A história das mulheres seja do campo ou da cidade, entrelaçam-se em muitos pontos, seja no machismo diário, nas tentativas de silenciamento, o não direito sobre suas terras, sobre seus corpos. Esses entrelaçamentos também constrói a luta, como é o caso do Movimento de Mulheres Camponesas, que no último final de semana completou 40 anos.
:: Ao comemorar 40 anos de existência, Movimento de Mulheres Camponesas reforça sua luta ::
O Brasil de Fato RS conversou com militantes das cinco regiões do país sobre o que as levou ao movimento e às lutas que as atravessam em seus territórios. Em cada relato semelhanças nas trajetórias e também a esperança no futuro.
Região Norte
“Os que queimam, impunes, a morada ancestral, projetam no céu mapas sombrios: manchas da floresta calcinada, cicatrizes de rios que não renascem. (..) Quando tudo for deserto, o mundo ouvirá rugidos de fantasmas. E todos vão escutar, numa agonia seca, o eco. Não existirão mundos, novos ou velhos, nem passado ou futuro.” (O fim que se aproxima, de Milton Hatoum)
A região Norte é a maior região do Brasil em extensão territorial e envolve sete estados brasileiros: Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Com cerca de 15.864.454 habitantes, a região responde por 8% do povo brasileiro. Pulmão do país, é marcada pela luta contra o agronegócio que quer dominar o território.
Com 56 anos de idade, Maria Rosângela Saraiva, mais conhecida como Rosa, tem 22 anos dedicados a causa da mulher camponesa no estado do Acre. A luta do MMC no Acre tem início por volta de 1988.
Mãe de três filhos, duas mulheres, uma cursando Medicina e outra professora, e um menino, Rosa comenta que seus filhos participam muito pouco do movimento, contudo suas duas netas, de 16 e 14 anos estão imersas, vestem a camiseta, participam das místicas e tudo mais.
Ela relata que o que a levou ao movimento foram as dificuldades no campo e o machismo muito forte. “Onde eu morava as mulheres não tinham o direto de se associar a não ser que fosse viúva e ficasse como proprietária daquela colônia porque antes era no nome do homem. Quando o homem falecia ela podia se associar, fora isso não. A outra situação não podia votar, dar opinião, era uma opressão muito forte.”
Foi a opressão que fez com que mulheres da comunidade começassem a se organizar, criar o primeiro grupo de mulheres, depois a primeira associação de mulheres. Com esse grupo as mulheres começaram a participar de reuniões pela Rede Acreana, CPT, até se chegar na articulação estadual do movimento de mulheres de trabalhadoras rurais que posteriormente levou o nome de Movimento de Mulheres Camponesas.
“Então o que me levou a militar foi a pressão do machismo, patriarcado, do não poder falar. Quando vinha grupos de fora vinham algumas mulheres trazendo essa questão da discussão da mulher, foi a partir daí que as portas vão se abrindo, vai tendo espaço, saindo daqui e indo para a cidade participar de alguns espaços. Onde eu morava não se ouvia falar disso, de grupo de mulher.”
Rosa pontua que o machismo ainda é muito forte. “Ainda tem muitas mulheres submissas, naquela cultura que acha que eu tenho que obedecer, eu fui criada pro fogão, eu fui criada pra parir. Isso é muito forte ainda na nossa região, infelizmente. A gente sabe que já avançou bastante, temos muitas mulheres que conseguem já sair de casa, dizer não, já conseguem esse enfrentamento, mas ainda é um problema muito forte na nossa região.”
Ao falar da luta das mulheres camponesas na região, Rosa afirma que é um movimento que apresenta muita dificuldade na luta, por ter poucos movimentos sociais da Via Campesina. “Com a tecnologia as coisas já mudaram bastante, mas antigamente devido também a questão geográfica, dificuldade de deslocamento, distanciamento, é uma luta muito difícil. Então a gente vem numa batalha muito longa, e que graças a Deus agora a gente vê que os frutos já estão bem férteis.”
Em suas mais de duas décadas no movimento, Rosa destaca que ao longo desses anos se percebeu que a mulher conseguiu, na maioria das vezes, na questão do enfrentamento à violência, se libertar, ter a sua autonomia financeira, através da produção agroecológica, da semente crioula.
“Dessa consciência toda. A gente sabe que não é fácil, mas a gente vê os avanços se concretizando. Os nossos direitos previdenciários que são uma conquista também, isso tem ajudado muito nesses enfrentamentos na questão da mulher.”
Desmatamento
Um dos gargalos que recai sobre a região diz respeito ao desmatamento. De acordo com o MapBiomas a região concentra 78% do desmatamento total do território nacional. Desde o início deste ano, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento na Amazônia diminuiu 42,5% entre janeiro e julho deste ano, em comparação com o mesmo período do ano passado.
Sobre isso, Rosa expõe que as mulheres camponesas estão atuando no enfrentamento ao agronegócio. “Na Amazônia, agora ele está muito forte, as consequências já são bem claras. Hoje a gente vê a Amazônia seca, nossos rios, nossos igarapés estão todos secos. A nossa produção, nós estamos com dificuldade de levar os produtos para feira, porque infelizmente essa questão climática, ela atingiu todo o mundo, e quem acha que a região Norte é uma região de muita água, muita abundância, fique sabendo que agora lá nós também estamos enfrentando o problema da seca.”
De acordo com a militante, o agronegócio atinge de todas as formas, a questão da natureza, a questão do corpo. “Ele chega agredindo. E o difícil é que ele tem total apoio do governo, e nos desamparam, enquanto camponeses nós somos desamparados. É uma luta desigual, mas nós como mulheres resistentes que somos, nós estamos lá resistindo, vamos continuar resistindo, vamos continuar lutando. Infelizmente o agronegócio está avançando, nós temos que parar ele."
Para ela, para parar com o agronegócio é com luta, organização, unidade, juntando as mãos, porque o problema da Amazônia não é um problema só das mulheres da Amazônia, é um problema do Brasil, é um problema do mundo. “A Amazônia é o pulmão do mundo.”
“O recado que eu deixo é um recado de gratidão as que iniciaram essa luta por nós, de alegria por saber que valeu a pena e que nós estamos aqui dando continuidade a essa luta. E também de esperança, porque a gente sabe que a luta continua, que a semente está plantada, está germinando. Hoje a gente vê essas crianças todas empoderadas já começando a caminhar na luta. Isso é o esperançar da gente poder saber que o bem viver está vindo, está frutificando.”
Região Nordeste
“Quanto mais sou nordestino, mais tenho orgulho de ser / Da minha cabeça chata, do meu sotaque arrastado / Do nosso solo rachado, dessa gente maltratada / Quase sempre injustiçada, acostumada a sofrer / Mais mesmo nesse padecer eu sou feliz desde menino / Quanto mais sou nordestino, mais orgulho tenho de ser.” (Ser nordestino - Bráulio Bessa)
A região Nordeste é formada por nove estados litorâneos e ocupa uma área de 1.558.291,607 km2, o equivalente a 18,27% do território brasileiro. A região é um local marcado pela ausência de políticas públicas e, como acontece em todo lugar, são as mulheres as maiores atingidas. No Nordeste o MMC está organizado nos seguintes estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Ceará e Maranhão.
Guiomar de Souza Cavalcante, 56 anos, é moradora do estado da Bahia, na cidade de Tabocas do Brejo. Guiomar conta que ela foi para o movimento após passar por uma experiência na Romaria da Terra em Bom Jesus da Lapa, em 1986. A partir dali as mulheres começaram a se organizar e formar o movimento de mulheres na região.
Mão de dois filhos, um de 32 anos e a menina com 29; os dois estão no movimento sendo que filha fez Medicina na Venezuela pelo movimento. Ela conta que a vida das mulheres camponesas no Nordeste é desafiadora uma vez que se precisa produzir para alimentar sua família, trabalho que depende da água. De acordo com ela o programa ASA (Articulação Semiarido brasileiro), por meio das cisternas tem ofertado o mineral que tem ajudado as mulheres no trabalho com a terra.
“A luta das mulheres campesinas no Nordeste, ela é tão imensa, tão grande. A luta ao auxílio doença, a luta pela aposentadoria da mulher com 55 anos, a mulher lavradora. A luta por ter água. A luta das mulheres pela documentação. Tudo isso foi através da organização das mulheres, e que nos proporcionou essas conquistas.”
Luta pela garantia de direitos, luta pela terra
Sobre os principais desafios para as mulheres na região está a luta pela saúde, pelo SUS. “Eu fui uma das que já lutei pelo Sistema Único de Saúde no Conselho Municipal, nas conferências estaduais e nacional. Hoje ainda é um desafio ter a garantia e a qualidade da saúde, porque ainda é uma demanda, é uma espera. Mesmo assim é uma conquista grande, mas é um desafio. Assim como a luta pela aposentadoria também é um desafio, porque todos os dias tem ameaça, todos os dias a gente precisa lutar para continuar garantindo muitos desses direitos.”
Guiomar também destaca a luta pela terra, a luta pela sobrevivência na terra. “A luta para defender o Cerrado, defender o bioma, defender as águas e as florestas. São muitos desafios que nós mulheres, principalmente nós do Nordeste, do serrado baiano, que hoje é uma ameaça. Então a gente luta sempre, todos os dias.”
Segundo o mais recente Relatório Anual de Desmatamento (RAD), do MapBiomas, a Amazônia e o Cerrado juntos respondem por 70,4% dos alertas e 90,1% da área desmatada em 2022. Embora o Cerrado tenha uma participação de apenas 8,3% no número total de alertas, a área total desmatada representa quase um terço da vegetação natural suprimida no país (32,1%) no ano passado devido ao tamanho dos alertas.
Em termos de área, os maiores aumentos ocorreram na Amazônia (incremento de 190.433 ha) e no Cerrado (incremento de 156.871 ha). Em termos proporcionais, os maiores aumentos ocorreram no Cerrado (31,2%) e no Pampa (27,2%).
“Nós só sobrevivemos se tivermos a terra produzindo, produzir sem agrotóxicos, com qualidade, um produto que você produz e sabe de onde vem é a garantia da vida. E essa é a luta das mulheres camponesas também.”
Machismo
De acordo com Guiomar, o machismo na região ainda é muito decepcionante. “O dia que eu estava fazendo o encontro territorial da bacia do corrente, nós estávamos com feminicídio no meu município. Então saber que a mulher ainda vive violências, ameaças, esse é um outro desafio, e a mulher entender que ela precisa denunciar, que ela precisa reclamar, que ela precisa expor uma dificuldade. A luta das mulheres contra a violência é um dos grandes desafios.”
O machismo, ressalta, se estende a cada dia, todo dia uma ameaça. “A luta pela vida, a luta contra a violência, a luta pela paz, a luta pela sobrevivência também dos nossos filhos, das nossas filhas, LGBT, nossos filhos gays, nosso filho que decidiu ter uma outra orientação sexual, e a gente precisa estar aberto para discutir, para apoiar, para enfrentar, porque é uma luta diária.”
Região Centro-Oeste
“Plantemos a roça / Lavremos a gleba / Cuidemos do ninho / do gado e da tulha / Fartura teremos / e donos de sítio / felizes seremos.” (Cora Coralina)
O Centro-Oeste se consolidou na última eleição (2022) como a região mais bolsonarista do país. No Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, todos os candidatos a governador ou senador eleitos neste primeiro turno tinham ou já tiveram alguma relação política com o presidente Jair Bolsonaro (PL).
Terezinha Pereira da Silva, do Mato Grosso do Sul, começou no movimento entre os anos 1984/85. Oriunda da Pastoral da Juventude rural, Terezinha conta que a entidade trabalhava em parceria com o MMC na documentação das mulheres da região.
Com 57 anos, ela entrou para o movimento devido a necessidade de dar voz às mulheres camponesas. “Os nossos gritos na roça, a mulher não podendo ser titular da propriedade, começando lá com a juventude. No passado a juventude não podia nem pegar a terra, porque era só o pai, não tinha nada legalizado em lei que favorecesse o jovem a pegar a terra. Então já começou uma luta ali. A mulher não poderia assumir, era sempre por conta do homem. A gente conseguiu hoje uns assentamentos praticamente todos estão no nome da mulher, ela é titular, isso foi uma conquista. A saúde, a aposentadoria aos 55 anos, isso nos foi envolvendo, e esse amor, a gente não está aí por estar, a gente está por causa da necessidade, porque a gente precisa avançar nessa conquista dos direitos da mulher.”
A filha de Terezinha, militante do movimento, tem a mesma idade de quando a mãe começou na mobilização social, 14 anos. “Eu fico muito feliz da minha filha estar podendo participar do evento de comemoração dos 40 anos. Ela está fazendo parte do coletivo de comunicação, e lá no estado também está iniciando agora junto com a gente, e é uma coisa que tá vindo dela, então eu acredito que é o resultado dessa luta.”
Onde o boi prevalece
“A vida das nossas agricultoras no Centro-Oeste, especificamente no Mato Grosso do Sul, é de muito desafio, nós somos de um estado aonde o boi prevalece, onde o boi tem mais valor. A agricultura familiar no decorrer desses 40 anos, a gente sofreu muitos desafios assim como os outros estados, mas a gente resistiu, e por isso a gente tá gritando aqui
nessa luta.”
Conforme ressalta a militante, o Mato Grosso do Sul é o estado da burguesia, não tendo sido fácil a conquista da terra. “O Mato Grosso do Sul tem 78 municípios. Por exemplo, eu sou de uma região aonde a reforma agrária avançou em alguns anos e regrediu em outros.”
Na luta pela terra, ela destaca a cidade de Itaquiraí que hoje tem 15 assentamentos, sendo o Iamarati, em Ponta Porã, o maior assentamento da América Latina. “Não é por acaso, é porque é um dos estados onde foi sempre concentrada a burguesia, os fazendeiros. Então você sabe que isso, a partilha da terra, hoje é que faz a diferença. Se a gente tem a agroecologia, a agrofloresta, os orgânicos avançando, é fruto dessa luta.”
Moradora em uma propriedade agroecológica, Terezinha pontua que todos os produtos são certificados. “Eu faço parte da cooperativa, associação dos produtores orgânicos do estado do Mato Grosso do Sul, eu faço parte da direção também, e são os resultados desse caminhar desses 40 anos também de luta, de conquista, mas o desafio ainda é grande e nós temos muito que avançar enquanto mulheres trabalhadoras rurais.”
Machismo
“O machismo lá no Mato Grosso do Sul, especificamente na nossa região, é grande ainda, principalmente pelo fato da gente ser pobre, agricultora, são vários preconceitos em cima de nós trabalhadoras rurais. Mas como a gente fala, o desafio é grande, mas a gente vai se desafiando aos poucos a essa conquista e se colocando na luta. É isso que vai nos dando força, é isso que a gente vai conquistando nos espaços, e acho que o machismo é as mulheres não estar nos seus espaços como presidente de cooperativa, como presidente de associações, mas aos poucos a gente está avançando nisso. E eu sou do município onde é a terra da Dorcelina (Folador), uma prefeita que foi assassinada por ser pobre, por ser militante dos sem-terra, e isso mexeu muito com nós, e nos motivou cada vez mais ir pra luta. É uma luta eu diria global. Temos que pensar global para agir localmente.”
Região Sudeste
“Quando nasci um anjo esbelto, desses que tocam trombeta, anunciou: vai carregar bandeira. Cargo muito pesado pra mulher, esta espécie ainda envergonhada. Aceito os subterfúgios que me cabem, sem precisar mentir. (...) Minha tristeza não tem pedigree, já a minha vontade de alegria, sua raiz vai ao meu mil avô. Vai ser coxo na vida é maldição pra homem. Mulher é desdobrável. Eu sou.” (Adélia Prado)
Considerada a região mais rica do país, o Sudeste concentra as principais cidades e atividades econômicas do Brasil. Composta por quatro estados, Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo (SP), a região também é a mais povoada, e ocupa 10,85% do território brasileiro.
Vinda da Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, aos 69 anos, é militante desde o final da década de 1970, quando o sindicato de trabalhadores rurais começou a pensar e fazer uma formação específica para as mulheres.
Mãe de três filhos, sete netos e uma bisneta, Angelina Pereira Carvalho criou os filhos no movimento, no sindicato, nos atos públicos. “A minha filha hoje é tesoureira da associação do município que ela mora”, comenta.
Hoje, com cabelos brancos e curtos, Angelina, que começou a se mobilizar aos 14 anos dentro da Igreja Católica, nas Comunidades Eclesiais de Base, conta que o que a trouxe ao movimento foi ver tanta injustiça, especialmente em relação às mulheres.
“Minha mãe era uma revolucionária nata, e ela sempre dizia: de baixo de pé de homem eu não vivo, e não quero que minhas filhas vivam. Antigamente os pais que procuravam os maridos para as filhas, e isso eu nunca concordei, nunca achei certo. Sempre pensei: a gente não tem o direito de procurar, de amar quem a gente quer? Eu tenho primos que foram casados assim, e isso foi me despertando”, conta.
Além disso, acrescenta a militante, "o homem tinha direito de tocar um instrumento, violão, a sanfona, a mulher não tinha, isso era coisa de homem. Mas na hora de trabalhar, de ir pra roça, é coisa de mulher e de homem, não tem diferença. E porque que nos outros momentos tem o específico dos homens? A mulher trabalha na roça o tempo todo com o homem, quando chega em casa ainda tem que trabalhar e o homem não tem direito de ajudar a mulher, de trabalhar também em casa, lavar o prato dele, a roupa dele. Isso que me despertou. Se tem uma maneira de a gente combater essas injustiças, eu tô junto”, exclama.
Ao comentar a realidade da mulher camponesa do Sudeste, Angelina pontua que não é diferente de todas as outras partes do Brasil. “Ainda é preciso muita luta, apesar da gente já ter várias conquistas dentro desses tantos anos de movimento. Ainda precisa de uma organização, unificação das mulheres em nível nacional principalmente, para gente combater um dos maiores problemas que existe que é a violência contra a mulher. É o principal, para que as mulheres tenham liberdade, tenham seus direitos de viver com dignidade, da maneira que quer, com quem ela quiser, vestir a roupa que interessar, que quiser, não ser taxada como dona de ninguém.”
Sobre o machismo, ela também acredita que não seja diferente do resto do país. Apesar dos avanços na região, pontua, ele segue forte. “Até dentro dos movimentos sociais que a gente convive, de partidos, a gente ainda luta muito. Tem que estar lutando muito, mesmo que se tenha a lei de cotas de mulher, a paridade, os homens ainda se acham mais inteligentes do que as mulheres. E faz besteira, inclusive a besteira que faz é tentar desqualificar as mulheres nos encontros, nas decisões.”
Conquistas e futuro
“O que evoluiu nesses 40 anos foi a nível de Brasil mesmo, a gente conquistou muito espaço. A gente conquistou muita coisa, porque antigamente na década de 1980 e 1990, a gente teve uma luta muito grande por direitos das mulheres.”
Ela recorda que, na década de 1990, cerca de 1500 mulheres foram até Brasília para reivindicar, pressionar os deputados federais e senadores a votar na Previdência, a lei para as mulheres rurais se aposentar com 55 anos e o homem com 60. “Quando a gente conquistou, que foi legalizada a lei, a gente encontrou outro obstáculo, que é as mulheres não tinham documentação. Ai o movimento de mulheres entrou na luta pela documentação.”
Como exemplo ela cita o caso das mulheres na Região Amazônica, onde elas não se identificavam como seringueiras como nas outras partes do Brasil. “Elas não se identificavam com documentação como produtoras rurais, era do lar, era doméstica, e na lei não existe esse direito de dona do lar, não existe a profissão de dona do lar e doméstica.”
Diante disso, mulheres do movimento foram até a região para conscientizar as mulheres que era o momento delas fazerem a documentação, ter orgulho em dizer: sou produtora rural. “Isso foi uma conquista, porque hoje as mulheres se encorajaram em dizer que a gente é produtora rural, tem toda sua documentação como produtora rural. Exigiu que o Incra colocasse as mulheres também. E hoje nós temos o documento direcionado para as mulheres, principalmente as mães solo, que têm várias prioridades. Então esse foi um avanço que a gente teve, de conscientizar as mulheres e conscientizar os que se dizem administradores do nosso país, de respeitar as mulheres e seus direitos.”
Sobre o futuro, Angelina sorri com esperança ao ver jovens e crianças mobilizados. “A gente continua no movimento, mas já preparando os jovens. Nós temos, graças a Deus, no movimento bastante jovens, e estão vindo as crianças já educadas pra que continuem na luta, porque direitos só se conquistam com luta.”
Região Sul
“Sou a bombacha de santo, sou o churrasco de Ogum. Entre os filhos desta terra naturalmente sou um. Sou o trabalho e a luta, suor e sangue de quem nas entranhas desta terra nutre raízes também”. (Oliveira Silveira)
Menor das cinco regiões do país, com área territorial de 576 774,31 km², a região Sul é a segunda mais povoada do país. Formada por três estados – Paraná (PR), Santa Catarina (SC) e Rio Grande do Sul (RS), a região ocupa 6,76% do território brasileiro.
Adriana Mezzadri, 45 anos, moradora da cidade de Charrua, região Noroeste do Rio Grande do Sul, está desde seus 14 anos anos militando no movimento. Assim com muitas outras mulheres o que a levou ao MMC foi perceber que era mulher e que podia ter direitos. “Eu era um ser humano de direito, que eu podia ver um mundo diferente, que eu não precisava só estar dentro de casa.”
Mãe de três filhos, ela pontua que começou a participar, na adolescência, das lutas pelos direitos ao salário maternidade e à saúde pública – que deveria ser um "direito de todos e dever do Estado". Assim como por igualdade. “Há anos atrás, e hoje também, como a mulher dirigir, ir a certos lugares em determinados horários, ou querer estudar, era e continua sendo, em diferentes momentos, há questionamentos por ser mulher.”
A luta pela terra
Na questão da luta pela terra, Adriana destaca que só 19% de mulheres têm a terra em seu nome, por mais que se tenha avançado na questão da reforma agrária. Para ela, o machismo e o patriarcado podem ser vistos nessa questão da terra. “Por exemplo, se tu pegar de herança, poucas mulheres têm acesso à terra por essa via, a maioria fica com os homens.”
Conforme enfatiza, a luta pela terra, pelo território são importantes, ainda mais se levar em conta a questão do agronegócio, as transnacionais. “O agro, o hidro, o minério têm tomado bastante espaço no nosso território, e bastante recursos financeiros, ambientais, sociais, o que causa um grande impacto. A nossa luta pela soberania alimentar, pela alimentação saudável, pela reforma agrária popular, com certeza tem muito a ver com ter acesso também à terra, poder produzir alimentos saudáveis.”
Efeitos do clima
O Sul do país foi atingido desde o segundo semestre deste ano por catástrofes climáticas, em especial as enchentes no Rio Grande do Sul, diferente do quadro que tem se observado na Região Amazônica.
Esse efeito climático, afirma Adriana, tem afetado drasticamente a agricultura e produção local daqueles que se dedicam ao campo. “Nós viemos de dois anos de seca, onde a produção de alimentos para consumo foi bastante comprometida. E agora com esse excesso de chuva também, quando se consegue plantar, as plantas não se desenvolvem. Isso também nos atinge de forma cruel, porque tem produtos, alimentos, que se a gente não produz, a gente acaba não tendo condições de comprar para agregar na alimentação”, expõe.
Em sua avaliação esse desequilíbrio ambiental tem a ver com o modelo de desenvolvimento, que não respeita a vida das pessoas, não respeita a vida da natureza, a vida do planeta. "Nós dizemos na Via Campesina que só os camponeses que vão conseguir esfriar o mundo, com a distribuição da terra, com a reforma agrária, com a produção de alimentos saudáveis, a soberania alimentar pra todos os povos.”
Para ela, o que diferencia a mulher do Sul para outras regiões é a situação de vida e a questão ambiental. “O desafio de construção acaba sendo bastante parecido, às vezes do acesso à educação, com a luta para criamos uma universidade federal, nas outras regiões eu não sei de notícia que tenha outra. Tem vários desafios que continuam. Por exemplo, na Amazônia, quem diria que teria uma seca nesse momento? A disputa do território ela se dá muito na Região Amazônica, no Nordeste, por toda essa questão da seca que eles convivem o tempo inteiro, como produzir alimentos sem acesso à água, sem acesso à terra, é bastante desafiador”, pontua.
Machismo
“A questão do machismo perpassa o conjunto, nós vivemos em um momento que o fascismo, o conservadorismo ganha muita força. Então coisas que nós ouvíamos lá nos anos 1980, nós voltamos a ouvir agora, que o nosso lugar não é na rua, é em casa. O nosso lugar é onde a gente quiser, construindo a luta popular, construindo a luta com política pública, é onde a gente quiser. A gente organizada afirma esse processo e demonstra pra sociedade que é possível.”
Conquistas
Nas quatro décadas de movimento, Adriana destaca como uma grande conquista a conscientização de direitos das mulheres. “De ser um ser humano de direitos, de perceber que não precisa viver com violência, de lutar contra um modelo concebido. E também de construir a organização de base, autônoma, e aí construindo com o conjunto da classe trabalhadora, a construção da unidade de uma sociedade. A gente sabe que se as mulheres se libertarem e libertarem a classe trabalhadora, não vai acontecer o capitalismo. Nós podemos transformar a sociedade, e no dia a dia nós podemos construir essa transformação.”
Para ela o grande desafio é continuar se organizando, construindo organização das suas diversas formas, e trazendo informação de consciência, disputando o coração e a mente de todos, todas e todes.
Edição: Katia Marko