Não há como lutar pela libertação das mulheres sem garantir a libertação das mulheres palestinas
Existem relatos históricos que demonstram que as mulheres palestinas foram as primeiras a se levantar contra os assentamentos sionistas ainda no fim do século XIX, na fase de colonização pelo mandato britânico e quando ocorreram as primeiras ondas migratórias com finalidades coloniais pelos sionistas.
As mulheres palestinas a partir de 1920 formaram vários comitês populares com o objetivo de articular protestos, ações de desobediência civil, bem como garantir auxílio aos feridos nas manifestações anti coloniais. Nesse período, já existiam organizações de mulheres, como a brigada de mulheres Zahrat al-Uqhawan (flores de crisântemo), que surgiu em 1933 na cidade de Yafa, pelas duas irmãs Moheeba e Arabiya Khursheed e tornou-se uma brigada de resistência para lutar contra as forças paramilitares sionistas após Moheeba testemunhar um atirador do mandato britânico disparar contra a cabeça de um menino palestino enquanto estava nos braços de sua mãe.
Zahrat al-Uqhawan lutou contra as forças paramilitares sionistas até a queda de Yafa em 1948, durante a Nakba, quando parte da população palestina da cidade foi etnicamente limpa, incluindo Moheeba, que viveu o resto de sua vida como refugiada na Jordânia e nunca pode retornar a sua terra.
Em 1921, Emília As-Sakakini e Zalikha As-Shihabi criaram a primeira União de Mulheres Árabes-Palestinas que organizou protestos contra o mandato britânico, a colonização sionista e a Declaração de Balfour, em que a Inglaterra garantia a constituição de um lar judeu em terras palestinas.
Durante a revolta de 1936-1939, as mulheres também se destacaram. Em 4 de maio, 600 estudantes organizaram uma conferência em Jerusalém e protagonizaram uma greve que durou 6 meses. Fatma Khaskiyyeh Abu Dayyeh liderou um grupo de 100 revolucionários palestinos contra o mandato britânico e a colonização sionista conforme relato que consta no livro de Ghassan Kanafani "A revolta de 1936-1939 na Palestina", ela comandou o local de armazenagem das armas dos revolucionários.
Após a Nakba e a ocupação militar ilegal de 78% do território palestino pelos sionistas também temos vários exemplos de mulheres na resistência, como Hayat Al-Balbisi, uma professora em Deir Yassin, que estava em Jerusalém no dia do massacre, mas ao receber a notícia do massacre em curso de sua cidade natal correu para ajudar, como funcionária da Cruz Vermelha, as vítimas palestinas e refugiou 15 meninos e meninas na sua escola, transformando o local em um centro de resgate. Ao colocar a Cruz Vermelha na porta da escola julgou que os soldados israelenses respeitariam as leis humanitárias e não atacariam um centro da Cruz Vermelha. No entanto, Hayat foi morta por um soldado sionista enquanto socorria um palestino ferido no centro.
Outras 55 crianças sobreviventes do massacre de Deir Yassin foram exibidas como troféus de guerra nas aldeias vizinhas pelo exército de ocupação e abandonadas na Cidade Velha. Foram então resgatadas por Hind Al-Hussieni que as levou para sua casa e batizou seu lar de Casa das Crianças Árabes e dedicou sua vida a cuidar dos órfãos de Deir Yassin e outras crianças palestinas.
As mulheres palestinas resistem de diversas formas como o exemplo de Leila Khaled, membro da Frente Popular pela Libertação da Palestina, que foi a primeira mulher a sequestrar um avião em 1969 e repetiu esse feito no ano seguinte. Também com poesia como Fadwa Tuqan, que segundo palavras do ministro da Defesa israelense em 1967, Moshe Dayan: “Cada um dos seus poemas faz dez guerrilheiros.”
Fadwa nasceu em Nablus em 1917 e escreveu: "Basta-me morrer em sua terra e ser nela enterrada debaixo dela me dissolvendo e acabando e ressuscitar na superfície, como grama, ressuscitar como uma flor com a qual a palma da mão duma criança da minha pátria irá brincar, basta-me permanecer no regaço da minha pátria. Terra, Grama, Flor." Uma combatente da literatura de resistência Palestina. Também durante as duas intifadas as mulheres estavam presentes ativamente de 1987 a 1993 e de 2000 a 2004.
Agora em Gaza, em que 65% da população é composta por mulheres e crianças, que em períodos de bombardeios anteriores intensos, foram acusadas de serem terroristas que usavam seus filhos como escudos, também as mulheres e as crianças são alvos dos mísseis da ofensiva israelense contra a população civil. O bloqueio desumano da ocupação sionista impede a entrada de alimentos, remédios, água e insumos básicos e deixa 84 mil mulheres grávidas em risco e a passagem de Rafah, única em que poderia entrar ajuda humanitária em Gaza, segue sendo bombardeada rotineiramente. Demonstrando mais uma vez, que a ocupação sionista israelense não respeita leis internacionais, as resoluções da ONU ou as leis humanitárias.
Como vimos recentemente, após o ultimato e ameaça do primeiro ministro israelense Netanyahu para que os mais de 1 milhão e 200 mil palestinos e palestinas do norte se retirassem para a parte sul de Gaza, e comboios de palestinos em fuga para o sul foram deliberadamente bombardeados pelas forças sionistas, o que aparece em vídeos compartilhados nas redes sociais. Vários palestinos foram mortos assim, majoritariamente mulheres e crianças, algumas parecendo ter no máximo de dois a cinco anos.
Também é notável o descumprimento das leis e convenções internacionais nos 40 bombardeios a hospitais, conforme levantamento da OMS, executados pelos israelenses, hospitais que encontram-se em colapso pelo bloqueio e corte de energia elétrica e pelos mísseis que caem a cada dois minutos sobre Gaza e fazem com que os hospitais estejam superlotados, com feridos dispostos no chão dos corredores, enquanto mais e mais feridos não param de chegar.
A limpeza étnica, os massacres, o apartheid também são patriarcais, coloniais e crimes. As mulheres palestinas continuam resistindo de todas as formas contra a ocupação por diversas décadas. Não somente em Gaza, em condições desumanas com 96% das águas contaminadas por conta do bloqueio imposto e ataques israelenses, como na Cisjordânia em que vivem sobre violento apartheid legalizado, mas também onde chamam de Israel e estão submetidas a 60 leis racistas.
Desde 1967 passaram pelos cárceres israelenses mais de 10 mil mulheres. Mulheres também são presas em detenções administrativas e sem acusação ou julgamento. Passam por torturas e maus tratos sistemáticos por exercerem resistência a ocupação de várias formas escritos, poesias, por arremessar pedras contra tanques, participar de protestos e por recusarem deixar sua terra. Pela defesa de sua identidade palestina, por manterem vivas as memórias do seu povo e passá-las adiante, denunciando a limpeza étnica e a colonização.
Também na Cisjordânia jornalistas palestinas são espancadas e mortas pelo exército israelense, agora nesse momento, e nos anos anteriores, como ocorreu com a Shireen Abu Akleh, a serviço da Al Jazeera, no dia 11 de maio de 2022, que foi alvejada no rosto pelas forças israelenses, enquanto cobria uma incursão militar no campo de refugiados de Jenin (cidade localizada ao norte da Cisjordânia) e demolições em massa de estruturas palestinas.
Que a luta contra a colonização e a memória preservada pelas mulheres palestinas sirvam de inspiração às feministas do mundo. Não há como lutar pela libertação de todas as mulheres sem garantir a libertação das mulheres palestinas. A luta feminista tem que ser antipatriarcal e anticolonial. A resistência das mulheres palestinas contra a ocupação militar ilegal não pode ser rotulada de "terrorista".
Sigamos o chamado dessas lutadoras palestinas e nos juntemos na exigência do respeito a todas as resoluções da ONU, incluindo a que garante o direito de retorno de todos refugiados palestinos espalhados pelo mundo. Boicotemos produtos de origem israelenses. Cobremos o fim de todos os acordos bilaterais firmados entre governo brasileiro e Israel e que os governos imponham sanções à Israel por todos os crimes que vêm sendo cometidos por mais de 75 anos e exijamos o fim imediato dos bombardeios e do apartheid contra a população civil palestina.
* Claudia dos Santos, da Frente Gaúcha de Solidariedade ao Povo Palestino
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.
Edição: Katia Marko