Os próximos passos a serem adotados na mobilização contra as profundas mudanças no modelo de gestão das escolas estaduais no Rio Grande do Sul, propostas pelo pacote de projetos do governador Eduardo Leite (PSDB), foram o tema central do encontro realizado na tarde desta quinta-feira (30), no Colégio Estadual Júlio de Castilhos, em Porto Alegre.
:: Projeto do governo Leite retira autonomia do Conselho de Educação ::
Organizada pelo 39º núcleo do Cpers Sindicato, a reunião que contou com a participação de dezenas de escolas da Capital esclareceu os principais pontos dos quatro Projetos de Lei e um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) encaminhados pelo Executivo em regime de urgência no dia 8 de novembro. As propostas trancam a pauta de votação da Assembleia Legislativa no 12 de dezembro, a menos de dez dias do recesso parlamentar, e podem ser votadas nessa data, ou antes ainda, na próxima quinta-feira (7).
A diretora-geral do 39º núcleo do Cpers, Neiva Lazzarotto destaca que uma das mais graves mudanças pretendidas pelo governador Eduardo Leite, pela secretária de Educação, Raquel Teixeira, e pelo presidente da Assembleia Legislativa, Vilmar Zanchin (MDB), é a municipalização dos anos iniciais do Ensino Fundamental, por meio da PEC e do Marco Legal da Educação. O tema está sendo debatido pelo 39º Núcleo com as escolas desde o 1º encontro de escolas, que ocorreu em 14 de setembro, com o objetivo de denunciar o retrocesso que a medida representa.
Segundo Neiva, os projetos abrem espaço para uma série de regulamentações que retiram a autonomia pedagógica e de gestão das escolas. Entre elas, estão a proibição de dirigentes sindicais como do Cpers concorrerem a cargos de diretores de escolas, e possibilidade de demissões em massa de professores e funcionários contratados, nos próximos anos.
“Esses projetos representam um novo ataque do governador contra a autonomia das escolas e a própria organização sindical dos professores e servidores de escola, visto que têm em sua essência, além da privatização do controle da educação, o propósito de desmobilizar a categoria e enfraquecer os sindicatos, que são uma linha de frente contra a destruição que o governador Eduardo Leite quer fazer na educação”, aponta Neiva.
A principal mudança, através da PEC, é autorizar uma “prefeiturização” do ensino fundamental. Além disso, algumas dessas alterações – que não constam de forma explícita na redação das propostas em um primeiro momento – poderiam ser feitas via decreto do governador e da própria Secretaria de Educação após a aprovação do projeto.
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O advogado e assessor jurídico do Cpers, Marcelo Fagundes, avalia que a gestão das escolas será prejudicada. “Isso abre caminho para decisões autoritárias que vão interferir diretamente na gestão do ensino e gerar prejuízos consideráveis na qualidade da educação gaúcha, que tem IDEB superior à rede municipal, ao longo dos próximos anos”, destacou Fagundes.
Outras alterações previstas pelos cinco projetos preveem mudanças na composição do Conselho Estadual, instituição de uma política estadual de Educação Profissional e Técnica (EPT) e mudança na administração das escolas da rede pública estadual, que poderá deixar de ser democrática.
Audiência pública na próxima segunda-feira
A presidente da Comissão de Educação, Cultura, Desporto, Ciência e Tecnologia da AL, deputada Sofia Cavedon (PT), esteve presente no encontro no Julinho para convocar os professores a participar da audiência pública que ocorre na próxima segunda-feira (4). O propósito é garantir o máximo de adesão possível de docentes para denunciar os métodos impositivos do governo do estado em implementar alterações no ensino.
A parlamentar, que acompanhou as discussões das conferências de educação ao longo de outubro e novembro, afirma que os projetos não foram nem pautados pelas reuniões e inclusive foram alvo de uma moção de repúdio questionando a legitimidade das propostas.
“Esses cinco projetos são tão audazes que eles chamam de ‘novo marco da educação gaúcha’, mas como se faz um novo marco quando a Conferência de Educação, que aconteceu em grande parte dos municípios ao longo de outubro e novembro, nem discutiu isso, inclusive com aprovação de moção de repúdio aos cinco projetos?”, questiona a parlamentar.
Para a deputada, o envio dos projetos de lei significa mais uma tentativa do governador em repassar a responsabilidade da gestão das escolas para as prefeituras e entidades privadas. Porém, como boa parte dos municípios gaúchos já enfrenta sérias dificuldades na administração de recursos para as suas redes municipais, as mudanças poderiam agravar ainda mais a situação. Ela lembrou ainda que o governo gaúcho investe 23,10% do orçamento na educação, abaixo dos 25% mínimos previstos constitucionalmente para o segmento.
Outra parlamentar que integra as mobilizações contra o pacote de mudanças é Luciana Genro (PSOL). Ela ressalta que é fundamental pressionar os deputados para a importância da rejeição à proposta, diante dos graves efeitos que ela vai gerar no futuro.
“Os deputados não estão nem um pouco preocupados com esses projetos para a educação e nós temos que reverter esse jogo. Precisamos mostrar o quanto esses projetos para a educação são nefastos porque o discurso que o governo vendeu para a sua base é que esses projetos vão melhorar a qualidade da educação, mas são promessas vãs que não vão acontecer, muito pelo contrário. A lógica da municipalização e da terceirização é um ataque à organização democrática das escolas”, afirma.
“Isso é uma tentativa de privatizar o ensino”
Uma das associações que também aderiu à luta pela rejeição aos projetos de Lei é a União das Associações de Moradores de Porto Alegre (Uampa). Ao comentar sobre a necessidade de mobilização, a vice-presidenta da entidade, Any Moraes, destacou a situação precária de algumas escolas municipais que precisam urgentemente de obras para garantir a segurança e produtividade dos alunos.
Ela afirma que, caso os projetos sejam aprovados, a tendência é existam ainda mais dificuldades para administrar os recursos e vagas disponíveis. Um dos exemplos de unidades que sofrem com problemas de infraestrutura é a Escola Municipal de Ensino Fundamental (E.M.E.F) Judith Macedo de Araújo, localizada no bairro São José.
“A gente sabe da dura realidade das escolas em Porto Alegre. A escola Judith Macedo, por exemplo, frequentemente cancela aulas porque a caixa d’água está interditada desde 2019, sendo que o Morro da Cruz tem problema crônico de falta de água. O déficit de vagas na Educação Infantil também é um problema grave, que afeta as mulheres e o desenvolvimento de nossas crianças. Isso é uma tentativa de privatizar o ensino”, afirma.
A agente educacional Maria Torii apontou que o projeto que altera a gestão democrática, também, reforça a discriminação dos Agentes Educacionais que conquistaram o direito a serem diretoras das escolas estaduais, desde que habilitados com curso na área da educação.
Para o professor Rui Guimarães, da Escola Estadual de Ensino Médio (E.E.E.M) Padre Reus, o pacote de projetos é uma vertente de uma política neoliberal que visa conceder a responsabilidade do ensino para entidades sem credenciais na educação. Além disso, segundo ele, abre margem para fraudes que visam aumentar o índice de avaliação nas escolas para obter uma posição melhor no ranqueamento geral das notas de alunos e garantir mais verbas.
“Isso foi tentado pelo governo de Yeda Crusius (PSDB) e a mobilização evitou na época. Também é o mesmo modelo aplicado nos EUA pelo governo de George W. Bush e deu errado, como relatado pela historiadora e ex-secretária de educação norte-americana Daiane Ravitch. Essa questão dos abusos das escolas melhor ranqueadas vai levar a uma disputa entre as escolas e gerar fraudes em notas de alunos, assim como aconteceu nos EUA. Por lá, pessoas foram presas por conta disso. Por aqui, podem ganhar uma medalha porque fariam a política do governo”, ironiza.
O Pacote da Educação
PEC 299/2023 – modifica os artigos 199, 211, 214, 215 e 216 da Constituição estadual e abre caminho para o processo de municipalização do Ensino Fundamental.
PLC 517/2023 – cria um marco legal para a educação do Estado, estabelecendo uma série de princípios, diretrizes e metas. Não define como será feita sua operacionalização.
PL 518/2023 – modifica a lei 9.672/1992, que trata da composição, do funcionamento e das atribuições do Conselho Estadual de Educação.
PL 519/2023 – altera a gestão nas escolas da rede pública estadual com mudanças na composição do conselho escolar, na autonomia financeira e no processo de seleção para diretores.
PL 520/2023 – institui a política estadual de Educação Profissional e Técnica (EPT), cria uma superintendência e estabelece as formas de oferta de EPT e do Curso Normal.
Edição: Marcelo Ferreira