O Unamérica completa 40 anos de carreira. Para marcar este momento inicia uma turnê comemorativa com uma apresentação no Instituto de Educação Josué de Castro, no Assentamento Filhos de Sepé, em Viamão (RS). A ideia é circular por assentamentos da Reforma Agrária Popular do estado durante o ano que vem.
O show contará com a participação especial do músico Vinicius Braun e trará músicas que marcaram a carreira do grupo.
:: Álbum Canções para Tempos de Cólera marca musicalidade e resistência do grupo Unamérica ::
Criado no final da ditadura militar, o Unamérica fez sua primeira apresentação ao público no dia 3 de dezembro de 1983 em uma festa comunitária na cidade de Esteio/RS. Foi formado originariamente por Dão Real, Zé Martins e Protásio Prates (Tuca) na cidade de Sapucaia do Sul.
Como recorda Zé Martins, o nome inicial era Parceria de Unamérica. “Mas as pessoas e imprensa chamavam de Grupo Parceria, então resolvemos simplificar e retiramos Parceria, que para nós não era nome e sim proposta, assim como é Unamérica. Música, artes plásticas, poesia são veículos para transportar a proposta de unidade popular”, explica.
O início da década de 1980 no Brasil foi marcado por grandes acontecimentos políticos e culturais. A anistia política talvez seja a mais relevante, pelos desdobramentos e influências em vários setores. Gerou-se um ambiente propício ao novo e para as velhas lutas.
“40 anos depois, percebo que toda está luta não foi em vão, foi sim necessária e sei que contribuímos um pouquinho para deixá-la mais leve e sonora. Mas temos convicção que a luta tem que continuar. As trilhas geram estradas, se seguidas forem. As parcerias continuam sendo necessárias. É junto que realizaremos o sonho de uma Pátria Grande. As parcerias reduzem a distância da utopia”, ressalta Martins.
Segundo ele, o grupo quer marcar os 40 anos do Unamérica junto com os 40 anos do MST. “Começamos em lugares diferentes, com pessoas diferentes e propósitos diferentes. O poeta Caio Fernando Abreu dos disse que as linhas paralelas se encontram no infinito. É hora de comemorar, de festejar a chegança.”
Martins afirma a necessidade de compartilhar a satisfação da vitória, dividir esta alegria com os que construíram junto este momento e com os que nasceram no calor da luta. “Compartilhar sonhos e conquistas, terra, semente, fruta e a certeza de que a vida é sempre luta.”
Únicos no gênero
Com um estilo particular, as composições do Unamérica sempre foram influenciadas pelos vários momentos históricos e políticos da América Latina. Seu trabalho representa um catalisador de experiências que vêm dos festivais nativistas, somados com a música gaúcha e aspectos culturais da América Latina e do Brasil urbano e rural.
Em sua trajetória, gravou pela gravadora ACIT dois LPs e um CD. O primeiro lançado em 1989, denominado de Unamérica, traz canções como América Morena, Gaúchos Doidos, Paz Pra Nicarágua, Rosa Amarela, dentre outras. O segundo, lançado em 1992, com o título de Unamericando, apresenta as músicas inéditas Andante, Antes da Lua, Mulungu e Por Um Canto Apenas e composições consagradas da música popular brasileira e latino-americana como Pra Lennon e Mc Cartney, Trem do Pantanal, Guantanamera e El Condor Pasa.
:: Grupo Unamérica: Há 36 anos cantando a resistência da latinoamérica ::
Em 1998, foi lançado o CD Unamérica 15 Anos, com uma coletânea de seus melhores trabalhos. Em 2009 participou do CD Trovas da Pátria Grande, juntamente com músicos brasileiros, chilenos, uruguaios e cubanos. Em junho de 2017 foi lançado o CD Pássaro Poeta, com poemas do cubano Antônio Guerrero, musicados em parceria com Raul Ellwanger e Pedro Munhoz. Este CD conta com a participação de músicos brasileiros como: Pedrinho Figueiredo, Loma Pereira, Demétrio Xavier, Clary Costa, Galbo e Victor Batista, além dos músicos cubanos Vicente Feliú e Maurício Figueral e dos argentinos Gabo Sequera e Paula Ferré.
O trabalho mais recente é o Canções para Tempos de Cólera, gravado durante a pandemia da covid-19 e lançado com show no Ecarta Musical no dia 22 de janeiro de 2022. Esse álbum traz letras comprometidas com causas sociais e poéticas para enfrentar os tempos atuais. O álbum está disponível nas plataformas digitais com 12 músicas antigas e novas e arranjos que contam também com vários instrumentos de origem andina.
“O grupo Unamérica é o principal representante gaúcho do movimento de aproximação e unidade com os irmãos latino-americanos. Outros grupos vieram, mas 40 anos depois, é o único sobrevivente daqueles dias em que se pregava e acreditava na unidade latino-americana. Talvez mais do que nunca, essa unidade se faz indispensável”, analisa o crítico musical Juarez Fonseca.
Musicalidade e resistência
“O duo mantém seus princípios sem negociar. Acreditam na arte como ferramenta de construção e transformação”, define o compositor Pedro Munhoz.
Para Raul Ellwanger, com apenas dois integrantes, o Unamérica realiza uma música plena, variada, ampla, cheia de matizes e sabores, onde brilha a execução dos instrumentos de diferentes etnias e um trabalho vocal bem concebido e realizado.
Raul, Munhoz e o Unamérica produziram o CD Pássaro Poeta, lançado em 2017, sobre poemas do cubano Tony Guerrero. “Mais ainda esse trabalho nos uniu neste já longo sendeiro de americanidades”, resume Ellwanger.
Em quatro décadas de existência, o Unamérica, hoje formado por Dão Real e Zé Martins, transformou-se em uma referência com uma musicalidade original e universal que transporta pela história da música no Rio Grande do Sul para lugares e épocas de todo o continente. Se expressa por uma variedade de instrumentos como o charango, o quatro venezuelano, a zampoña e o bombo leguero.
“Quando surgiu o Unamérica, nos anos 1980, achei muito legal a ideia de um duo trazendo a música do Uruguai, Argentina, Peru e os instrumentos desses países. Me chamou a atenção o engajamento político enraizado numa canção popular, tradicional, brasileira e mundial que defende as causas sociais. Eles são únicos”, define o jornalista e crítico musical Gilmar Eitelwein.
Edição: Marcelo Ferreira