Rio Grande do Sul

Coluna

A América do Sul diante do genocídio palestino

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A ministra da presidência, María Nela Prada, ao anunciar o corte dos lanços com o Estado de Israel, devido aos ataques à Gaza e à ocupação da Palestina - Foto: Tela da estatal TVB
O inimigo sionista ocupa espaço significativo em nossas sociedades e cabe confrontar este perigo

A Operação Tempestade de Al-Aqsa (07 de outubro de 2023) e o consequente cerco de Gaza (naval, terrestre e aéreo) por parte de sionistas e os EUA atinge boa parte das sociedades civis latino-americanas e, respectivamente, a diplomacia oficial a partir dos aparelhos de Estado. Evidente que as posições se alteram diante do genocídio do povo palestino e a comoção social gerada.

Na América Latina e Caribe, a maior parte dos países tenta manter uma posição “equidistante” do chamado “conflito assimétrico”. Ou seja, com maior ou menor proximidade, termina buscando se afastar no seio da luta pela libertação da Palestina embora aceite alguma condenação dos crimes de lesa humanidade por parte do Estado Sionista. A lista das posições aparece em detalhes nesta matéria  da DW (empresa pública alemã em língua portuguesa).

As posições mais duras contra Israel são da Bolívia, Venezuela, Cuba e Nicarágua. Os governos que chamaram o embaixador de volta foram a Colômbia e o Chile. Para a média de relações sul-americanas, os “pontos fora da curva” seriam estes dois últimos. Neste trabalho, vamos nos concentrar nas posições sul-americanas e em escrita posterior, nos atemos ao cenário centro-americano. O caso boliviano – que veremos com mais detalhes – representa a gangorra do continente.

Vale observar que o ponto fora da curva diante da presença de propaganda e constrangimento midiático pró-sionista é a Argentina. No maior parceiro comercial do Brasil dentro do Continente, o alinhamento é maior e “quase orgânico”. Há uma enorme comunidade judaica hegemonizada pelas instituições Delegação das Associações Israelitas Argentinas (DAIA) e Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA). Os atentados realizados durante o primeiro governo de Menem, o de 1992 contra a embaixada de Israel em Buenos Aires (março de 1992) e na própria AMIA (em julho de 1994), durante o governo do traidor Carlos Menem, ratificam essa posição.

Em plena campanha presidencial, das cinco candidaturas em primeiro turno, a única concorrente que defendeu a posição pró-Palestina foi justamente uma militante de esquerda trotsquista e origem judaica, Myriam Bregman. Os demais se pronunciaram publicamente por Israel e condenando o Hamas como “organização terrorista”. No segundo turno, entre Sergio Massa (União pela Pátria, do peronismo hegemônico) e Javier Milei (LLA, extrema direita), ambos se posicionam a favor dos sionistas.

Já o caso chileno, com a maior comunidade palestina fora do Mundo Árabe, a relação não é proporcional. A defesa da Causa Palestina não é hegemônica no sistema político, ficando a cargo da esquerda enquanto as forças da direita e extrema direita se posicionam por Israel. Contraditoriamente, o empresariado palestino tem relações diretas com a mesma direita (como o ex-presidente Piñera e o líder protofascista Kast) que apoia a ocupação da Palestina e está vinculada a presença dos Estados Unidos no país.

Na Colômbia o presidente Gustavo Petro se comportou de forma consequente e aproveitou a oportunidade para se distanciar ainda mais das posições domésticas alinhadas com os Estados Unidos. Para interpretar corretamente a posição da “Casa de Nariño” (sede do Poder Executivo colombiano), é preciso entender a subordinação do país aos EUA, incluindo a presença de tropas terrestres estadunidenses e a ingerência do Comando Sul alegando razões “de segurança continental”. Desta forma, é uma acumulação política importante para a centro-esquerda colombiana confrontar o aliado estratégico do Império e – corretamente – alinhar o país de Camillo Torres ao eixo de crescimento econômico Eurasiático.

O caso boliviano materializa a gangorra e a diplomacia presidencial 

O Estado Plurinacional da Bolívia começou a tensionar sua relação com o poder estrangeiro que ocupa a Palestina desde o ano de 2006. Não por acaso, se trata da segunda guerra contra Gaza a caminho da semi-independência (as colônias de sionistas haviam sido expulsas ainda no ano de 2005). Simultaneamente, foi a segunda campanha militar na qual a resistência libanesa liderada pelo Hezbollah derrota as forças europeias. Na guerra contra os mesmos territórios (Palestina, na Faixa de Gaza, e o Líbano) em 2009, o então presidente boliviano Evo Morales Ayma rompe relações diplomáticas com Tel Aviv.

O retorno destas relações se dá na sequência do golpe de Estado na Bolívia, quando o resultado das eleições de outubro de 2019 não foi aceito pelas forças mais à direita, o que resulta, no mês seguinte, no golpe liderado pela extrema direita de Santa Cruz de la Sierra. O primeiro país a reconhecer a presidência ilegítima e golpista da hoje presidiária Jeanine Áñez foi o então presidente brasileiro Jair Bolsonaro.

Segundo o próprio G1 (portal da Rede Globo) a Bolívia anunciou na quinta-feira (28 de novembro de 2019) o restabelecimento das relações diplomáticas com Israel. Como dissemos acima, o Estado Plurinacional sul-americano havia rompido as relações com o Estado Sionista desde 2009, ainda sob o governo de Evo Morales.

A posição da chanceler do governo golpista boliviano, Karen Longaric afirmou à época que o governo interino pretendia: “retificar todo o mal que fez o governo anterior. O mínimo que poderia se esperar deste governo era retificar a política externa — uma política externa extraviada e que não atendia aos interesses próximos do Estado e que era altamente ideologizada”.

Logo na sequência , o então ministro das Relações Exteriores do Estado Colonial, Yisrael Katz, afirmou que soube da decisão do governo boliviano “com satisfação”. Esta não foi a única mudança de rumo nas relações exteriores. O golpe de Estado reposiciona a Bolívia diante de uma leitura anacrônica de “guerra de fronteiras ideológicas”. Áñez rapidamente buscou se diferenciar da política externa de seu antecessor: distanciou-se de Cuba e Venezuela, aliados políticos de Morales, ao expulsar 725 médicos cubanos e reconhecer Juan Guaidó como presidente interino venezuelano após romper relações com Nicolás Maduro.

Era evidente que a posição do presidente e ex-ministro de economia do MAS, Luis Arce – eleito um ano após o golpe de Estado de 2019 – desde o início do mandato é desconfortável na relação com Israel. A interna do partido de governo é rachada e as duas lideranças (Arce e Morales) absolutamente antagônicas. No distanciamento ou proximidade com o Estado Colonial, a polêmica era igualmente dura. A pressão interna e as excelentes relações econômicas com a Venezuela, China, Rússia e Irã – além da aproximação com a Turquia – posicionam o país de forma alinhada ao desenvolvimento através do eixo eurasiático auxiliam a tomada de decisão que Arce vinha protelando ao máximo.

Assim, quase três anos após tomar posse, o governo da Bolívia tornou-se, em 31 de outubro de 2023,  o primeiro país latino-americano a romper relações diplomáticas com Israel devido à operação militar que ocorre na Faixa de Gaza. A decisão foi anunciada pela ministra da Presidência, María Nela Prada, e pelo vice-chanceler das Relações Exteriores, Freddy Mamani.

Segundo a ministra e chanceler interina: “A Bolívia tomou a determinação de romper relações diplomáticas com o Estado de Israel em repúdio e condenação da agressiva e desproporcional ofensiva militar que ocorre na Faixa de Gaza. Exigimos o fim dos ataques na Faixa de Gaza, que até agora causaram milhares de mortes de civis e o deslocamento forçado de palestinos; bem como a cessação do bloqueio que impede a entrada de alimentos, água e outros elementos essenciais à vida, violando o Direito Internacional e o Direito Internacional Humanitário no tratamento da população civil em conflitos armados”.

No dia 1º de novembro de 2023, às 14.48 da tarde o ex-presidente Evo Morales pressionou ao seu rival e correligionário Luis Arce (atual mandatário da Bolívia) e publicou o seguinte texto na rede social X (ex- Twitter):

Ontem Israel atacou o campo de refugiados de Jabalia, o maior de Gaza, matando pelo menos 145 pessoas. Estes crimes continuarão se não forem tomadas medidas concretas.

O governo da Bolívia tem a obrigação de:

     1 . Declarar Israel como um Estado Terrorista.

     2 . Denunciar Netanyahu e os seus cúmplices ao Tribunal Penal Internacional.

     3 . Convocar representantes dos EUA e da União Europeia ao Ministério dos Negócios Estrangeiros para explicar porque fornecem apoio político, militar e diplomático para que estes crimes sejam cometidos.

Esse é o sentimento do povo boliviano.

Evo forçou a posição boliviana até conseguir o tom da década anterior. No período em que Hugo Chávez governou a Venezuela (1999-2013), Rafael Correa o Equador (2007-2017) e Evo Morales (2006-2019), a então Aliança Bolivariana para os Povos da América (ALBA), as posições eram mais antagônicas ao sionismo e alinhadas com os inimigos estratégicos deste projeto colonial, como as resistências palestina e libanesa.

A diferença fundamental é a internalização dos interesses externos. Definitivamente, o inimigo sionista ocupa espaço significativo em nossas sociedades e cabe confrontar este perigo contra as soberanias do Continente.

* Este artigo foi originalmente publicado no portal Monitor do Oriente Médio

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** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Marcelo Ferreira