De ponta a ponta o Parque Redenção se cobriu com as cores do arco-íris, neste domingo (10), Dia Mundial da Declaração Universal dos Direitos Humanos, para celebrar a 26ª edição da Parada Livre de Porto Alegre.
Segunda mais antiga do país, a manifestação reuniu milhares de pessoas, com um tempo que se intercalou entre sol e chuva. A edição deste ano teve como tema "TRANSgredir e TRANSar direitos para todes”, para combater o crescimento de discursos antitrans.
A celebração teve início por volta do meio dia com ato cultural, com diversas performances artísticas, apresentações musicais e grupos de dança. Assim como intervenções de movimentos sociais ligados à causa LGBTQIAPN+ e parlamentares gaúchos.
A marcha saiu por volta das 16h e fez a já tradicional volta ao redor do Parque, com trios elétricos, e continuou mesmo com a chuva que caiu na Capital em alguns momentos da tarde deste domingo.
A 26º Parada Livre de Porto Alegre foi organizada por 20 entidades da sociedade civil, são elas: Nuances, Igualdade, Somos, Outra Visão, G8 – Saju/Ufrgs, Juntos LGBT, Mães pela Diversidade, Escoteiros do RS, Homens Trans em Ação, Coletivo Amora, NUDS - Núcleo de Diversidade do Sintrajufe/RS, Caesc\Ufrgs, Instituto Teia – Direitos Humanos, Transenem, Rede LésBi, Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids – RS, MQ Colorido, Coletivo Moradia LGBTQIAPN+ RS e Acarmo LGBT Negritude.
Resistência e luta
De acordo com a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), cerca de 20 milhões de brasileiras e brasileiros (10% da população), se identificam como pessoas LGBTQIA+. Além disso, cerca de 92,5% dessas pessoas relataram o aumento da violência contra a população LGBTQIA+, segundo pesquisa da organização de mídia Gênero e Número, com o apoio da Fundação Ford.
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Segundo dados do “Segurança em números”, publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em 2022, a violência contra a população LGBTQIA+ apresentou significativo crescimento: 35,2% a mais de agressões, 7,2% a mais de homicídios e 88,4% a mais de estupros. De acordo com o levantamento a violência contra a população LGBTQIA+1 está estritamente relacionada à discriminação contra essa população.
“O dia da Parada é um dia de festa sem esquecer a luta, porque a gente batalha junto com a comunidade LGBTQIAPN+ pela igualdade dos direitos. A gente não quer nem mais, nem menos. Nossos filhos não são cidadãos de segunda categoria, para serem assassinados e serem tratados como mera estatística. Nós nos somamos à comunidade para mostrar que LGBTQIA+ tem família, tem pai, tem mãe, tem amor. É uma pessoa como qualquer outra. E principalmente as nossas crianças, as crianças LGBTQIA+, existem, todas nós tivemos uma. Se falam tanto em proteger crianças e ao mesmo tempo causam sofrimento em crianças e em famílias inteiras por conta do preconceito”, destaca a integrante da Ong Mães pela Diversidade, Renata dos Anjos.
Para a professora da rede estadual, integrante do CPERS e do Coletivo de Igualdade Racial e Combate ao Preconceito do Sindicato, Mariana Bonifácio Garcia, a parada é um ato muito importante a ser celebrado. “Depois de quatro anos que a gente passou com muita repressão, sendo invisibilizado, tentando tirar nossos direitos e conseguindo tirar alguns, inclusive, estar aqui hoje, estar nesse movimento com tanta gente, é extremamente importante para que a gente volte a ser visto. Para que a gente consiga lutar pelos nossos direitos, de igualdade na sociedade. Vamos seguir resistindo, e seguir buscando pelos nossos direitos e enfrentando qualquer coisa que vier”, afirma.
Na colaboração da parada há mais de 10 anos e como uma das apresentadoras da atual edição, Priscila Leote, da Ong Outra Visão, é a segunda apresentadora lésbica da Parada Livre em seus 26 anos. A primeira foi Cláudia Sapata.
“É uma alegria estar representando as mulheres lésbicas e bissexuais nesse palco. Para mim a Parada Livre é um momento de luta e união. É onde a gente celebra a nossa existência e também pauta a importância de políticas públicas, principalmente para a comunidade LGBT e as mulheres lésbicas que não têm nenhuma política pública segurada, nem as mulheres bissexuais.”
Conforme enfatiza Priscila, é preciso estar na luta todo dia para assegurar que as mulheres lésbicas e bissexuais tenham atendimento humanizado tanto no Sistema Único de Sáude como em clínicas particulares.
Direitos humanos
Militante pelos Direitos Humanos, fundador e coordenador do grupo Nuances, Célio Golin, ao falar sobre o tema da atual parada destaca que se tem uma conjuntura que vai além do Brasil, de perseguição à população trans. “Se coloca a questão da população de uma forma muito negativa. E se tem usado muito essas questões, as tais pautas identitárias, de costumes, para atingir a população trans. Mas na realidade está atingindo muito mais que a população trans, está atingindo também a própria democracia.”
Por isso, explica Célio, a atual edição da Parada resolveu demarcar e responder os ataques que se vêm sofrendo. “Como por exemplo na educação, com professores sendo perseguidos, projetos de leis que proíbem crianças de participar de parada. Ou seja, tem um rol de ações que a extrema direita está implementando e está disputando espaço em Assembleias, Congresso Nacional.”
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Conforme reforça Célio, o tema transgredir e transar direitos para todes, é exatamente trazer o debate da importância da defesa da população trans e também para reforçar a questão da linguagem inclusiva do todes. “Essa parada tem esse significado, da visibilidade para essas pessoas que são as mais marginalizadas, que sofrem maiores restrições entre a população LGBTQIAPN+.”
A Parada teve diferentes serviços e ações, articulados entre organizações da sociedade civil e poder público, para promoção da cidadania de pessoas LGBTQIAPN+, como quiosques, tendas e gazebos da Defensoria Pública do RS, do Instituto Geral de Perícias, da Secretaria Municipal de Saúde e da Ouvidoria da Defensoria Pública.
Dirigente do Núcleo de Defesa da Diversidade Sexual de Gênero da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul, Mônica Zimmer, pontua que a realização da parada no Dia Internacional dos Direitos Humanos, é algo muito significativo.
“São pautas absolutamente convergentes, pois os direitos humanos são isso, é o respeito à diversidade, às diversas formas de amar, especialmente de ser no mundo, a possibilidade de cada indivíduo exercer a sua sexualidade, seu gênero da forma que entender. Isso é uma pauta cara para a Defensoria Pública como uma instituição que existe para garantir os direitos humanos e, portanto, entendemos que estar presente aqui seria essencial”, afirma.
Ela explica que as maiores demandas da defensoria são da retificação de gênero. Contudo ela observa que o departamento tem recebido denúncias de casos de homofobia, de transfobia, que acontecem tanto em espaços particulares como público. “Aí nós temos um atendimento que nós chamamos de acolhimento, que conta com uma equipe tanto jurídica quanto psicóloga e social, para encaminhar a resolução.”
Luta pelo reconhecimento
Em 2006 houve a apresentação da lei de criminalização da LGBTfobia, o PLC 122/2006, sendo arquivado em 2017. Devido a morosidade do Congresso, em 2019, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passasse a ser considerada crime. De acordo com o entendimento da Corte, a LGBTfobia se enquadra na Lei n° 7.716/89, a Lei do Racismo, até que o Legislativo nacional debata e vote uma legislação específica.
No mesmo ano do arquivamento do PLC, a deputada Luizianne Lins (PT-CE) apresentou o PL 7292/17, que tem o objetivo de tornar hediondo o crime motivado por menosprezo ou discriminação causada pela sexualidade e identidade de gênero da vítima. O projeto está atualmente na Comissão Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados com relatoria da deputada federal Erika Kokay (PT).
Único vereador assumidamente gay da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Giovani Culau (PCdoB), do Mandato Coletivo, afirma que a Parada é mais um momento de reafirmar a luta por garantir uma existência digna para a população LGBTQIA+. “É celebrar a nossa existência, a nossa alegria de viver, mas também reafirmar o nosso compromisso de luta. Nós fomos fundamentais para derrotar Bolsonaro no passado e nós precisamos abrir caminho para também derrotar os inimigos da população LGBTQIA+, aqui em Porto Alegre.”
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Ele conta que na semana passada a Câmara aprovou um orçamento que não enxerga a população LGBTQIA+. “Em Porto Alegre o recurso previsto para políticas públicas é de R$ 150 mil, o que significa R$ 10 mil por mês. Isso demonstra a falta de centralidade e de compreensão da importância. Ou melhor, o governo municipal não reconhece a importância da população LGBTQIA+.”
Segundo ele, a realidade da população LGBTQIA+ na capital gaúcha é de violência, dificuldade de acesso aos equipamentos de saúde, de educação. “Nós, inclusive, buscamos aprovar uma emenda que garante a implementação de casa de acolhimento para a população LGBTQIA+, que foi rejeitada pela base do governo. Isso é demonstração da importância que a luta tem para a gente e isso redobra a importância dessa parada.”
“Chegamos e nunca mais ninguém vai falar por nós!”
Primeira deputada federal sapatão eleita no país, Daiana Santos (PCdoB/RS), destacou a importância desse passo na política, mas também ressaltar a identidade. “Eu sou um corpo sapatão que se move para garantir que vocês sejam respeitados.”
“Eu cheguei lá pela mão de vocês que nunca desistiram e que compreenderam que a única forma de mudar a política era desta maneira, colocando os nossos corpos, as nossas lutas, a nossa voz ecoando em todos os campos. E eu retribuo esses votos, essas confianças com muito trabalho, com enfrentamento cotidiano com esse ódio que foi liberado pelo inelegível que agora chora quando nos reunimos e não sabe o tamanho que nós temos”, afirmou.
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* Com a colaboração de Jorge Leão.
Edição: Katia Marko