Rio Grande do Sul

MUNDO DO TRABALHO

Trabalho feminino: invisível e desvalorizado!

Para a Enfermagem, a luta tem sido muito mais árdua do que em outras categorias majoritariamente masculinas

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"A origem da Enfermagem está associada ao cuidado com outras pessoas, da mesma forma que o trabalho no lar e o magistério" - Tony Oliveira/Agência Brasília

O tema da redação do Enem 2023 abordou um assunto muito importante: a invisibilidade do trabalho feminino dentro de casa. Um tema fundamental, pois historicamente o cuidado das mulheres com a casa e a família não são valorizados na nossa sociedade.   

:: Profissionais da enfermagem de BH podem receber piso salarial em novembro ::

Mas há também outros espaços importantes de invisibilidade do trabalho da mulher. Categorias de trabalho eminentemente femininas, que não são valorizadas, como a Enfermagem e a Educação, por exemplo.  

Na Enfermagem, somos 2,9 milhões em todo o país. Só no RS, são cerca de 150 mil profissionais. Destes, a imensa maioria é feminina, em torno de 85,1% conforme a última edição da pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil, realizada pela Fiocruz, em parceria com o Cofen. E muitas dessas mulheres são negras e em situação socioeconômica menos favorecida, tendo de sustentar suas famílias com o salário da Enfermagem.  

A origem da Enfermagem está associada ao cuidado com outras pessoas, da mesma forma que o trabalho no lar e o magistério. Por essa razão, foi se consolidando ao longo dos tempos a falsa ideia de uma espécie de sacerdócio, muitas vezes associando a imagem das profissionais da Enfermagem a “anjos”.  

Mas as profissionais da Enfermagem não são anjos. Têm, sim, a missão de cuidar de outras pessoas no cerne de sua atividade, mas são profissionais que estudam para acumular uma série de conhecimentos técnicos para exercer seu ofício. E precisam ser remuneradas dignamente por conta dessa qualificação e dedicação.  

A pandemia mostrou o trabalho fundamental da Enfermagem e tornou um pouco mais visível a profissão. Sem essa categoria profissional - que esteve na linha de frente do cuidado dos infectados e na aplicação das vacinas para prevenção da população - o quadro poderia ter sido infinitamente pior do que já foi. Muitas profissionais da Enfermagem adoeceram e pagaram com a própria vida, levando o vírus também para seus lares e comunidades. Os aplausos de vários segmentos da sociedade vieram. Mas a valorização efetiva, não.  

Todos os empasses gerados nos últimos anos para a implementação do Piso Salarial da Enfermagem têm raízes econômicas, envolvendo a má gestão de recursos públicos e privados da saúde. Mas escondem também a falta de interesse de gestores desses serviços em valorizar o trabalho feminino na Enfermagem.  

Para a Enfermagem, a luta tem sido muito mais árdua do que em outras categorias vistas como mais importantes e majoritariamente masculinas. Só para ter uma ideia, fomos a única categoria que teve de apresentar um estudo sobre as fontes de financiamento para a implementação do piso salarial.  

Vale destacar que a valorização da atuação feminina na enfermagem vai além do piso salarial. Passa também por jornada de trabalho de 30h, como preconiza a Organização Mundial da Saúde, e pela criação de espaços dignos de descanso nos locais de trabalho. Hoje, as mulheres da Enfermagem muitas vezes fazem seus intervalos em locais insalubres sob caixas de papelão, enquanto profissionais de outras categorias têm dormitórios para seu descanso. A valorização envolve ainda o cumprimento das cláusulas que beneficiam as mulheres nos acordos e convenções coletivas. 

É preciso vencer a estigmatização da Enfermagem como trabalhadoras de apoio, carinhosas e queridas, que fazem tudo isso por doação e amor e, portanto, são invisíveis quando se trata de valorização profissional.  

Basta de aplausos! Queremos reconhecimento. É urgente mostrar à sociedade as profissionais altamente qualificadas que somos. Assim como educadoras e donas de casa, trabalhamos muito e queremos ser respeitadas e valorizadas pelo nosso ofício.

* Cláudia Franco é presidenta do Sindicato dos Enfermeiros no Estado do RS (SERGS).

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.


Edição: Marcelo Ferreira