Normalmente os custos dos desastres naturais e catástrofes climáticas são traduzidos em perdas de vidas e imensos prejuízos econômicos, mas nos últimos anos cientistas têm se debruçado sobre um dos efeitos mais perversos e talvez mais difíceis de se quantificar: os impactos sobre a saúde mental. A quarta edição do programa "Mudanças Climáticas e Eventos Extremos: Estamos preparados?", uma produção da rede Brasil de Fato, debateu sobre esses aspectos no final da tarde desta quarta-feira (25).
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Com apresentação da jornalista e editora do Brasil de Fato RS Katia Marko e da advogada especialista em desastres e meio ambiente Fernanda Damacena, o programa abordou a questão “Qual a relação entre desastre e saúde mental?”. As convidadas para discutir a temática foram a Ariel Pontes, psicóloga, coordenadora e docente na Faculdade Unyleya que coordenou o Programa de Restabelecimento de Laços Familiares (RLF) da Cruz Vermelha Brasileira - Rio de Janeiro entre 2021 - 2022, além de ser integrante e colaboradora da comissão de emergências e desastres do Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro; e Elaine Gomes dos Reis Alves, psicóloga, coordenadora do Núcleo de Intervenção Psicológica em Emergências e Desastres (Niped) e fundadora da Prestar Cuidados em Psicologia.
A doutora Elaine Alves iniciou sua intervenção ressaltando que sempre que se fala em desastres, irá se falar de saúde mental. “Todo desastre, toda situação trágica ela vai abalar o indivíduo, ela vai levar o sofrimento humano e ela vai abalar o indivíduo. Inclusive, nós consideramos que o desastre é de risco para adoecimentos, tanto físico quanto psíquico”, comentou a especialista.
Elaine frisou que já está designada a necessidade de iniciar os cuidados nas primeiras 72 horas, de preferência nas primeiras 48 horas e no máximo até às 72 horas, para prevenção desses agravos para a saúde mental. “Esses cuidados para a prevenção devem ser observados por aproximadamente três meses, considerando que já se sabe que após três meses, após um desastre, começam a surgir as consequências. Entre elas, entre os distúrbios de ansiedade de modo geral, nós também vamos ter automutilações, autolesão, ideação suicida, suicídios, depressão e outras possibilidades de saúde mental que sempre vão impedir ou dificultar que o indivíduo leve uma vida segura.”
Para a especialista, diante de situações como estas é importante estabelecer uma rotina. “A rotina nos organiza e à medida que um desastre acontece, ele rompe com o presumido, que é o mundo que nós conhecemos, e desorganiza. E, essa desorganização, ela é sempre de alto preço”, apontou Elaine.
Já a pesquisadora Ariel Pontes abordou, em sua primeira intervenção, a diferença da atuação de psicologia em emergências e desastres, que vai ser bem diferente da forma tradicional. “A psicologia emergentes e desastres, a nossa atuação é no front. É lidar com o estresse nosso e de quem está esperando algo. Então, essa psicologia não vai fazer uma análise daquela pessoa, não vai fazer com que aquela pessoa conte o que ela reviveu. Essa psicologia tem muito uso de ouvir, de fazer uma escuta ativa, de fazer um acolhimento que não seja invasivo, porque dependendo do que você falar, isso pode gerar um dispositivo ou um gatilho naquela pessoa”, explicou.
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Para a especialista é importante, também, dizer que para atuar nesse cenário é preciso ter conhecimento, preparo e capacitação. “Porque nós lidamos com a morte escancarada nesses lugares. E se o profissional, se o psicólogo não estiver preparado, ele pode te tornar outra vítima. Então é ter o cuidado nessa psicologia que a gente faz”, comentou Ariel.
Estrutura do país para enfrentar as condições do desastre
Outro tópico debatido foi a questão da situação da governança e das políticas públicas que atendam à situação que hoje, de aumento de situações de desastres no país. A doutora Elaine enfatizou que o Brasil tem uma rede de saúde muito estruturada, algo perceptível durante o período da pandemia de covid-19.
“O que falta é o preparo desses profissionais, principalmente dos psicólogos, para lidar com as situações de crise, situações emergenciais de desastres. Esses profissionais atendimentos irão para essa rede pública, de modo geral, eles vão para essa rede pública. E aí, se começa a realizar um trabalho clínico, por exemplo, e aí está o erro, porque a psicologia de emergência de desastre é diferente de qualquer outra psicologia. O objetivo dela é o foco no drama para ajudar que aquela pessoa se organize e se oriente”, apontou.
Segundo a doutora, falta um conhecimento, um esclarecimento e, principalmente, um saber do que fazer, pois se percebe nestas situações que, às vezes, não existe nem o conhecimento ou a condição de cuidar da emergência. “Nós observamos isso nas diversas ações em que nós já tivemos, desde emergência, considerando que emergência é uma situação em que o município, a comunidade dá conta, e até desastres, que é uma situação maior em que a comunidade, o município, enfim, precisa de ajuda de outros estados, de outras cidades, e às vezes até de outros países”, enfatizou Elaine.
Orientações do Conselho Federal de Psicologia
Ainda durante a conversa com as especialistas, foi abordada a psicologia da gestão integral de risco de emergência de desastre, que significa que o psicólogo hoje tem que atuar nas cinco fases do desastre, que é a prevenção, mitigação, preparação, resposta e reconstrução. E como a atuação do psicólogo deve estar integrada ao plano de contingência de proteção e defesa civil que deve ser elaborado por todos os entes federativos.
A série de lives "O Mudanças Climáticas e Eventos Extremos: Estamos preparados?" vai ao ar pelos canais do Brasil de Fato RS e Brasil de Fato no Youtube, quinzenalmente, debatendo a cada quarta-feira, às 19h, um novo assunto.
Assista o programa na íntegra:
Edição: Marcelo Ferreira