Rio Grande do Sul

Coluna

Como assim você nunca perdeu ninguém?

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"Histórias compartilhadas, confidências, sorrisos, a voz, seu trejeito e o último encontro" - Reprodução da obra de Daiara Tukano
A morte de alguém próximo talvez seja a experiência mais humana possível

O luto é um processo doloroso. É necessário muito apoio para se reconstruir diante de uma perda. Entre as lindas mensagens de acolhimento que escutamos ao longo deste triste momento, sempre me chama a atenção a tímida revelação de alguns, que quase falam em tom de confissão, que nunca perderam ninguém para a morte. 

Às vezes fico abismado pensando que não é possível que no mundo existam pessoas que vivam neste nível especial de privilégio. É sério que você nunca recebeu a pior notícia possível? Nunca sentiu o mundo cair, o desespero bater, as lágrimas escorrerem e o coração apertar? 

Como assim você nunca encontrou uma pessoa amada deitada sem vida em uma caixa de madeira talhada? Nunca recebeu uma ligação que te tirou o chão? Uma mensagem que te lembrou que o fim chega para todos? Um áudio que faz a alma escapar pelas mãos que transpiram, anunciando o transbordamento das lágrimas? Um triste olhar que anuncia o término de uma história? 

Você nunca perdeu alguém? É sério que você nunca passou pela experiência do chão se abrir em sua frente? Do peito rasgar a ponto de se tornar morada constante para aquele que não respira mais? De não pensar mais em nada além daquele que, em suspiros ofegantes, foi se apagando?

O tempo todo, o tempo inteiro. Histórias compartilhadas, confidências, sorrisos, a voz, seu trejeito e o último encontro. Viver de lembranças que doem e acalentam. Se despedir. Ser o único portador de uma história conjunta. 

A morte de alguém próximo talvez seja a experiência mais humana possível. Nos lembra da nossa própria mortalidade, nos empurra forçosamente a construir novos caminhos, encontrar outras direções. Marca-nos com uma sensibilidade de que apenas quem sentiu o cheiro da morte pode desenvolver. Como assim você ainda não perdeu ninguém? Que sorte.

* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Katia Marko