Se apaixonar, por mais difícil que seja, é perder o controle e se sentir sim mais vulnerável
Pedro é considerado por muitos como um homem cativante. Ele mantém uma rotina controlada: acorda pontualmente às 7 horas, corre até as 8, lê enquanto toma o café da manhã até as 9. Sempre com a roupa alinhada, banho tomado, chega às 10 horas no trabalho. No retorno para casa, ele vai para a academia, treina até o início da noite e, em seguida, vai para a faculdade. Ele se vê como um sujeito exemplar.
Tudo em sua vida parece impecável até o momento em que ele se apaixona. Pedro começa a sentir insegurança, acorda angustiado e exige coisas demais do seu amor. Ele se estranha, se depara com um Pedro que até então não conhecia. A insônia se instala, sua vontade de correr diminui, ele começa a se atrasar para o trabalho e falta às aulas. Pedro se sente frágil e considera que estaria sofrendo menos se estivesse sozinho. Ele sabe que ele não estaria mais feliz, mas lidando com menos conflitos. Em um impulso, termina o relacionamento.
Com o tempo, supera a dor do término e estabelece uma nova rotina. E então se apaixona novamente. Mais uma vez perde o controle. Algo insuportável para alguém tão metódico. A história se repete, mudam apenas alguns personagens. Pedro mergulha novamente no caos. E o amor, bem, o amor é caótico mesmo.
Crescemos ouvindo que amor é sinônimo apenas de paz, felicidade e completude. Não, o amor também é falta, é um encontro turbulento com o desejo, é lidar com a frustração de que o outro nunca será exatamente como idealizamos. O amor nos coloca na linha de frente do sofrimento, como menciona o filósofo Luiz Felipe Pondé. O outro nos afeta, nos gera emoções. Evoca a ambivalência que nos constitui. E não é justamente o ser amado quem mais nos desestabiliza?
Como diz a psicanalista Ana Suy em uma entrevista chamada “É paixão ou ansiedade? do podcast “Bom dia, óbvios”, a paixão, assim como a ansiedade, é urgência. Falta de ar, coração acelerado, inquietação. Ambos os sentimentos se entrelaçam. A paixão não sabe esperar, flerta com a angústia, com a pressa. Há uma dificuldade de suportar a ausência. Os intervalos se tornam intoleráveis. O medo de perder o ser amado faz parte da experiência amorosa. Buscamos a completude e toda falta nos coloca em um estado de desamparo que remete à uma situação primitiva.
Amamos a partir de um lugar infantil, de carência, de fragilidade. É na infância que construímos nossas bases de relacionamento, exatamente quando estamos mais desamparados e necessitamos da presença do outro.
É na vida adulta que precisamos ressignificar tudo isso. Pedro e todos nós precisamos lembrar que amor saudável vive de diálogo. E que se apaixonar, por mais difícil que seja, é perder o controle e se sentir sim mais vulnerável. E é crucial lembrar que sobrevivemos, mesmo sofrendo, na ausência do outro.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko