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Tóxico, eu?

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"Somos alegria e tristeza, amor e ódio, paz e agressividade, medo e desejo, e muito mais. O estranho nos habita, nem tudo que é nosso está sob nosso controle" - Imagem: Reprodução de As Quatro Mulheres, de Salua Saleh
Saber das nossas dores e delícias não nos desresponsabiliza do mal-estar que provocamos no outro

Sim, você, eu e todas as pessoas que estão dispostas a sustentar um relacionamento. Independente da relação em questão, a toxicidade faz parte de todo o encontro humano. Vou explicar, mas antes é importante lembrarmos que somos constantemente bombardeados com uma positividade que chega a ser asfixiante.

Os imperativos “pense positivo!”, “haja com perfeição!”, “seja a sua melhor versão!”, “potencialize sua existência!” são constantemente repetidos no discurso social. Os erros, tão humanos, tornaram-se intoleráveis! A sociedade está submersa num discurso de que devemos fazer um constante “upgrade de nosso mindset”. Melhore, melhore e melhore!

E esse sintoma social, fruto do discurso capitalista, aparece nas relações. No entanto, esqueceram que o indivíduo é dividido, é ambivalente e que nem tudo que nos constitui são flores. Somos alegria e tristeza, amor e ódio, paz e agressividade, medo e desejo, e muito mais. O estranho nos habita, nem tudo que é nosso está sob nosso controle. Nem sempre serei o amigo mais agradável, o namorado mais afetuoso, o pai mais carinhoso, o filho mais orgulhoso. Há algo de tóxico em cada um de nós. 

Sim, somos tóxicos. Há algo em nós que machuca, decepciona e entristece o outro. Tem algo em nós que machuca, decepciona e entristece a nós mesmos. Humano, demasiadamente humano. Agora, é preciso diferenciar relações tóxicas de abusivas. 

O sujeito no seu tropeço tóxico o reconhece e busca mudar, enquanto uma relação abusiva passa pela agressão, manipulação e humilhação do outro. O sujeito abusivo premedita o mal que quer provocar no outro. O tóxico causa mal sem intenção e, quando se dá conta, busca mudar. 

Mudar é difícil. Sabemos o quão estruturados e rígidos estamos em determinada forma de existir. É nossa identidade: “eu sou assim e ponto”. Perdemos muito nessa conclusão. Esquecemos que a liberdade trazida pela flexibilização das formas de pensar, das maneiras de agir, dos hábitos repetidos, nos permitem alçar voos mais altos. Claro que, como diz Caetano Veloso, “cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é”. 

E saber das nossas dores e delícias não nos desresponsabiliza do mal-estar que provocamos no outro, bem pelo contrário. Que o saber sobre nós seja o antídoto de parte da toxicidade inerente há todo sujeito que perambula por aí.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato. 

Edição: Katia Marko