O IPCC aponta que medidas de planejamento urbano podem contribuir para a adaptação climática
Nos últimos anos, temos testemunhado um aumento significativo das temperaturas em áreas urbanas devido às mudanças climáticas e à concentração cada vez maior de pessoas vivendo em cidades. O fenômeno conhecido como calor extremo urbano tornou-se uma preocupação crescente, uma vez que, além de gerar desconforto térmico e aumento do consumo de energia, tem impactos na saúde pública.
O verão de 2022 foi considerado o mais quente na Europa causando mais de 60 mil mortes, conforme estudo publicado pela Nature Medicine. Na América Latina, o Relatório The Lancet de 2022 apontou o aumento, nos últimos 20 anos, de mortes por calor na população com mais de 65 anos. Casos de infartos, derrames, desidratações e óbitos têm sido atribuídos à exposição ao calor extremo. Além disso, há impactos indiretos no sistema respiratório, pois temperaturas elevadas e forte radiação solar intensificam as reações responsáveis pela liberação de gases e outras partículas poluentes na atmosfera.
Em 2021, 180 países, incluindo o Brasil, ratificaram o Acordo de Paris, no qual se comprometem a cumprir metas de redução de emissões para que o limite de temperatura global de 1.5º, indicado pelo Painel Intergovernamental de Mudança Climática (IPCC), não fosse ultrapassado. Todavia, no início deste ano, o IPCC publicou seu 6º relatório (AR6), apresentando um prognóstico alarmante. Dentro de duas décadas, o planeta irá atingir ou exceder um aumento de 1.5ºC de temperatura global.
De acordo com o Painel Brasileiro de Mudança do Clima (PBMC), as projeções indicam um clima futuro mais quente devido ao aquecimento global, mudanças climáticas e processos regionais, como urbanização e desmatamento. Essas mudanças climáticas esperadas têm o potencial de agravar os riscos existentes nas áreas urbanas, como inundações, deslizamentos de terra, escassez de água potável e maior morbimortalidade (PBMC, 2016).
As áreas urbanas são particularmente vulneráveis ao calor devido ao efeito de ilha de calor urbana, que é o fenômeno antrópico, no qual uma área urbana apresenta temperaturas mais elevadas do que as áreas circundantes rurais ou naturais. Essa diferença na temperatura se deve a fatores relacionados à urbanização. São quatro as principais mudanças nos ambientes urbanos que provocam o efeito de ilha de calor urbana: 1) a perda de vegetação natural; 2) aumento das áreas construídas que absorvem e armazenam mais calor; 3) a morfologia urbana de alta densidade que retém a radiação solar e altera a ventilação natural; 4) a emissão de calor residual dos edifícios e veículos.
Porto Alegre, nos últimos 100 anos, ficou mais quente e mais chuvosa, segundo dados da MetSul. Em comparação com a série histórica de 1931-1960 e 1991 a 2020, a temperatura aumentou 0,4ºC e média de precipitação anual, 178mm. Desde o início das medições no Jardim Botânico, na década de 70, a temperatura máxima só superaram os 40ºC em 2014, 2019 e 2022, ou seja, os três dias mais quentes da cidade ocorreram nos últimos 10 anos.
Um passo para compreender de forma espacial o fenômeno do aquecimento urbano em Porto Alegre foi a realização do mapeamento da temperatura de superfície (Land Surface Temperature - LST), pois essa variável é indicativa da intensidade do calor ao qual a população está exposta em diferentes locais da cidade.
Nessa leitura, a maior temperatura superficial encontrada em Porto Alegre foi de 47.3°C, a menor de 27.8°C e a média foi 34.9°C. Logo, locais diferentes podem condicionar sensações térmicas muito distintas para as pessoas em um mesmo dia e horário. Locais mais densamente urbanizados, com grandes áreas pavimentadas e com grande fluxo de veículos - como o entorno da rodoviária - apresentam médias de temperatura mais elevadas. Por outro lado, é possível verificar a média de temperatura mais amena no Parque da Redenção e seu entorno, o que demonstra a importância das áreas verdes públicas para a redução da temperatura superficial.
Ao analisarmos os dados de temperatura superficial, em conjunto com a evolução da ocupação urbana em Porto Alegre nas últimas décadas, é possível verificar que a mancha urbana aumentou quase 40%, avançando principalmente sobre áreas de formação natural. Ou seja, o processo de urbanização pode afetar negativamente o microclima urbano, junto com o aumento contínuo da temperatura nos últimos 50 anos.
O calor urbano é um desafio complexo que exige soluções transversais. As agendas nacionais e internacionais de mitigação e adaptação aos impactos das Mudanças Climáticas são urgentes e precisam ser planejadas e implementadas.
O IPCC aponta que, apesar das evidências limitadas, medidas de planejamento urbano podem contribuir para a adaptação climática. As evidências mostram que a redução de riscos por ordenamento do território pode proteger e expandir a infraestrutura verde, aliviando inundações e reduzindo o efeito das ilhas de calor, e orientar o desenvolvimento para longe de áreas de risco (AR6, 2022). Além disso, o planejamento tem papel fundamental ao orientar o desenvolvimento da forma urbana, moldando os efeitos potenciais que o ambiente construído pode vir a ter sobre os sistemas naturais.
Uma alternativa que pode ser incorporada pelas cidades são as estratégias bioclimáticas, que utilizam técnicas que levam em conta as condições climáticas locais para maximizar o conforto térmico. Essas estratégias buscam integrar elementos naturais, como a vegetação, a água e o vento, para criar ambientes mais confortáveis e sustentáveis.
Ao implementar essas estratégias, podemos reduzir o desconforto térmico, melhorar a qualidade de vida das pessoas e contribuir para a resiliência urbana diante das mudanças climáticas.
Cabe lembrar que Porto Alegre está revisando seu Plano Diretor. Portanto, é momento de a cidade avaliar seu planejamento e propor soluções para minimizar o impacto do calor sobre sua população. Nós, como cidadãos, precisamos nos preparar não apenas para resistir a tais intercorrências, mas para exigir do poder público e do setor privado ações compatíveis à minimização dos potenciais danos que possam ser causados.
* Carolina Cristófoli Falcão, arquiteta e urbanista. Geisa Zanini Rorato, Professora da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs, pesquisadora do Observatório das Metrópoles. Eugenia Aumond Kuhn, Professora da Faculdade de Arquitetura da Ufrgs.
** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko