Defendo o indefensável na sociedade do espetáculo: a existência comum
Hoje escrevo em defesa do direito de fracassar. Quero defender o direito de ser apenas mais um no mundo e não ter que correr em busca de ser alguém especial, o melhor, o vencedor, o perfeito. Escrevo por todos aqueles que acordaram com preguiça de levantar, por aqueles que não querem ler o livro best seller, por aqueles que cansaram de sempre seguir as recomendações do que é uma dieta saudável e uma vida repleta de exercícios físicos.
Escrevo por aqueles que entenderam que se relacionar é fracassar, frustrar e decepcionar. Que por mais que o outro deseje o nosso melhor, a falha vem. Defendo o direito de falhar, de ser humano, de não entregar tudo aquilo que esperam de nós. Pelo direito de não ser um mero objeto para satisfazer o outro. De não ser o mais apaixonado, de nem sempre escrever cartas de amor, de não ser o mais carinhoso ou o mais disponível em todos os momentos.
Também escrevo pelo direito de decepcionar os pais. De não seguir os planos e ideais deles, de não corresponder a cada pedido e nem almejar o lugar do melhor filho do mundo. Pelo direito de não trabalhar com o que eles admiram, de não ter o corpo que eles perderam com o envelhecimento, de não agir como eles agiriam no seu lugar. Defendo o direito de não ser o melhor irmão, o melhor amigo da vida e aquele que compreenderá todas as singularidades do outro.
Defendo o direito de falar mais do que deveria, de às vezes pesar nas palavras, de saber que nem sempre acertaremos nos conselhos. O direito de fazer aquele comentário inconveniente, de às vezes ser mais ácido, de não ser exemplo.
Também quero defender o direito de falhar sexualmente. De não satisfazer o outro na cama, de não alcançar o título de melhor transa dos últimos tempos. Defendo o direito de um sexo casual e de não querer fazer malabarismos pornográficos na sala, na cozinha ou no banheiro do avião.
Defendo o direito de uma vida monótona, monogâmica, monossilábica, sem grandes produções monumentais. Defendo o direito de uma vidinha normal, sem espetacularização, sem necessidade de performar uma existência excepcional nas redes sociais, sem ser descolado, respirar arte, viver de forma subversiva e constantemente romper todos os estereótipos sociais.
Defendo o erro, a falha, o pouco, o menos, o tropeço, o fracasso, a perda, a falta, o vazio e o pecado. Defendo tudo aquilo que é humano e não máquina, tudo que nos provoca emoções que não remetem ao “sucesso de existir”. Defendo o indefensável na sociedade do espetáculo: a existência comum.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko