Em entrevista à Folha de S. Paulo concedida no sábado (11), o general Hamilton Mourão (REP/RS) acusou negros e pobres pelo roubo de 21 fuzis e metralhadoras do Arsenal de Guerra do Exército em Barueri, estado de São Paulo.
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No mesmo dia, em artigo publicado no Diário do Centro do Mundo (DCM), o jornalista Jeferson Miola denunciou: "General Mourão reincide no crime de racismo e na aporofobia".
Ainda no sábado, Jeferson Miola entrou com representação contra o senador Hamilton Mourão no Ministério Público Federal (MPF) pelo crime de racismo e conduta típica de aporofobia — aversão e nojo de pobres que normaliza ataques, segregação e violência social e institucional contra pobres pelo fato de serem pobres.
Miola indicou a Procuradoria Geral da República (PGR) para tramitação.
Confira a íntegra da representação ao MPF
Prezados/as senhores/as,
Apresento a presente Representação contra o senador Hamilton Mourão pela prática do crime de racismo e, também, por conduta típica que caracteriza Aporofobia – aversão e nojo de pobres que normaliza ataques, segregação e violência social e institucional contra pobres pelo fato de serem pobres.
O senador é reincidente nessas práticas abjetas, conforme amplamente repercutido na imprensa nacional.
Em 2018, na condição de candidato a vice-presidência da República, o senador associou o subdesenvolvimento e o atraso do Brasil à “indolência” dos indígenas e à “malandragem” dos negros.
Diante da forte reação àquela manifestação, e para se imunizar de eventual responsabilização pela prática de racismo, ele então alegou possuir ascendências indígena e afro, o que supostamente seria incompatível com a prática de racismo.
Entretanto, na véspera da eleição presidencial de 2018, no dia 6/10, o então candidato a vice traiu a desculpa de ocasião e elogiou a “beleza do neto” como consequência do “branqueamento da raça”.
No dia 20 de novembro de 2020, exatamente na data que se celebra a Consciência Negra, e já então como vice-presidente da República, Mourão repercutiu o assassinato bárbaro do negro Beto Almeida por seguranças do grupo Carrefour em Porto Alegre com uma frase que, segundo farta literatura sobre o assunto, caracteriza racismo: “no Brasil não existe racismo”, afirmou.
Tal afirmação caracteriza racismo porque legitima e justifica de todo tipo de violência, opressão, exclusão e segregação historicamente sofrida pelo povo negro.
A negação do racismo, a despeito do racismo cruel que vitimiza cotidianamente as pessoas negras, é um procedimento político, social e institucional que desumaniza o negro para banalizar as práticas desumanas, discriminatórias, violentas e cruéis contra negros como normais e aceitáveis.
Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo na edição de 11/11/2023, o senador acusou negros e pobres pelo roubo de 21 fuzis e metralhadoras do Arsenal de Guerra do Exército em Barueri, estado de São Paulo.
O general fez uma dedução simplista, a partir do que pode ser considerada uma lógica racista elementar, e criminalizou genericamente –e sem nenhuma prova– os negros e pobres pelo roubo das armas numa unidade do Exército brasileiro.
“Os soldados que nós temos”, disse Mourão, “é a garotada que vem da periferia. Quem serve ao Exército é a turma preta, pobre, analfabeta. Essa é a turma que serve ao Exército, na sua grande maioria”.
O senador então deduziu que o soldado com tal perfil –“turma preta, pobre, analfabeta”– deixa as unidades militares “sujeitas a essa ação do crime organizado”.
Pode-se deduzir, a partir desta caracterização que faz o senador Mourão, que os negros e pobres –simplesmente pelo fato de serem negros e pobres– são, a priori, e em qualquer situação, criminosos.
Sempre. E independentemente de qualquer prova ou fundamento.
A criminalização que o senador faz de soldados negros e pobres por desvios, malfeitos, e ilegalidades no Exército contrasta, no entanto, com as provas reveladas em inúmeras investigações criminais em curso envolvendo oficiais de alta patente e comandantes das Forças Armadas brasileiras – na totalidade homens brancos e com salários elevados, mas nenhum soldado e, menos ainda, negro.
Tal realidade seria suficiente para o senador Mourão se abster de conclusão tão agressiva e vil contra pobres e negros. Talvez, no entanto, o racismo nele entranhado turve a capacidade de discernimento deste parlamentar.
A prática de “racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei”, diz o inciso XLII do artigo 5º da Constituição brasileira.
Em vista do exposto, solicito providências do MPF a respeito do que caracteriza ser uma prática contumaz e reincidente de crime de racismo pelo senador Hamilton Mourão.
Cordialmente
Edição: Marcelo Ferreira