dedicou a maior parte à produção, redação e radiodifusão de conteúdos musicais.
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Atuou na Rádio 102 FM, de 1994 a 1996, produzindo o programa Jam Session, apresentado por Ruy Carlos Ostermann. De 1997 a 1999, exerceu reportagem e crítica de música e cinema no jornal Correio do Povo. Realizou cursos sobre História do Jazz e do Rock durante quatro anos dentro da programação do StudioClio. Produziu e apresentou o programa Sessão Jazz na rádio FM Cultura, por quase 20 anos, e nos últimos anos na rádio online salvesintonia.com, além do projeto Audições Comentadas, no Instituto Ling.
Em nota publicada pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS, o ex-colega da TVE e FM Cultura José Fernando Cardoso fez uma justa homenagem para Paulo Moreira.
“Neste fim-de-semana, os antigos colegas de TVE e FM Cultura do Paulo Moreira tiveram a notícia que temiam, mas que infelizmente já era mais ou menos esperada: Paulinho se foi. Com problemas de saúde crônicos, após uma longa batalha, não resistiu. Todo guerreiro tem seu limite, embora em alguns momentos o Paulinho nos desse esperanças de que fosse passar por cima desses limites, tamanha era sua disposição em reunir o pouco de forças que ainda tinha pra não se entregar. O Paulinho era um cara solar, movido pelo entusiasmo. Falava de músicas, livros e filmes com alegria de criança. Vai fazer uma falta tremenda.
Na verdade, já fazia: desde 2017, quando a gestão que propôs a extinção da Fundação Piratini resolveu "descontinuar" o Sessão Jazz. O programa que Paulinho criou em 1999 e apresentava de segunda à sexta à noite na FM Cultura educou mais de uma geração de ouvintes para o jazz e a música instrumental, teve papel fundamental em movimentar a cena musical local e tornou-se uma referência nacional.
Quando começaram as realocações dos Servidores da FM Cultura e da TVE, no mesmo âmbito de desmonte/extinção das emissoras, nós, um grupo de colegas da 107,7, resolvemos continuar nossas atividades em uma Rádio Web que chamamos de Salve Sintonia. A ideia era, além de desempenhar nossas antigas funções nessa nova emissora, seguir colocando no ar os programas de alguns dos profissionais que mais admirávamos na nossa antiga casa. Claro que os primeiros nomes nos quais pensamos foram o Paulinho, a Ivette Brandalise e o Demétrio Xavier. Eles aceitaram nosso convite e a Salve Sintonia cumpriu seu papel por dois anos, até que fomos, aos poucos, sendo reintegrados à FM Cultura, que, assim como a TVE, resiste.
Do Paulo, vão ficar na lembrança o conhecimento enciclopédico, o entusiasmo com que se entregava ao trabalho - ele estava sempre pronto: "microfone aberto, Paulo Moreira por perto", brincava -, os divertidos debates musicais e cinematográficos e as incontáveis risadas nas tardes da redação da FM Cultura. Paulo Moreira não tem substituto - desde 2017 e agora para sempre. Vai em paz, velhinho”, encerrou Zé Fernando.
O jornalista e amigo Rafael Guimaraens, também postou em suas redes sociais uma homenagem:
“Paulo Moreira nasceu em 1960 - e ninguém nasce impunemente em 1960. Foi o ano em que o mundo começou a mudar em vários aspectos. Os jovens disseram para seus pais: não queremos esse imundo careta que vocês nos legaram. Questionaram os professores, afrontaram o sistema. E tudo aconteceu: revolução cubana, sputnik, pílula anticoncepcional, amor livre, sexo com prazer, queima de sutiãs, panteras negras, abaixo a ditadura, lutas anticolonialistas na África, Vietnam, Maio de 68 em Paris, Primavera de Praga, rebelião em Berkeley, passeata dos 100 mil e depois ditaduras: Brasil, Uruguai, Chile, Argentina. Vivenciou tudo: censura, tortura, anistia forjada, democracia capenga, o fracasso da nova ordem mundial, a esperança de outro mundo possível.
Quem nasceu em 1960 e arredores (dois pra lá, dois pra cá) tem uma aura e uma missão. Tenho muitos amigos da safra 60, incluindo duas pessoas queridas muito próximas: a Clô Barcellos e a Silvia Guimaraens. E o Paulinho. Paulinho do jazz? Com certeza. Dirigiu um programa excepcional, único, extraordinário, posto abaixo pela estupidez de algum medíocre que recebeu poder para isso. Escutava dez minutos de uma música e sabia de quem era o sax, o baixo, os drums.
Mas era o Paulinho de tudo. Dos Beatles e Rolling Stones, de Bob Dylan e Bruce Springsteen (um de seus heróis), do Chico, Gil, Caetano, Milton, das novidades, da MPG, da música latino-americana, e também dos autores (leitor voraz), da nouvelle vague, do Cinema Novo, do cinema autoral norte-americano, dos festivais. Sorveu cada gota desse caldo.
Memória prodigiosa, generosidade transbordante, afeto inigualável, sorriso cativante, crença na vida até o último instante. Paulinho honrou sua condição de barra 1960 e deixou uma tristeza que tentamos amenizar com o privilégio de ter tido a oportunidade de conviver com um ser humano tão especial.”
Edição: Katia Marko