Eu sou apenas um ator, então não me peça que lhe faça uma canção correta, suave, singela, porque sons, palavras são navalhas e esse show é como faca, ele é corte profundo”, declarou Silvero Pereira, ao abrir o show em que interpretou Belchior.
Ator, diretor e cantor brasileiro, ele acumula prêmios na sua carreira e emocionou a todos com sua interpretação na noite deste sábado (11), na 16ª Aldeia Sesc Capilé. O evento ocorreu no Museu do Trem com a presença de um grande público composto por diferentes gerações.
Conterrâneos do Ceará, Silvero falou sobre a sua inspiração em Belchior e contou que o artista gostava de ser chamado “Belchiôr”, que tem a mesma sonoridade de cantor, compositor e ator. “Uma vez perguntaram para ele com que se achava parecido e ele respondeu: ‘sou que nem um galo, pela beleza e pelo cantar’”, recordou.
Foram cerca de duas horas, percorrendo as composições de Belchior e entrelaçando com a história de vida de ambos em temas como a política, o amor, a origem nordestina, a migração, homenagem ao pai e a mãe, o medo. O repertório apresentado pelo artista contou com músicas, incluindo um poema de Bráulio Bessa, poeta nordestino.
Silvero soltou a voz com Sujeito de Sorte, seguindo com A Palo Seco, Todo Sujo de Batom, Coração Selvagem, Apenas um rapaz latino americano, Medo de avião, Alucinação, Paralelas, Comentário a respeito de John, Divina Comédia Humana, Galos, noite e Quintais, Conheço o meu lugar, Fotografia 3x4, Princesa do Meu lugar, Pequeno Mapa do Tempo, Na hora do almoço. Para encerrar a noite, Silvero interpretou Como nossos pais e homenageou Elis Regina.
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“A gente artista quando faz o trabalho, nunca ensaia com o público. A gente nunca sabe qual é a reação. A gente só entende a arte... pra mim a arte é isso, você cria uma parte, nunca responsabilize o artista pela arte. Quem é responsável é artista e expectador, porque é depois que os dois se encontram, nesta fusão, é que a gente tem uma relação que vira arte, porque produzir arte e não mostrar para ninguém não vale nada. Importante é a gente ter prazer junto”, falou Silvero ao agradecer a plateia pelo carinho.
O público que começou sentado levantou para fazer coro com os grandes clássicos da música brasileira. Maiara Almeida, 33 anos, natural da mesma cidade de Silvero, Mombaça, Ceará, falou sobre sua alegria de participar do evento. Ela mora há quatro anos em São Leopoldo.
“É um prazer imenso ver uma pessoa da minha terra, cantando músicas de um artista que tem relevância ainda hoje, apesar de serem músicas da década de 60, são músicas atuais. A apresentação dele é incrível, ele é um artista multifacetado, é um artista que explode no palco é indescritível”, elogiou a performance de Silvero.
Ela destacou a importância da Aldeia Sesc e a proposta de trazer “Brasilidades” como tema. “É muito importante e necessário que eventos como este aconteçam, para que a gente conheça a nossa própria cultura como Brasil. A gente, apesar de ter tantas músicas, uma musicalidade tão expressiva, a gente ainda valoriza pouco. E eventos como este nos aproximam e nos conectam m9ais com o que a gente é. A nossa cultura é a nossa identidade, então, o povo nordestino, a cultura gaúcha, o centro-sul do país, tantas apresentações artísticas de tanto valor, isso nos aproxima, nos faz ter orgulho de ser brasileiros, de ser quem somos”, afirmou.
Mariana Almeida também falou sobre seu carinho pela cidade gaúcha. “São Leopoldo é uma cidade que mora no meu coração, eu adoro aqui. É um lugar que eu vejo que tem muitos eventos culturais. Tem a Aldeia, o Sarau do Rio, então a cidade proporciona eventos assim com temas relevantes”, comentou.
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Adil Auri Siqueira, 67 anos, morador do bairro Santo André, foi prestigiar o show com um grupo de amigos, todos vestindo camisetas com a foto do Belchior. Ele contou que tem a discografia completa do cantor, a grande maioria autografada, além de fotos com Belchior.
“O show foi um espetáculo. O artista (Silvero) é fantástico, tem um talento extraordinário, de certa forma fez uma releitura de Belchior, mas o ritmo, aquela paixão que transmite a musicalidade de Belchior, ele conseguiu transmitir. Os arranjos perfeitos parecem os originais, lembraram a banda de Belchior, a Banda Radar. O Belchior me despertou para a musicalidade, para a poesia, para o entendimento das mensagens musicais, um ritmo maravilhoso que me apaixonou quando eu era jovem”, disse o fã, que chegou a pensar que Belchior poderia morar na sua casa.
Mariana Castro, 40, moradora de Esteio, também esteve presente com um grupo de amigas. E comentou a importância deste grande show acontecer em um espaço público de forma gratuita assim como os bate-papos sobre temas relevantes. “Foi um show maravilhoso, envolvente. É essencial que exista espaços expositivos para poder pensar e sentir ao mesmo tempo”.
A artista da dança, Alexandra Castilhos, 35, ressaltou a importância que a presença de Silvero nos grandes eventos representa para a diversidade. “Silvero é a representação das artes cênicas. Ele é muito habilidoso e competente no que faz. Ele traz para um lugar de respeito a história de muitas pessoas”, destacou.
Confira a entrevista com o cantor:
Gabriel Reis - Enquanto artista quem é Silvero Pereira do que ele fala nos trabalhos dele, que sentimentos expressa no trabalho dele?
Silvero Pereira - Sou um rapaz que vim do interior do Ceará, de Mombaça, Sertão Central. Eu conheci a arte muito tardiamente, a partir dos meus 17 anos, porque na minha cidade não tive acesso, mas quando cheguei na capital, que vi teatro, que vi esse lugar permissivo, esse lugar que me abria os horizontes, pensar diferente do que a sociedade diz de quem você é e como deve se comportar, então eu vi a oportunidade nas artes de também chegar com este recado para as pessoas. Então meu trabalho hoje, ainda hoje, seja no teatro, seja na música, seja em qualquer coisa que eu faça é tentar levar informação para as pessoas, questionamento, provocação e fazer com que a gente pense fora da norma, que a gente entenda que existe um pensamento fora desta norma que é de cima para baixo, que ela pode ser horizontal e não vertical.
Gabriel Reis - A gente pode dizer então que a arte realizou um trabalho de acolhimento contigo, durante a tua trajetória e tu quer levar isto para outras pessoas também?
Silvero Pereira - A arte fez acolhimento, ela fez salvamento, ela me tornou uma pessoa bem maior do que eu fui quando eu era criança. Então a arte sem sombra de dúvidas ela me salvou de todas as adversidades sociais que eu possa ter sofrido quando eu criança, não só por ser uma criança não só LGBT, mas principalmente por ser uma criança pobre, filho de um pedreiro, de uma lavadeira, analfabetos, e que estudou em escola pública a vida inteira, mas que a arte me deu oportunidade de ser alguém na vida.
Gabriel Reis - E falando um pouco sobre a tua apresentação de hoje, eu vi que é Silvero Interpreta Belchior, e considerando que o tema da Aldeia Sesc é Brasilidades, não poderia encaixar melhor, não é verdade?
Silvero Pereira - Belchior é um autor atemporal. Ele foi um cara que escreveu na década de 60 e 70 músicas que ainda hoje trazem muito significado. Músicas que falam sobre o Brasil. É um cara extremamente político, religioso, amoroso, apaixonado, então assim, tudo que o brasileiro é. Então as músicas do Belchior, ainda hoje, 2023, e com certeza em 2050, as pessoas ainda vão se identificar com este cara que é um sujeito de sorte, que saiu do norte para o sul para batalhar como artista, que quer mudar as coisas, através do amor. Então é isso que ele fala: “amar e mudar as coisas”.
Gabriel Reis - Como está o coração para a recepção do público de São Leopoldo?
Silvero Pereira - Eu estou bem empolgado, eu estava bem nervoso com esta oportunidade de chegar até aqui, porque o Rio Grande do Sul é um lugar muito afetivo para mim. Eu tenho um carinho por este lugar, porque morei aqui entre 2012 e 2014, em Porto Alegre, fiz grande amigos. Então São Leopoldo é uma cidade muito próxima de Porto Alegre, então sei que vou ver rostos conhecidos de amigos aqui. Da última vez que a gente esteve em Porto Alegre teve uma casa lotada, não deu para todo mundo ver, hoje que é um espaço aberto eu espero que mais pessoas venham acompanhar e que elas se divirtam, escutem o que eu tenho para dizer e se emocionem.
Diversidade em movimento
A diversidade foi o tema do bate-papo com o ativista LGBTQIAPN+, Daniel Passaglia, agenda realizada antecedendo ao show. “Diversidade está em movimento, porque ela consiste neste olhar. Ela consiste neste movimento de olhar para o outro e olhar para si e aí a gente vai conseguindo identificar, se organizar neste meio que estamos inseridos”, apontou.
Passaglia apresentou alguns dados sobre a população LGBT, que chega a 19 milhões de pessoas autodeclaradas, representando 12% dos brasileiros.
Em 2022, uma pessoa LGTB foi assassinada a cada 32 horas por se identificar como LGBT. Por outro lado, o ativista trouxe algumas conquistas: São Paulo elegeu pela primeira vez uma mulher trans, a Erika Hilton, como deputada federal. E o Rio Grande do Sul, elegeu pela primeira vez mulheres negras para a Assembleia Legislativa. Em 1990, a Organização Mundial da Saúde retirou a homossexualidade da lista de doenças. E São Leopoldo tem a lei 7010 que reconhece a liberdade de orientação sexual e identidade de gênero e estabelece penalidades.
“Falar sobre diversidade é falar sobre a possibilidade de ser e existir, de ter direitos, de ser reconhecido, de não sofrer preconceito, de ser reconhecido como cidadão e cidadã. E muitas pessoas que fazem parte deste grupo não são ainda reconhecidas como cidadãos e cidadãs. São Colocadas como pessoas diferentes e, portanto, estão à margem”, alertou sobre a necessidade de combater o preconceito.
Sobre a Aldeia
A Aldeia Sesc Capilé é uma realização do Sesc São Leopoldo e Prefeitura de São Leopoldo por intermédio da Secretaria Municipal de Cultura e Relações Internacionais (Secult), patrocínio da Sicredi e apoio cultural do Semae, República das Cervejas e AEA Sinos. Na sua 16ª edição o tema Brasilidades.
*Entrevista feita por Gabriel Reis – estagiário de jornalismo; Texto de Vanessa Bueno - Assessoria da Prefeitura de São Leopoldo.
Edição: Katia Marko