Quando o governo militar, em pleno período de distensão, constitui a Trensurb ele respondeu com qualidade a uma severa crise urbana gerada por uma urbanização tardia e desordenada.
O Brasil urbano industrial com altas taxas de crescimento econômico, impôs uma saída para a crise de locomoção onde a exigência era implantar uma modalidade que fosse superior aos ônibus em qualidade e quantidade.
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Cloraldino Severo, ministro dos Transportes da época decidiu corretamente. Não perguntou para tecnocracia se a empresa seria lucrativa. Fez o que um governante deve fazer diante de uma crise estrutural. Implantou um sistema público para operar a mobilidade de Porto Alegre a Sapucaia. As grandes indústrias lindeiras ao trecho da Trensurb foram pesadamente beneficiadas com o subsídio público transferido da União para manter uma empresa que virou marca na região metropolitana.
O "Zurbe" redesenhou o espaço público, valorizou o tempo das pessoas, gerou riqueza e renda para proletários e camadas médias de comerciantes que se instalaram ao longo da linha para usufruir das demandas de milhares de pessoas durante o dia. As universidades, todas privadas, inclusive deram nomes para as estações. Os estudantes organizados em DCEs e CAs elogiavam em seus boletins os benefícios de um transporte público de qualidade e com energia limpa e renovável.
Os prefeitos (de todos os partidos), Câmaras de Vereadores dos municípios onde o trem presta serviço sempre recorreram a essa empresa pública para atendimento de demandas. E foram inúmeras obras públicas patrocinadas e em parcerias.
Em todos os estudos, que já foram realizados e os novos que serão feitos, é possível afirmar, com certeza, os benefícios e as externalidades (termo usual da área de transporte) foram e serão sempre superiores aos gastos orçamentários.
É imenso o aporte de recursos que a Trensurb investiu em saúde pública. Não é menor o investimento no ganho de tempo. E jamais poderá ser calculada a imensa contribuição ambiental que a Trensurb patrocinou em 40 anos de operação ao ecossistema. Metrô é Vida!
Privatizar essa empresa com uma narrativa simplória de que os cofres públicos não suportam os seus gastos, é no mínimo irracional. O que é insuportável é a sangria de recursos públicos direcionados para manter empresas de ônibus poluentes e mal administradas.
É prova dessa afirmação a situação falimentar das empresas operadas por associações empresariais privadas. Os dirigentes dessas empresas usam os prefeitos e vereadores para forçarem o governo federal a liberar recursos do orçamento público com objetivo de garantir margem de lucro.
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Atualizar tecnologicamente a Trensurb é correto. Melhorar a qualidade dos serviços e instalações internas nas estações é uma obrigação dos governantes, gestores e dirigentes comprometidos com cidadania plena.
Não é correto e é sobretudo uma irresponsabilidade conceder a Trensurb para a iniciativa privada. O setor empresarial não tem compromisso com a construção de cidades inclusivas, com equidade social. O lucro é seu objetivo obrigatório. Os fundos de investimento não usam a terminologia usuários, usam o conceito de clientes. E clientes precisam pagar se não pagar não andam.
O privado só amplia negócios ou faz obras se os recursos virem do orçamento público. O privado quer que o transporte seja uma atividade econômica lucrativa. A empresa pública tem o dever e a responsabilidade de promover o direito inalienável e constitucional de ir e vir sem ser cliente.
As empresas públicas precisam ser mantidas, melhoradas, fortalecidas e ampliadas, para garantir a cidadania plena. É fundamental que o sujeito seja usuário de serviços públicos que garantam o direito de usufruir da cidade de maneira gratuita e universal.
* Diretor da Fenametro e ex-presidente do Sindimetrô-RS.
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko