Criar trilhas de amorosidade, possibilidades do dialogar, de dizer não ao ódio e sim à solidariedade
A bela Florianópolis, Floripa para os íntimos, e a Escola Sul da CUT foram espaço de energia mística nos dias 1 e 2 de dezembro, com abertura e apoio da UFSC no dia 30/11, da Ciranda de Educação Popular, retomada e rearticulação do FREPOP, Fórum de Educação Popular. No final do conturbado e difícil 2023, as dezenas de participantes, militantes, educadoras e educadores populares de movimentos sociais e populares do campo e da cidade, de ONGs, de Pastorais, de Universidades de todo Brasil viveram não só dias de reencontro e abraços, mas, principalmente, de reflexão sobre o Brasil e o mundo, a paz, a democracia e o papel da educação popular freireana neste momento da história.
Houve importantes presenças governamentais do governo federal na Ciranda, detalhando suas propostas, participando das reflexões, ouvindo e dialogando: Pedro Vasconcelos, do Ministério da Cultura, Maria Rocineide, a Neidinha, do Ministério da Saúde, coordenadora do Articula PNEPS-SUS, Maria do Carmo Albuquerque, da Diretoria de Educação Popular da Secretaria Geral da Presidência da República, e Gilberto Carvalho, da Senaes, Secretaria Nacional de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego.
Márcio Cruz, principal organizador da Ciranda, apresentou a programação: “Alinhavando caminhos. Tecendo a nossa história na educação popular. Mapeando os espaços de participação popular no governo federal. Definir linhas de atuação e sua participação em políticas públicas.”
Eliane de Moura Martins, educadora popular da Escola Paulo Freire, fez uma síntese das ideias-força da Ciranda:
1. Disputa de projeto estratégico, partindo do concreto para a leitura da realidade. A disputa exige um desenho organizativo, como os Comitês Populares de Luta, os Conselhos.
2. A educação popular é ferramenta para uma estratégia maior. É preciso afiar as ferramentas, que muitas vezes estão aquém das necessidades do momento. Provocar o debate.
3. Como o novo entra em campo? Coletivamente, apropriar-se de um projeto de nação. As políticas públicas são instrumento. Os territórios servem de base de ação.
3. É preciso construir um conjunto de ideias-força no campo da formação, levando em conta o mundo da tecnologia. Um tema: produzir leitura profunda sobre o nosso país e nosso povo, a classe trabalhadora.
4. É necessário um mergulho profundo no Brasil e sua história, com leitura atualizada. Ter e construir uma Rede de educadoras e educadores, levando em conta a questão geracional, a juventude, a negritude.
5. Uma comunicação dialógica, ante as novas tecnologias. Cuidar da linguagem, para fazer a disputa de valores na sociedade, na perspectiva da esquerda, com muita mística, e uma sociedade do Bem Viver.
As avaliações de vários participantes da Ciranda traduzem o que ela significou individual e coletivamente.
Nas palavras de Salete Valesan, da CLACSO: “Encontrei pessoas amadas e essenciais para a minha existência. Gratidão por tudo que o dinheiro não compra e por tudo que ele paga também.”
Nas palavras de José Antonio Moroni, do INESC: “A Ciranda foi linda. Energia pura. Vamo que vamo!”
Escreveu Liana Borges, do Café com Paulo Freire e do CEAAL Brasil: “Gente de luta amorosa! Quantas trocas! Quantas aprendizagens! Quanto compromisso! Tudo isso porque temos muito amor pelo povo brasileiro. E entre nós. Obrigada por tudo. Obrigada por tanto!”
Disse Antenor Lima, animador da Ciranda e educador popular: “Esta Ciranda não é minha só, ela é de todas nós! É com esse sentimento e o coração recheado de esperança que estamos voltando para casa. Continuaremos de mãos dadas fazendo a ciranda da educação popular. Esperamos encontrar vocês na terra de Lia de Itamaracá. Venham cirandar em Pernambuco.”
Nas palavras do educador popular Luiz Sérgio: “Temos que aliar a beleza ao humor, muito a aprender com os pernambucanos de Suassuna (um Paraíba da porra!).”
Declarou Amujaci, da RECID PA: “Muito grata pelos momentos importantes e vivências. Retorno energizada e transbordando da certeza de que juntos estaremos nos fortalecendo e fortalecendo o governo na conquista de mais direitos e políticas públicas para o povo, executar os ODSs, defender a Amazônia e os direitos dos povos tradicionais. Nada sobre nós sem nós. As mulheres são como águas. Crescem quando se juntam.”
Para Raimunda, a Mundinha, da Enfoc/Contag e CEAAL: “Pessoal, grata pela partilha, pela linda construção, pelos abraços, afagos e afetos e, sobretudo, pela aposta nessa construção que promete fincar raízes Brasil afora. Márcio Cruz, foi um desafio bom embarcar nessa aventura com esse time de educadoras e educadores.”
A poetisa, educadora popular, militante sonhadora e anja da guarda Vera Dantas, a anja da guarda Verinha, da Abrasco e do Articula PNEPS-SUS, escreveu: “Seguem minhas contribuições à memória da nossa Ciranda. Reflexões sobre o escutado e vivenciado na Ciranda Nacional de Educação Popular.”
Verinha, em forma de poesia, fez uma síntese/resumo e inspiração do que foi a Ciranda na bela Floripa:
“Gente. Nesses tempos de encontros, reencontros, precisamos ser escutadoras, escutadores, lembrar de onde viemos sem esquecer quem somos, refletir sobre para onde caminhamos e para onde queremos caminhar.
Viemos de muitos lugares e da luta popular, do campo, da cidade, das florestas, das águas, do movimento sindical, da cultura popular, da saúde, da economia solidária, dos povos originários, da agricultura familiar. Somos educadoras e educadores populares, trabalhadoras e trabalhadores, cuidadoras e cuidadores, do povo, da vida, com a essencialidade do cuidar. Queremos seguir tecendo redes, teias, fluxos horizontais, acolhedores das diferenças, das singularidades. Queremos alcançar uma polifônica e polissêmica unidade, que se construa no cotidiano e possa acolher a diversidade do que somos, do que estamos sendo, da sonhação do vir-a-ser, aprendendo cotidianamente a aprender, a praticar o que diz e a falar do que faz.
Parece-nos imprescindível criar trilhas de amorosidade, possibilidades do dialogar, de dizer não ao ódio e sim à solidariedade, de reafirmar que a questão climática, ambiental não é de fora, periférica. Ela é ´central´ e nos faz refletir e buscar romper com as amarras do capitalismo e com a consciência que somos parte deste todo planetário.
Dizemos não aos imobilismos e nos movemos buscando enraizar o poder popular, lutando, aprendendo e ensinando no caminhar.
Estamos dispostas e dispostos a seguir em um permanente pensar, agir e refletir em percursos de formação que se fazem na ação, olhar para os desafios da institucionalização e repensar que retomar políticas públicas participativas, a exemplo do que vem tentando a PNEPS-SUS. É desafiador, mas importante ver que, ao ousar criar espaços plurais, problematizar é fundamental para enfrentar os desafios.
E seguimos a nos questionar: Como constituir ações processuais e não eventuais que permitam acolher os que na roda ainda vão entrar? Como superar a tendência ao saudosismo das décadas passadas, abrir brechas nos rolos do neoliberalismo, e tentar se contrapor à precarização, à desumanização dos atuais processos produtivos, fortalecer o empreendedorismo popular? Como reencantar, refazer, recriar e renovar as místicas e seus sentidos?
Necessário se faz também falar sobre as opressões, de processos iniciados e suas interrupções, de sustentabilidades que precisamos construir, de emergências e urgências na produção, recriação de novos modos de seguir, de possíveis alianças que improváveis pareciam, evidenciar intencionalidades, organizar temas que nos ajudam, orientam, guiam nas inusitadas trilhas de sermos sujeitos, sujeitas das política, de seguirmos nos mobilizando, animando, rebelando, tensionando, reconstruindo o que amplia e refaz nossa criticidade.
O que temos a fazer? O que mais temos a dizer? Como os agentes podem interagir? Promover diálogos entre si? Como resgatar momentos de escutação? Como olharmos para nós com nós e pensarmos sobre os comuns e os singulares? Como a violência enfrentar considerando suas determinações, pauta política, questão estrutural? Como não se render ao dado, ao usual? Como seguir buscando projetos que nos levem a vislumbrar a contra hegemonia e fortalecer a participação ativa e a democracia, que nos direcionem às possibilidades de construção do poder popular? Que nos apontem para romper a bolha e nos emancipar?
Sim, é importante que nos reconheçamos como memória viva e que o poder popular se constrói no território, na ação interativa, antirracista, antipatriarcal, anti-imperialista, e que nos questionem porque aqui estamos, quais os nossos compromissos, nossas contribuições? Qual o papel da Ciranda, como fazer ela girar? Como a juventude envolver? Como nos escutar em nossas manifestações? Como promover diálogos comunicacionais, inclusive nas redes sociais? Como desenharmos projetos que partam das concretudes dos territórios, para a disputa do ideológico? Nos damos conta que essa tarefa requer um desenho organizativo e metodológico, escolher bem as ferramentas frente a contextos tão diversos e complexo? Quais os modos de potencializá-las, reinventá-las freireanamente, fazendo-as se intercomunicar para alinhavar as trilhas e teias?
Temos dilemas, como não tê-los? Mas criamos contornos, vislumbres do vir-a-.ser. Pensamos em agentes populares. Quem são essas figuras? Qual o seu perfil? Que este não seja um retrato retocado, porque no território onde transita ele se reconfigura, se transfigura, e se refaz no seu diálogo, na cotidiana ação. E em coletivo se faz força, ajuda a gerar emancipação, ajuda as gentes a querer ser mais, e caminhar com as pernas das e dos que com elas e com eles ajudarão a produzir a maré cheia de mudanças.
Assim, cirandar é preciso. E como nos ensina o músico cearense Johnson Soares: Cirandar Cirandê, par e passo, nos teus braços rodar. Tu me ensinas que eu te ensino o caminho no caminho. Com tuas pernas as minhas pernas andam mais.”
ESPERANÇAR, na boa luta, com Formação na Ação, no cuidado com a Casa Comum e construindo a sociedade do Bem Viver, é o resumo da Ciranda de Educação popular acontecida na bela Florianópolis no final de 2023.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko