Rio Grande do Sul

TRAGÉDIAS CLIMÁTICAS

Chuvas de novembro afetaram quase 700 mil pessoas no Rio Grande do Sul

Em audiência pública, especialistas defendem necessidade de alertas que se comuniquem efetivamente com a população

Brasil de Fato RS | Porto Alegre |
São Sebastião do Caí foi uma das cidades gaúchas atingidas pelos temporais recentes - Foto: Maurício Tonetto/Governo do RS

Quase 700 mil pessoas foram afetadas direta e indiretamente no Rio Grande do Sul em decorrência das chuvas intensas registradas desde 15 de novembro. Conforme o último balanço da Defesa Civil estadual, o número de atingidos saltou, nos últimos três dias, de 474.136 para 673.188 pessoas.

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A quantidade de municípios que reportaram danos e ocorrências aumentou de 208 para 221. Algumas cidades sinalizaram mais de um fato. A exemplo de Lajeado, que comunicou três ocorrências. Por isso, a lista contém, ao todo, 237 itens.

O número de pessoas em abrigos públicos caiu de 3.545 para 2.685. Na semana passada, chegou a mais de 28 mil o número de pessoas que tiveram que deixar suas casas.

No episódio de novembro, o RS registrou, associados às chuvas fortes, vendavais, enxurradas, inundações, soterramentos e uma microexplosão (uma intensa corrente de vento com poder destrutivo). Além de danos humanos, materiais e ambientais, houve prejuízos econômicos e sociais. A dimensão dos impactos sofridos varia de acordo com a situação de cada município.

Na sexta-feira (24), o governo do estado anunciou a ampliação das transferências fundo a fundo aos municípios afetados por eventos meteorológicos. De R$ 60 milhões, o valor inicial deve aumentar para R$ 110 milhões. A metodologia de repasses do Fundo Estadual da Defesa Civil diretamente para o Fundo Municipal foi estabelecida para desburocratizar o processo e garantir mais celeridade à reconstrução dos municípios.

O governo federal anunciou medidas para ajudar as pessoas atingidas pelas chuvas no estado. Em visita à Porto Alegre nesta sexta-feira (24), o ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Wellington Dias informou a liberação de R$ 104,14 milhões para ações do Plano Brasil Sem Fome, de combate à pobreza, de fortalecimento do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e de atendimento à população afetada pelas fortes chuvas.

As mudanças climáticas têm afetado a região Sul do país com períodos de estiagem e outros com fortes chuvas. Além da situação de emergência e calamidade, estes eventos extremos do clima causam insegurança alimentar na população. O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) repassou, nesta sexta-feira (24.11), R$ 104,14 milhões para o Rio Grande do Sul atender a população atingida.

Para municípios em situação de emergência ou estado de calamidade pública, o MDS adota medidas especiais para atender as famílias atingidas. Entre elas estão a unificação do calendário do Bolsa Família e garantia de facilidades para o saque do benefício; a antecipação de até duas parcelas do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que corresponde a um salário mínimo; o envio de cestas de alimentos; e destinação de recursos do Fomento Rural a produtores de baixa renda com perda no cultivo.

Especialistas debatem eventos climáticos extremos

Um time de especialistas em meteorologia e hidrologia se reuniu, na tarde desta segunda-feira (27), em audiência pública na Assembleia Legislativa do RS para tratar dos eventos climáticos que atingiram o estado. Durante quase três horas, representantes das principais instituições que atuam na produção de dados e monitoramento de clima, explicaram como funcionam os mecanismos disponíveis para prever e alertar a população sobre eventos de riscos

A audiência foi promovida pela Comissão de Segurança, Serviços Públicos e Modernização do Estado por iniciativa do deputado Miguel Rossetto (PT). “Nosso objetivo é acumular conhecimento para prever, preparar e proteger as comunidades para conviver com fenômenos que são globais e aqui têm se caraterizado por flutuações entre períodos de estiagem e inundações”, justificou o parlamentar.

A diretora do Departamento de Hidrologia do Serviço Geológico Brasileiro, empresa pública ligada ao Ministério das Minas e Energia, revelou que dos 17 sistemas de alerta existentes no país, três estão no Rio Grande do Sul, nos rios Caí, Taquari e Uruguai. Segundo Andréia Germano, o monitoramento permite verificar o aumento do nível das águas, prever o tempo de transbordamento e avisar as comunidades em risco com antecedência. “As previsões são feitas com antecedência, mas não estamos conseguindo fazer com que a sociedade nos escute”, lamentou.

El Niño

O coordenador do Distrito de Meteorologia de Porto Alegre, Marcelo Schneider, afirmou que as temperaturas mais altas que a média estão entre as principais causas da intensidade das chuvas que atingiram o estado. Nos últimos três meses, segundo ele, a Região Norte do RS registrou chuvas quatro vezes superiores à média histórica. Schneider revelou ainda que o El Niño deverá se estender até março de 2024, mas que a maior preocupação, nos próximos meses, é com a intensidade dos temporais.

A importância de uma cadeia de dados num momento de incertezas e mudança climática foi abordada pelo professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) Guilherme Fernandes Marques. “Ou a sociedade paga por um sistema de alerta ou pelos prejuízos. E isso numa proporção de R$ 600,00 para os danos por cada R$ 1,00 para a prevenção”, contabilizou.

“Poder Público em xeque”

A audiência foi acompanhada pela presidenta da comissão, Stela Farias (PT), e pelos deputados Adão Pretto Filho (PT) e Guilherme Pasin (PP). Todos ressaltaram a importância de a Assembleia Legislativa incorporar em sua agenda de debates o tema dos eventos climáticos extremos e de buscar alternativas para proteger a população e a economia do estado.

“Este é o nosso novo normal, que tem colocado o Poder Público em xeque. No verão, muitos municípios ficam sem água para o consumo humano. E agora, muitos não se recuperaram de uma inundação e já enfrentam outra”, apontou Stela.

O deputado Adão Pretto Filho reclamou da falta de investimentos na Defesa Civil e na educação ambiental no Rio Grande do Sul. “A legislação sobre educação ambiental do Rio Grande do Sul foi revogada em 2019. E o orçamento para o ano que vem destina apenas R$ 40 mil para a Defesa Civil”, criticou.

Já o deputado Guilherme Pasin ressaltou a necessidade de formação de uma “fonte de dados e de pesquisa potentes para orientar as decisões dos governantes”.

A audiência pública contou ainda com a participação secretários municipais do Meio Ambiente, engenheiros, urbanistas, vereadores e ambientalistas, que cobraram o respeito às atribuições dos comitês de bacias hidrográfica definidas em lei.


Edição: Marcelo Ferreira