O Centro Experimental da Cascata, vinculado à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa/Clima Temperado), em Pelotas (RS), viveu um dia de muita animação na última quinta-feira (7), com a realização do evento Agroecologia 2023, que convergiu cinco atividades concomitantes: II Feira de Agroecologia, XVIII Dia de Campo da Agroecologia, Mostra Cultural, I Ciranda Agroecológica e Reunião Regional de Organizações de Controle Social.
O espaço, que recentemente esteve no foco de questionamentos por parte da seção sindical local, vive novos dias e o clima de alegria e reencontro foi bastante celebrado pelos participantes e pesquisadores que interagiam sob uma fala recorrente: a Embrapa voltou!
O pesquisador João Carlos Costa Gomes, que atua na Chefia Adjunta de Pesquisa e Desenvolvimento, foi porta-voz do evento e destacou o simbolismo da atividade que reuniu cerca de 1.500 pessoas ao longo do dia. “Estamos de volta, a ciência voltou”, afirmou, destacando que ainda estão a retirar os últimos resquícios do negacionismo que havia se instalado em espaços como aquele nos últimos anos.
“Nós temos uma clareza de que espaços de mediação com a sociedade como este vão muito além da tecnologia. Nós somos uma casa de ciência, que tem que produzir conhecimentos novos e tecnologia, mas esses conhecimentos e tecnologias têm que dialogar com as necessidades do povo, dos agricultores e agricultoras, com uma comida de boa qualidade”, detalhou Costa Gomes. Para ele está claro que “não adianta o país apresentar o status de grande exportador de comodities e ao mesmo tempo ainda haver tantas pessoas passando fome, isso precisa mudar”.
Fortemente identificada com a Agricultura Ecológica e desenvolvendo dezenas de pesquisas de forma integrada a famílias camponesas, pequenos agricultores e agricultoras, assentados da reforma agrária e movimentos sociais, a Embrapa Clima Temperado tornou-se ao longo do tempo uma referência para o segmento no país. E neste dia de campo interpretado pelos participantes como um “evento de retomada”, a presença dos agricultores e agricultoras teve duplo simbolismo.
“Um espaço como este é muito importante, são muitos temas dentro da agroecologia que encontramos aqui, onde podemos ver as experiências que se realizam, um espaço onde acontecem muitas trocas de conhecimento, entre a pesquisa e os próprios agricultores e a população em geral”, aponta Eliane Fátima Krupinski, agricultora ecológica que se dedica a produção de alimento saudável.
Para ela, o reconhecimento dado pelos pesquisadores da Embrapa aos agricultores e agricultoras, que são chamados de “primeiros cientistas” tem todo sentido. “É a questão das origens, da cultura, da observação do agricultor junto a sua unidade produtiva, ao seu solo, ao seu ar, à sua água que as pesquisas avançam, é a partir do primeiro olhar do agricultor e nesse sentido muitos agricultores são sim cientistas.” Segundo a agroecóloga, os pequenos e pequenas, de forma organizada, já estão fazendo a sua parte: “A agricultura familiar e camponesa é que produz alimento para colocar na mesa do povo, nós não produzimos soja para exportação, produzimos comida”.
Embrapa inclusiva e democrática
Diretor-executivo de Pesquisa e Inovação da Embrapa em âmbito nacional, Clenio Pillon retornou à sua unidade de origem para prestigiar o evento que ao longo dos anos se tornou referencial para o segmento da agroecologia a nível local e nacional. “É um dia de festa, de receber agricultores familiares e camponeses que vem se conectar com o que temos de melhor em termos de ciência, trabalhando todas as tecnologias voltadas à produção de alimentos com bases saudáveis e sustentáveis, o que a agroecologia nos permite não só como ferramenta de trabalho, mas como modo de vida”, disse.
Acerca do momento que atravessa a Embrapa, ainda buscando se desvencilhar dos enlaces deixados pelo governo passado e seu ímpeto negacionista, Pillon utiliza as palavra “reconstrução” e “reencontro” como símbolos. “Evidentemente que estamos em uma retomada da construção e reconstrução do tecido social que foi muito dilacerado nos últimos anos.”
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Para ele, a política da nova gestão da empresa pública é “trabalhar no limite todas as possibilidades para promover a inclusão socioprodutiva no campo, com educação, com formação continuada, com acesso a conhecimento, com apoio, com acesso a mercados e também com uma boa construção, indução e articulação de políticas públicas com bases territoriais”.
O chefe-geral interino da Embrapa Clima Temperado, Waldyr Stumpf Junior, destacou o trabalho desenvolvido ao longo de 17 anos e que culminou na edição atual do evento como uma espécie de “maturidade”. Reconheceu a importância do trabalho em conjunto realizado entre pesquisadores e agricultores e afirmou que o que estava sendo apresentado ali é fruto dessa proximidade, “é um conjunto de soluções alinhadas na transição agroecológica, na lógica de se construir alimento e nutrição para a saúde das pessoas, são soluções tecnológicas para junto com os agricultores poder melhorar a produção, a renda, a qualidade de vida das famílias”.
Sobre o momento atual da Empresa, Stumpf foi direto: “A Embrapa está dentro de uma política pública do governo Lula, junto com os movimentos sociais, trabalhando nessa base que se estabelece na segurança alimentar, na segurança nutricional e num sistema de produção sustentável, onde a gente possa fazer com que todos tenham uma terra limpa, uma água limpa, um alimento limpo para que as pessoas tenham qualidade de vida, comida na mesa, mas principalmente comida que proporcione saúde”.
Alinhamento com as demandas do povo
Para o dirigente do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) Frei Sérgio Antônio Görgen, o momento celebra o reencontro da Embrapa com o povo e o caminho a partir de agora deve voltar a ser esse, com passadas conjuntas. “Para superar o momento que vivemos é preciso de dois elementos fundamentais: o povo e a ciência, a ciência e o povo. É um desafio para nós, cidadãos e cidadãs organizados, e também é um desafio para instituições e organizações como a Embrapa”, afirmou.
“Ver tanta gente aqui nos dá esperança de que é possível. Mas precisamos de mais gente e gente organizada! A revolução verde e seu pacote químico de venenos e insumos demorou quase 100 anos para se tornar hegemônica. A agroecologia não pode demorar 100 anos para se tornar hegemônica.” Görgen afirmou ainda que é preciso com urgência “um novo modelo, um novo tipo, uma nova forma de se fazer agricultura e produzir alimentos”.
Isabel Cristina Silva, da gerência de Formação e Qualificação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater), afirmou que estar em espaços da agroecologia e reencontrar amigos e amigas “dá forças para seguir nas lutas que não são fáceis, para avançar neste sistema agroalimentar que está em disputa a nível nacional e internacional”. Para a gestora, está claro que é preciso ter como norte o direito humano à alimentação. “Não é apenas ter acesso a alimento, é ter acesso a alimento saudável e a agroecologia para nós é a resposta”, completou.
Ela recordou que a agroecologia é uma demanda assumida pelo governo federal. “O Presidente Lula já se comprometeu com a agroecologia, com a produção de alimentos saudáveis, já afirmou que o combate à fome vai ser feito através da produção agroecológica, de mãos dadas com as organizações sociais.”
Prova disso, segundo Isabel Cristina, é que a prerrogativa para todas as chamadas públicas de assistência técnica que estão partindo da sua pasta é a agroecologia. “Nós queremos a transformação do campo, investindo recursos na produção de alimentos saudáveis, para que a assistência técnica seja democratizada, chegue em todos os territórios e de modo destacado valorizando as mulheres e as juventudes”, disse.
Edição: Marcelo Ferreira